Organizações do campo unitário mantém mobilização pela aprovação do Projeto de Lei 823/2021, de apoio à agricultura familiar contra a pandemia da fome, que agora segue para o Senado
Por Lays Furtado, na Página do MST
Foi aprovado nesta terça-feira (8), na Câmara de Deputados(as), o Projeto de Lei (PL) 823/2021, também conhecido como Lei Assis de Carvalho II, que agora segue para votação no Senado. As organizações de trabalhadoras(es) do campo e da cidade apostam neste projeto de lei como uma solução emergencial para amenizar a pandemia da fome, que tem se agravado consideravelmente, assim como a crise sanitária, econômica e social que atinge a maior parte dos lares brasileiros.
É a segunda vez que uma proposta de auxílio aos pequenas(os) agricultoras(es) é apresentada durante a pandemia. Ano passado, um projeto semelhante, nomeado PL Assis de Carvalho (PL 735/2020), foi aprovado pela Câmara de Deputados e pelo Senado. Porém, foi implementada de forma meramente figurativa, já que os vetos do governo Bolsonaro sobre tal medida impediram que essa lei pudesse subsidiar fomentos de socorro para agricultura familiar durante a pandemia.
Sem subsídios para as famílias camponesas – responsáveis pela produção da maior parte de alimentos consumidos pela população – e consequentemente, com menos alimentos disponíveis de sua produção, a inflação do preço dos alimentos deixam os mesmos cada vez mais caros. E isso afeta diretamente o acesso à itens básicos da alimentação, que são essenciais para a subsistência das famílias mais pobres.
É preciso manter à mobilização pela aprovação do PL e lutar contra os vetos presidenciais
Frei Franciscano Sérgio Antônio Görgen, militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e autor de “Agricultura Camponesa Familiar Indispensável Para Reconstruir o Brasil”, comenta sobre o efeito do peso da inflação na mesa do povo brasileiro. “Pela lei de mercado, quando tem baixa oferta e alta procura, os preços sobem. Quando os preços sobem, compra quem tem dinheiro e os mais pobres passam fome.”
Ele também falou sobre os movimentos camponeses e do campo unitário sobre a aprovação do PL, por meio de um acordo entre parlamentares. “Durante as negociações no Congresso Nacional, a liderança do governo Bolsonaro disse que não tem interesse nesse projeto, que vai orientar o voto contrário e que se por um acaso passar essa lei, o governo vai vetar”, declarou Frei durante entrevista.
Para o conjunto dos movimentos sociais do campo unitário, que incluem a Via Campesina, Contraf, Contag, ASA, ANA, MPA, MST, MAB, MMC, entre outros, a situação é crítica e urgente. “ conjunto de todos os movimentos, os quilombolas, os indígenas é de quê, quem negou a vacina e hoje mata o povo por falta de vacina, tá negando comida. E além da pandemia, temos a segunda grave pandemia que é a fome”, ressaltou Frei Sérgio.
O Frei ressalta a importância de pressionar a aprovada da medida, que é fundamental contra o agravamento da fome e se aprovada representará uma vitória para a classe trabalhadora do campo e na cidade, salientou durante uma live transmitida esta manhã nas redes do MPA: “Se aprovada, vai aumentar a oferta de alimentos e de programas de doações, isso vai diminuir a fome, e também aumentando a oferta diminui a inflação [do preço] dos alimentos”.
Inflação da miséria e da fome
A falta de incentivos para a produção camponesa, entre outros fatores, reflete no aumento da fome no Brasil. O país volta a habitar o mapa da fome, com cerca de 125 milhões de pessoas sofrendo com a falta de alimentos e fome severa, segundo os dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), apurados no final de 2020.
Neste cenário, considera-se ainda os cortes no número de beneficiárias(os) e a redução do Auxílio Emergencial, a miséria e fome tem se agravado ainda mais no cotidiano de trabalhadoras(es) do campo e da cidade. Desta forma, segundo estudo publicado pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP), o Brasil deve somar 61,1 milhões de pessoas vivendo na pobreza e 19,3 milhões na extrema pobreza.
Em 2021, o valor do Auxílio Emergencial foi reduzido a uma média R$250, variando entre R$150 para pessoas que moram sozinhas, R$250 para domicílios com mais de uma pessoa e R$375 para mães solo. A redução de beneficiárias(os) foi de 68,2 milhões de pessoas para 45,6 milhões de famílias.
De acordo com os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) referente ao final de 2020, os segmentos de “habitação” e “alimentos e bebidas” foram os que mais impactaram a inflação das famílias de menor renda.
O peso da inflação na economia acumulado em 2020 elevou os preços do óleo de soja (103,79%), arroz (76,01%), entre outros itens como o leite longa vida (26,93%), frutas (25,40%), carnes (17,97%), assim como da batata-inglesa (67,27%) e tomate (52,76%). A habitação, com 5,25%, também teve aumento, influenciada pelo aumento da energia elétrica (9,14%).
As despesas com alimentos, energia e gás comprometem 37% do orçamento das famílias mais pobres e 15% nas mais ricas. Ao longo do ano passado, a inflação das famílias de renda mais baixa subiu 6,2%, enquanto as de renda mais alta registraram índice de 2,7% sobre o mesmo segmento de consumo.
O efeito do dólar sobre os preços dos eletrodomésticos e itens de informática também pesaram mais. De acordo com o IBGE, em conjunto, alimentação e bebidas, habitação e artigos de residência responderam por quase 84% da inflação de 2020.
Para este ano de 2021, o Ipea estima que a inflação será de 5,3%. Ou seja, maior que a do ano passado, de 4,52% (IBGE) e maior que a prevista pelo teto da meta do Banco Central, de 4,6%.
Contradições do Agronegócio: recorde de safra enquanto o Brasil volta ao mapa da fome
Enquanto o agronegócio comemora o recorde histórico na produção de grãos, com crescimento de 24,3% em seu PIB em 2020; mais de 55% dos lares brasileiros sofrem com a falta de alimentos ou fome severa, o índice de prevalência alimentar é o pior desde que começou a ser levantado, em 2004.
Desta forma, fica exposta a contradição difundida pelo agronegócio, da qual, propaga a ideia de que produz alimentos para a população, quando sabemos que cerca de 90% dos grãos produzidos pelos grandes latifúndios de monoculturas são de soja e milho e dirigidos para exportação.
“Um dos motivos pelo qual a comida está muito caro e falta comida pro povo é que o agronegócio só produz commodities: cana, soja, um pouco de milho e não produz os alimentos básicos que vão para a mesa do povo. Feijão, arroz, batata, mandioca, hortifruti, granjeiros e outros alimentos que nós comemos todos os dias, como ovos, leite”, declara Frei Sérgio.
Outro dado relevante para entender os impactos do agronegócio na vida das(os) trabalhadoras(es) é que, mesmo apresentando safra recorde, o setor deixou de empregar 949 mil trabalhadoras(es). De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a classe trabalhadora mais impactada por essa desocupação também são as que apresentam maior vulnerabilidade social, como empregadas(os) sem carteira assinada (427 mil pessoas), trabalhadoras(es) com menor instrução formal (137 mil pessoas), e mulheres (343 mil pessoas).
Segundo o Balanço de Financiamento Agropecuário da Safra 2020/2021, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sob o comando da ministra Tereza Cristina (DEM-MS), foi aplicado investimentos de R$234 bilhões em crédito rural, no período de julho de 2020 a maio de 2021. Esses bilhões de reais privilegiam o financiamento de tecnologias de ponta para a produção do agronegócio, enquanto pequenas(os) produtoras(es) da agricultura familiar camponesa seguem excluídas(os) de políticas públicas de subsídio e fomento.
*Editado por Fernanda Alcântara
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Doações de alimentos para famílias vulneráveis durante a Jornada de Lutas Abril Vermelho do MST, no Paraná. Foto: Giorgia Prates.