Militar da Funai é acusado de desviar patrimônio de indígenas Mura

Por Leanderson Lima, em Amazônia Real

Manaus (AM) – Há 19 dias, completados neste domingo (30), 16 indígenas do povo Mura exigem que o coordenador regional (CR) do Madeira da Fundação Nacional do Índio (Funai), o capitão do Exército José Ferreira da Rocha, entregue a eles os equipamentos para o transporte fluvial das comunidades no valor de R$ 60 mil, como cinco motores de popa e cinco voadeiras (bote de alumínio). Segundo os indígenas, que estão na cidade de Humaitá, no sul do Amazonas, os equipamentos foram comprados pela Funai, em 2018, depois que o cacique-geral Agnaldo Francisco da Costa Leite, da Terra Indígena Lago Capanã Grande, apresentou um projeto à fundação.

O cacique morreu de Covid-19 no mês de abril aos 78 anos. Ele estava “triste com a situação”, pois não recebeu os equipamentos do militar, diz o filho Ivan Mura, que assumiu a liderança. “O coordenador se recusa a entregar os equipamentos e o denunciamos de desvio do patrimônio à Funai”, afirmou.

Segundo Ivan, antes de ficar doente pelo novo coronavírus, seu pai falou com o capitão Cláudio. “Ele disse ao meu pai que os patrimônios haviam sido comprados e estavam em Cacoal (município de Rondônia), porém, não havia condições de ir buscar, até ajeitarem um caminhão da CR”, explicou Ivan. “Meu pai morreu triste, indignado com essa situação”, completou.

Os indígenas Mura que estão em Humaitá, distante a 591 quilômetros de Manaus, são das aldeias Guariba 2, Palmeira, Monte Claro, Traíra, São Carlos e Bom que dói. Eles estão alojados em um hotel e enfrentam o medo da Covid-19 e da falta de alimentos. As aldeias ficam distante de Humaitá a 36 horas de viagem de barco pelo rio Madeira.

“Me sinto humilhado diante desta situação. Nosso povo faz de tudo para proteger a Amazônia. Lutamos pelo nosso patrimônio e aí acontece essa enganação?”, Marcones Mura, de 27 anos, cacique da Aldeia São Carlos.

As lideranças estão sobrevivendo de doações dos parentes em Humaitá. “Nós pedimos comida, porque não temos mais dinheiro. Os parentes ficam com pena de nós. A gente está tipo mendigando”, contou Marcones Mura.

O cacique-geral Ivan Mura disse que ele e cinco caciques das outras aldeias prometem só deixar Humaitá quando houver uma resposta oficial da Funai sobre a entrega dos equipamentos. Eles ameaçam ir até Brasília caso o problema não seja solucionado. Os Mura são um grupo de 806 pessoas na Terra Indígena Lago Capanã Grande. “Até agora nenhum servidor da Funai e nenhuma autoridade em Brasília tomou providência sobre isso”, disse Ivan Mura.

Depois do luto pela morte do pai Agnaldo Francisco da Costa Leite, Ivan – já como cacique-geral – resolveu ir até Humaitá checar o andamento da situação e foi surpreendido com a mudança de planos por parte do coordenador da CR em Humaitá.

“Quando cheguei aqui, o coordenador (o militar Cláudio) disse: ‘Ivan, os patrimônios de vocês… não é bom nem tu falar mais neste projeto. Esse projeto, ele foi por água abaixo. Tem um outro projeto aí com a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). Estão fazendo um projeto para comprar. Esquece aquele que já foi para água abaixo. Não foi aprovado”, afirmou Ivan.

Mesmo quando confrontado com as informações dadas pelo pai (Agnaldo), um pouco  antes de sua morte, de que o material já havia sido comprado, Ivan Mura novamente ouviu uma negativa do coordenador.

No dia seguinte a esse encontro, o cacique-geral Ivan disse que retornou à CR em Humaitá. Soube que o capitão Cláudio estava ausente, mas ouviu relatos de outros funcionários de que os botes haviam chegado. Mas um deles, inclusive, já havia sido encaminhado para a aldeia dos Pirahã, outra etnia do sul do Amazonas. Ivan contou que cobrou uma posição do militar, que apresentou outra justificativa para não entregar os botes aos Mura.

“O capitão Cláudio disse que tinha sido informado, por Brasília, que os índios do Capanã Grande estavam extraindo madeira. Eu perguntei se ele tinha provas. Perguntei se ele foi ao Capanã Grande, porque o coordenador da Funai não é só ser coordenador de gabinete. Tem que ser de campo, tem que sair para visitar as aldeias para ver como a população indígena está sendo tratada”, protestou Ivan.

O representante dos Mura afirmou ter feito um contato com Brasília pedindo uma justificativa. “Depois disso, ele (Cláudio) disse que não queria mais diálogo comigo, porque eu tinha comunicado à Ouvidoria. Ele mandou que eu fosse a Brasília resolver a questão”, revelou.

Perseguição recorrente do militar

Não é a primeira vez que o capitão Cláudio José Ferreira da Rocha, chefe da CR da Funai em Humaitá, se envolve em polêmicas com a população indígena. Em março deste ano, o líder indígena Angélisson Tenharim, de 28 anos, denunciou o militar de tê-lo difamado, sendo acusado de perseguição e proibido de ter acesso aos computadores do prédio do órgão público, que é responsável pela política indigenista brasileira. Na ocasião, Angélission fez um Boletim de Ocorrência contra o militar.

A reportagem da Amazônia Real fez contato com o coordenador da Funai em Humaitá, o capitão do Exército Cláudio Rocha, que se limitou a aconselhar que a reportagem entrasse em contato com a sede da Funa, em Brasília. Assim fui orientado”, disse o militar. O coordenador da CR é um dos 14 militares das Forças Armadas que ocupam chefias das coordenações da Amazônia Legal, o que demonstra o processo de militarização da Funai.

Funai não se pronuncia

Desde o dia 21 de maio, a Amazônia Real tenta contato com a Funai. Não obtendo retorno do e-mail enviado, a agência solicitou novamente um pedido de resposta no dia 24 de maio sobre as acusações ao coordenador Cláudio Rocha. Até a publicação desta reportagem, o órgão não se manifestou.

Já o Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas disse, por meio de nota, que ainda não foi informado sobre a situação. De acordo o MPF, os indígenas devem procurar o http://www.mpf.mp.br/servicos/sac para denunciar o caso.

Chefe da Coordenação Regional (CR) Madeira, capitão do Exército Cláudio Rocha (na foto acima), é acusado de não entregar botes e motores às comunidades do Lago do Capanã Grande, no Sul do Amazonas

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