MPF acusa 8 militares e um médico por crimes cometidos pela ditadura no Araguaia

Denúncias foram entregues ao Judiciário depois de 9 anos de investigação por ordem da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Por Vasconcelo Quadros, Agência Pública

Em dez denúncias encaminhadas ao Judiciário cumprindo parte da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) contra o Estado brasileiro, o Ministério Público Federal resgatou a pauta mais incômoda para as Forças Armadas e o governo do presidente Jair Bolsonaro: a acusação de que, longe da versão de uma guerra na selva difundida pelos militares, o que ocorreu na Amazônia entre outubro de 1973 e final de 1974, na operação conhecida como Marajoara, foram assassinatos a sangue frio, com a ocultação e destruição planejadas dos corpos de oponentes. Oito oficiais e um médico foram identificados e responsabilizados pela execução e ocultação dos corpos de 17 guerrilheiros do PCdoB. As investigações também confirmam que, entre os 68 desaparecidos, 41 foram executados, 32 deles depois de passarem por prisões nas bases militares no circuito da guerrilha. 

As conclusões da Força Tarefa Araguaia (FTA) chega em mau momento para o presidente Jair Bolsonaro – conhecido por exaltar torturadores e a ditadura militar-, que tenta emplacar um juiz na Corte IDH, o advogado Rodrigo Mudrovitsch. Além de jamais ter atuado na área de Direitos Humanos, o advogado defende os ruralistas no processo do Marco Temporal. As eleições estão previstas para acontecer virtualmente entre 10 e 12 de novembro durante a 51ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), na Guatemala. 

Trecho da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro destaca a prática de desaparecimentos forçados, tortura e execuções na ditadura militar

Foram nove anos de investigação, a maior sobre os anos de chumbo, aberta em 2012 para atender à decisão da Corte IDH, que sentenciou o governo brasileiro a investigar a repressão à guerrilha da Araguaia, responsabilizar os envolvidos e dar uma satisfação às famílias sobre o destino dos desaparecidos políticos. O processo internacional é respaldado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. Com o tempo de funcionamento já exaurido, caso não seja renovado, a Força Tarefa Araguaia (FTA) encerrará oficialmente os trabalhos esclarecendo menos de um terço dos 62 assassinatos listados na sentença da corte internacional. Pesquisas independentes elevaram esse número para 68. 

A responsabilização criminal dos militares acusados pelo MPF esbarra na resistência da segunda instância da Justiça Federal, especialmente no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, o TRF-1, jurisdição do Pará, que tem suspendido ações penais com base na Lei da Anistia de 1979. Em grau de recursos, os casos devem ser discutidos ainda no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), que também são refratários a mudanças na Anistia.

Os militares acusados

Na lista do MPF, o mais destacado entre os militares que participaram da repressão à guerrilha é o coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o famoso “Major Curió”, denunciado em sete casos e acusado pelo MPF por 14 homicídios. Depois do conflito, o militar permaneceu por quatro décadas com o controle da região, onde administrou o garimpo de Serra Pelada, fundou uma cidade com seu nome, Curionópolis, da qual foi duas vezes prefeito, se elegeu deputado federal e geriu com mãos de ferro a transformação da área da guerrilha numa das maiores províncias minerais do mundo.

Em seguida, vem o coronel Lício Ribeiro Maciel, alvo de três denúncias do MPF e acusado por cinco mortes. Outros quatro oficiais com forte atuação na repressão também foram acusados: José Brant Teixeira, que usava o codinome de “Dr. Cesar”, José Conegundes do Nascimento, “Dr. Cid”, Celso Seixas Marques Ferreira, o “Dr. Brito”, e João Lucena Leal, o “Dr. João”. Curió era o “Dr. Luchini”, e Lício, o “Dr. Asdrubal”. O uso de codinomes era facilitado por documentos falsos, cedidos pelo próprio governo militar, com os quais os oficiais ligados ao então temido Centro de Informações do Exército (CIE), circulavam na Amazônia como se fossem servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O coronel aviador Pedro Cabral, o ex-sargento João Santa Cruz do Nascimento e o médico Manoel Fabiano Cardoso da Costa, este acusado de falsificar um atestado de óbito, completam o grupo de denunciados pelo MPF.

O chefe da FTA, procurador Tiago Modesto Rabelo, disse à Agência Pública que as denúncias representam o que foi possível esclarecer. Nos demais casos, incluindo o do estudante de arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Guilherme Lund, cuja mãe, Julia Gomes Lund, já falecida, encabeça a ação, não foi possível encontrar provas para responsabilizar os matadores. O MPF acha possível, no entanto, que o caso possa ser encerrado com mais uma ou duas denúncias, relacionadas no máximo a um total de 20 desaparecidos, se a autorização de funcionamento da FTA, que cuida especificamente dos crimes e está com prazo já exaurido, for renovada. Em relação aos demais desaparecidos, os casos devem ser arquivados como insolúveis perante a Corte Internacional. 

Mas há uma outra sentença, esta proferida pela juíza federal Solange Salgado, determinando que se abra investigação sempre que surgir um fato novo, além de exigir que o governo brasileiro entregue os corpos. O MPF tem também uma frente cível, que cuida tanto da localização dos desaparecidos quanto da reparação dos traumas gerados em famílias que foram separadas pelo conflito.

A matança

Segundo o MPF, os 17 guerrilheiros foram aprisionados em emboscadas, levados para as bases militares e, esgotados os interrogatórios, um a um ou em grupos transportados de helicóptero até os pontos de execução. Ao reconstituir o episódio, o MPF rompeu a lei de silêncio imposta aos órgãos estatais pela Anistia e, passou a acusar os militares como por um elenco de crimes: sequestros, torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres. Duas das dez denúncias foram aceitas pela Justiça Federal, tornando Curió e Lício réus, mas acabaram suspensas pelo Tribunal Regional Federal da Região (TRF-1) sob a alegação de que esbarram na Lei da Anistia recepcionada pela Constituição.

A reconstrução dos episódios foi feita por um grupo de procuradores, com de sete a onze integrantes, que ouviu dezenas de testemunhas oculares, militares que participaram da repressão, camponeses coagidos a se tornarem guias do Exército, além de esmiuçar a vasta bibliografia já produzida sobre o conflito. 

Acusado pelo MPF por 14 homicídios durante a Guerrilha do Araguaia, Major Curió se reuniu em maio de 2020 com o presidente Jair Bolsonaro – (FOTO: REPRODUÇÃO INSTAGRAM)

Uma das mais contundentes confissões feitas durante as investigações foi justamente de Curió. Num depoimento surpreendente à juíza federal Solange Salgado no dia 14 de outubro de 2015, em Brasília, ele sustentou que são verdadeiras as informações publicadas no livro Mata! O major Curió e as Guerrilhas no Araguaia, do jornalista Leonencio Nossa, apontando as execuções. “O próprio denunciado Sebastião Curió (…) declarou que autorizou a publicação do livro, tem conhecimento de seu conteúdo e o reconhece como verdadeiro”, anotaram os procuradores da República nas denúncias. Eles fizeram questão de destacar que Curió também “elaborou documentos acerca da ação das Forças Armadas na Guerrilha do Araguaia e, em 20 de junho de 2009, revelou parte de seus arquivos ao jornal “Estado de São Paulo”, tendo afirmado, segundo a reportagem, que o Exército executou militantes. Dos 68 integrantes do movimento de resistência mortos durante o conflito com militares, 41 foram presos, amarrados e executados, quando não ofereciam risco às tropas”, escrevem na denúncia. Curió abriu seu baú para o jornalista e, em entrevistas, narrou os principais episódios do conflito, revelando inclusive execuções das quais participou.

A última aparição pública de Curió foi um encontro com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em maio de 2020. As imagens mostram o militar numa cadeira de rodas, magro, mas com semblante aparentemente saudável, embora tenha alegado estar doente ao se recusar alguns dias antes a receber um oficial de justiça que tentava citá-lo num dos processos. O militar apresentou um atestado médico afirmando que padecia de várias enfermidades, entre elas insuficiência renal crônica, mal de Parkinson e senilidade, o que o impediria de responder por seus atos. O MPF decidiu, então, ingressar na Justiça com um recurso chamado incidente de insanidade para aferir se o militar tem ou não capacidade mental para responder pelos crimes. Se for aceito pelo Tribunal Regional Federal (TRF-1) sediado em Brasília, uma junta psiquiátrica forense fará o exame de sanidade e encaminha o laudo à justiça. Caso as ações penais resultem em sentença, Curió seria internado compulsivamente num manicômio judiciário ou outro estabelecimento em que se mantenha recluso, que pode ser a própria residência. O advogado do militar, Adelino Tucunduva, disse que Curió, que mora em Brasília, não dará mais entrevistas sobre o caso Araguaia.

A alegação de doenças e de lapsos de memória se tornou recorrente entre os oficiais denunciados. Lício e Brant também apresentaram atestados ao perceberem os riscos de o Judiciário aceitar a tese do MPF e da Corte IDH, para as quais os crimes praticados são imprescritíveis em função do sumiço dos corpos. 

Um precedente ruim para os militares foi aberto em julho deste ano, quando a 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo, acatando denúncia do MPF, em decisão inédita, condenou a dois anos e onze meses de prisão o delegado aposentado Carlos Alberto Augusto, ex-agente do Dops paulista, conhecido por Carteira Preta e Carlinhos Metralha, pelo sequestro do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, desaparecido em 1971. 

No caso do Araguaia, o MPF identificou com precisão os militares envolvidos em crimes, as circunstâncias e os locais em que se deram cada assassinato. A riqueza de detalhes em cada uma das denúncias formuladas tem a força de documento consistente para cobrar o destino dos corpos. Embora as Forças Armadas até hoje neguem a existência de arquivos, informes e relatórios das ações, produzidos pelos próprios militares, apontam nomes, datas e locais onde os corpos foram deixados no calor das execuções ou combates. Menos de um ano após o encerramento do conflito, em 1975, os mesmos militares comandados por Curió teriam resgatado e destruído os restos mortais de todos os militantes do PCdoB para tentar apagar os vestígios da guerrilha. 

Mas o episódio continua vivo na memória de familiares de cerca de 200 camponeses presos e torturados na mesma operação que exterminou os militantes do PCdoB. Até o movimento rebelde ser abortado, em abril de 1972, os militantes do PCdoB estabeleceram uma convivência de pelo menos seis anos com os camponeses, sem que a imensa maioria destes soubesse dos preparativos para a guerrilha.

Crueldade generalizada

Última das operações, a Marajoara foi marcada por crueldade generalizada. Famílias inteiras que recebiam assistência de saúde e educação, além de orientação agrícola dos militantes do PCdoB foram presas, acusadas de apoiar a guerrilha. O MPF reproduziu relatório em que os militares ressaltam os primeiros resultados da Marajoara: “o inimigo foi surpreendido com a rapidez e com a forma como foi executado o desembarque e infiltração das patrulhas na mata. Em três dias 70% da rede de apoio estava neutralizada. No fim de uma semana o inimigo sofria as primeiras quatro baixas, e já havia perdido três depósitos na área da Transamazônica. O emprego de Helicópteros e Aviões de Ligação deu grande mobilidade à tropa e proporcionou rapidez na ação”, escrevem os agentes. 

Omitem, é claro, que duas centenas de famílias de camponeses foram presas, torturadas e trancafiadas em buracos abertos nas bases militares. Cerca de dez agricultores foram mortos, outros desapareceram e dezenas deles, coagidos e sob ameaça de execução, foram obrigados a virar guias do Exército e participar dos assassinatos.

“O modus operandi adotado pelos agentes da repressão estatal no Araguaia (…) incluía a posterior ocultação dos vestígios dos crimes cometidos. Neste contexto, após as execuções, os corpos eram identificados e sepultados em determinados locais, de modo precário e às escondidas, ou abandonados na mata, dificultando a localização das ossadas, sem qualquer divulgação do fato ou comunicação aos familiares”, escrevem os procuradores nas denúncias. Eles concluem: “de fato, a ocultação dos cadáveres das vítimas foi cumprida à risca pelas Forças Armadas, tanto que, até os dias atuais, apesar dos esforços empreendidos, ainda não foi possível localizar os restos mortais dos militantes”.

Uma das denúncias, de 2019, joga luzes sobre o papel do coronel José Brant Teixeira, o “Doutor César”, apontado pelos camponeses como torturador e mandante de um crime marcado pela barbárie: a decapitação do estudante de física Arildo Aírton Valadão, emboscado num local conhecido como Grota do Pau Preto, em São Geraldo do Araguaia, no dia 24 de novembro de 1973. Ari, como era conhecido, levou um tiro no peito e teve a cabeça cortada ainda em vida, conforme relato de um dos três guias que, coagidos por Brant, executaram o crime e depois andaram quatro dias pela mata para entregar a cabeça do guerrilheiro. “O corpo de Arildo Valadão foi abandonado na mata e a cabeça da vítima foi decepada e entregue ao mandante, José Brant Teixeira, então comandante da base militar instalada no Município de Xambioá/TO”, escrevem os procuradores na denúncia. 

Lotado à época no gabinete do então ministro do Exército, Orlando Geisel, o militar que deu a ordem de extermínio, Brant era um dos elos entre o CIE, a cúpula das Forças Armadas e o gabinete do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, que deu a ordem de extermínio. Brant esteve várias vezes na região, a última em julho de 1974, quando teria feito questão de acompanhar de perto a execução da geóloga Dinalva Conceição Teixeira, a Dina, guerrilheira que virou uma lenda na região, presa duas semanas antes numa emboscada organizada por Curió. “Estou em Brasília. Guarde que essa é minha”, teria dito Brant por telefone ao saber da prisão, segundo conta o jornalista Leonencio Nossa na biografia sobre Curió.

As denúncias do MPF reconstituem os episódios mais fortes do conflito no Araguaia. A última delas, de agosto, trata de um camponês que aderiu à guerrilha e era conhecido como Pedro Carretel. Seu nome verdadeiro, segundo o MPF, é Pedro Pereira de Souza, integrante de um dos três destacamentos organizados pelo PCdoB, o A. Segundo o MPF, Pedro Carretel (apelido que herdara de um tio, Manoel Carretel) já tinha atuação política junto aos camponeses antes da chegada do PCdoB à região. Havia sido preso meses antes da execução e ficara sob custódia num centro de tortura conhecida como Casa Azul, endereço do antigo DNER, hoje sede regional do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Denit), em Marabá. “Era profundo conhecedor da região. Foi perseguido pelo Exército e teve sua casa queimada”, registra a denúncia.

O assassinato de Pedro Carretel, no dia 15 de fevereiro de 1974, seis meses depois da prisão, em Brejo Grande do Araguaia, na Fazenda Matrinchã, cujo nome atual é Fazenda Rainha do Araguaia, foi esclarecido em por Curió em declarações para seu biógrafo, cujo teor o MPF considera uma confissão por ele ter confirmado à justiça. Ele ainda relacionou na mesma execução outras três vítimas: o estudante de bioquímica Antônio Teodoro de Castro, o Raul, o estudante de economia Cilon Cunha Brum, o Simão, e o estudante secundarista Custódio Saraiva, o Lauro. Os quatro foram levados para os fundos da posse de um morador conhecido como Manezinho das Duas. Com os pulsos amarrados para trás, obrigados a sentar em fila, foram executados sem chance de defesa. Curió sustenta que o tiroteio foi precipitado pelo barulho de outra patrulha militar próxima ao local escolhido para a matança. “Naquele momento atingi Raul no peito. Lembro que Carretel recebeu tiros no lado esquerdo da barriga. Não gritaram porque não perceberam o momento em que erguemos as armas”, detalhou Curió, acusado de planejar, executar e ocultar o corpo de Carretel.

No mesmo dia, para garantir que os corpos não fossem retirados, o próprio Curió foi às casas de vários moradores para determinar que caçadas próximas à Fazenda Matrinchã estavam proibidas nos três meses seguintes a chacina. Nesse caso Curió foi denunciado por homicídio e ocultação de cadáver.

Em outras seis denúncias, Curió é acusado também pelas mortes de outros 13 guerrilheiros, em cuja lista estão Raul e Simão, mortos junto com Pedro Carretel. Seu nome está ligado aos episódios mais marcantes do conflito, como a execução de Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, ex-tenente do Exército e engenheiro de mina, primeiro militante que chegou à área e o mais temido pelos militares; e, da estudante de medicina (RJ) Lucia Maria de Souza, a Sônia que, mesmo emboscada e cercada por uma patrulha, reagiu, ferindo gravemente o coronel Lício Maciel e o próprio Curió. Na lista de crimes atribuídos pelo MPF a Curió estão ainda as execuções do estudante de química Hélio Luiz Navarro Magalhães, o Edinho; a estudante de ciências sociais Maria Célia Corrêa, a Rosa; o metalúrgico Daniel Ribeiro Callado, o Doca; o estudante de astronomia (UFRJ) Antônio de Pádua Costa, o Piauí; a estudante de geografia Telma Regina Cordeiro Corrêa; o secundarista André Grabois, filho do comandante da guerrilha, Maurício Grabois, também desaparecido; o contador João Gualberto Calatrone, o Zebão; o camponês Antônio Alfredo de Lima; e, a geógrafa Dinaelza Soares Santana Coqueiro, a Maria Diná.

O coronel Lício Maciel é acusado de participar dos assassinatos do militante do PCdoB Divino Ferreira de Souza, o Nunes, André Grabois, João Gualberto Calatrone, Antonio Alfredo de Lima e Lúcia Maria de Souza, pelos quais Curió e outro militar de peso, o coronel José Conegundes do Nascimento também são responsabilizados. 

A Guerrilha do Araguaia é um capítulo à parte na história dos anos de chumbo. Organizada logo em seguida ao golpe de 1964, eclodiu em 12 de abril de 1972 com o ataque militar, foi o mais forte movimento da esquerda armada de resistência à ditadura, exigindo o envolvimento das três forças militares e o emprego de algo em torno de 5 mil homens. Os militares sabiam com clareza que naquela região inóspita estavam os quadros mais capacitados da esquerda e temiam que, se não fosse abortado, o movimento conseguisse em algum momento reunir força popular para mais à frente ameaçar a sobrevivência do regime ou, no mínimo, criar uma zona liberada em boa parte da Amazônia. A espinha dorsal da guerrilha, distribuídas em três destacamentos, instalados numa área com 6.500 quilômetros quadrados entre o Pará e Tocantins (mais de quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo) era formada por quadros orgânicos de peso do PCdoB, entre 18 e 20 homens, que receberam treinamento militar na China, daí a razão do foco ser considerado de viés maoísta.

A envergadura do movimento, que sobrevivera a três campanhas, explica a ordem de Orlando Geisel para que nenhum guerrilheiro saísse vivo da área quando, em outubro de 1973, foi deflagrada a Operação Marajoara, usando as forças especiais do Exército bem armadas contra guerrilheiros já em precárias condições de sobrevivência. Hoje octogenários, com as denúncias do MPF, esses militares são acusados de serem autores de crimes e testemunhas oculares de uma história de horror sobre a qual as Forças Armadas tentam colocar uma pedra em cima.

Imagem: Cerca de 500 depoimentos de camponeses e indígenas, vítimas de tortura e perseguição durante a guerrilha do Araguaia, foram registrados. Foto: Guilherme Xavier Neto / Divulgação MST

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