Dra. Cecília Zavariz, na ACPO
O reconhecimento da toxicidade do mercúrio (Hg) remonta de muitos séculos atrás. Em 1700 o médico italiano Bernardino Ramazzini escreveu o primeiro livro sobre doenças ocupacionais e higiene industrial apontando o Hg como causador de doença extremamente grave e letal relacionando-a ao trabalho. Apesar disto, a adoção de medidas internacionais para frear as fontes geradas pelas atividades humanas é relativamente recente, embora trabalhos isolados ao longo das décadas tenham sido desenvolvidos no sentido de reduzir/eliminar o uso deste metal agressivo. Em 2001 o UNEP (United Nations Environment Programme) empreendeu uma avaliação mundial sobre as características químicas, consequências à saúde, fontes de transporte para longas distâncias, tecnologias de prevenção e controle de Hg e seus compostos. Com base neste trabalho, em 2003, concluiu-se que existiam provas suficientes a respeito das repercussões nocivas do mercúrio em nível mundial e foi estabelecido um programa de discussões com representantes de países, que culminou em 2013, com a Convenção de Minamata Sobre Mercúrio, ratificada pela maioria dos países, inclusive o Brasil, cujo objetivo final é suprimir do planeta as fontes antropogênicas deste agente tóxico.
Em qualquer de suas formas químicas o mercúrio deve ser eliminado das atividades humanas por sua toxicidade, contaminação, acumulação e impacto ao meio ambiente. O mercúrio se dispersa facilmente na natureza e nunca se degrada podendo mudar para outras formas químicas, dependendo de alguns fatores locais existentes. Pode se transformar em mercúrio orgânico e se acumular em plantas, peixes, crustáceos e outros animais que fazem parte da cadeia alimentar, inclusive dos seres humanos.
No organismo o mercúrio é carreado no sangue e se distribui pelos vários órgãos e sistemas podendo causar danos agudos ou crônicos e afetando irreversivelmente à saúde com quadros bastante variáveis, cujo nexo causal e diagnóstico não é formulado pela maioria dos médicos.
Em gestantes com amálgamas a concentração de Hg aumenta no leite materno, líquido amniótico, cordão umbilical, placenta, mecônio e vários tecidos fetais, como o fígado, rins, cérebro e consequentemente representar risco ao feto.
O amálgama dentário de mercúrio é a bandeira de uma frente de trabalho mundial para abandono deste tipo de uso. Típicamente o amálgama é composto de mercúrio (50%), prata (34,5%), estanho (9%), cobre (6%) e zinco (0,5%). Em geral, a composição do amálgama utilizado no Brasil é de mercúrio metálico e prata na proporção de 50% de cada metal. Tanto o uso de cápsulas em amalgamadores, como a mistura dos metais no momento do uso nos consultórios odontológicos oferecem riscos de contaminação das pessoas envolvidas no procedimento, bem como ao meio ambiente constituindo-se um problema grave. A existência de amálgamas em cadáveres também se constitui fonte de contaminação, tanto nas cremações pela evaporação, como enterrados ao se dispersarem na terra, penetrar e atingir o lençol freático. A extração de dentes com amálgamas constribui para o aumento da contaminação pelo descarte como lixo. Resíduos de mercúrio depositados em aterros, incinerados, aplicados como fertilizante ou liberados nos cursos de água, contribuem para o acúmulo deste tóxico no ambiente.
Ocorre maior exposição, tanto dos profissionais, como dos pacientes durante a colocação e a retirada do amálgama dos dentes. O despreendimento de mercúrio dos amálgamas dentários pode se dar pela ingesta de bebidas ou alimentos ácidos ou quentes, ou por hábito de fumar, mascar chicletes, etc. (OMS, 1991).
A única forma de prevenção é eliminando a utilização de mercúrio. Existem muitas alternativas de tratamento dentário sem uso de mercúrio. Há vários produtos substitutivos ao amálgama de mercúrio, como compostos de resinas sintéticas, sílica, ionômero de vidro, cerâmicas, porcelana, coroas de aço inoxidável, etc. No Brasil o fator determinante da redução de tratamento com amálgamas de mercúrio tem sido consequente à preocupação estética, em que as pessoas não querem dentes com amálgama, devido a coloração escura. O uso de amálgama reduziu-se às populações que utilizam serviços públicos, onde há tratamento dentário gratuito ou serviços odontológicos mais simples, que ainda usam esta tecnologia nociva. Isto demonstra a perpetuação da injustiça social. Há material substitutivo com valores compatíveis, inclusive para prover proteção especial aos mais vulneráveis.
Prevenir a bioacumulação de substâncias tóxicas é benéfica para toda a humanidade. Sem perceber cada um de nós pode estar acumulando mercúrio no organismo, através da contaminação da cadeia alimentar, com repercussões à saúde, cujos sintomas e sinais, sequer serão atribuídos ou relacionados à intoxicação por mercúrio. Reflita sobre isso.
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ASSINE A PETIÇÃO PÚBLICA PARA ELIMINAÇÃO DA AMÁLGAMA DE MERCÚRIO
Foto: ACPO