O preço alto da gasolina é fruto da política adotada em 2016, quando foi implementada a política de Paridade de Preços Internacionais para agradar poucos acionistas e o mercado financeiro. Agora, Bolsonaro e o Congresso querem transferir a culpa aos governadores e reduzir o ICMS visando as eleições. Mas o preço só vai baixar quando a Petrobras voltar a servir as maiorias, ao invés de enriquecer uma minoria.
Por Camila de Caso, em Jacobin
ACâmara dos Deputados aprovou nesta semana o Projeto de Lei Complementar nº 11, de 2020, mais uma cortina de fumaça para enganar os brasileiros sobre a alta dos combustíveis. Não é de hoje que Jair Bolsonaro recorre a essa tática, como cansamos de ver durante a Pandemia de Covid-19: tirar a culpa de si mesmo e atribuir a governadores.
No caso dos combustíveis, o presidente parece desconhecer que a Petrobras é do povo e, por conseguinte, a culpa do preço da gasolina estar tão alto é da política de preços vigente desde o governo Temer, onde foi implantada a chamada Paridade de Preços Internacionais (PPI). Em vez de enfrentar o problema, Bolsonaro joga a culpa nos governadores, que supostamente teriam aumentado o ICMS e por isso os preços estariam tão altos, o que não é verdade. Infelizmente, a Câmara dos Deputados erra ao aprovar o ICMS-substituição pelo simples fato que teremos, novamente, aumento da gasolina no futuro próximo — e, assim, acabamos corroborando com a narrativa de Bolsonaro, jogando o jogo pelas suas regras.
Lucros privatizados, prejuízos socializados
Agasolina subiu 39,60% nos últimos 12 meses encerrados em setembro de 2021 (dados do IPCA divulgados pelo IBGE). Curiosamente não tivemos mudança das alíquotas do ICMS neste mesmo período, portanto é irracional supor que o encarecimento da gasolina é culpa dos governadores e que resolveríamos o problema alterando a alíquota de arrecadação dos Estados e Distrito Federal (DF). A estabilização e redução dos preços dos combustíveis não virá da mudança da alíquota do ICMS, porque este não é o problema que gera a alta dos preços.
Como não tivemos alteração da alíquota do ICMS, o que ocorreu foi um aumento do nível de preços de combustíveis que, dada a mesma alíquota base, arrecada mais para os Estados. O ICMS é uma das principais fontes de arrecadação dos Estados. A distribuição dos recursos se dá da seguinte forma: 75% do ICMS ficam com os Estados, sendo destinados 25% para educação e 12% para saúde. O restante vai para os municípios com a mesma base de distribuição para educação e saúde.
O Comitê Nacional dos Secretários da Fazenda dos Estados (COMSEFAZ) estima que a alteração da alíquota reduzirá em R$ 24 bilhões as finanças estaduais, o que significa reduzir também em R$ 6 bilhões as finanças municipais. Vivemos num país onde temos 3 regras fiscais vigentes apenas quando o tema são os gastos sociais e que, por causa disso, os Estados não têm a menor capacidade de aumentar gastos, mesmo se quisessem, e nem se endividar para atender a população. Portanto, enquanto houver um ajuste fiscal que só diminui a capacidade de gestão do Estado, não há por que dizer que os Estados estão com mais recursos – sendo que parte considerável destes recursos são destinados para educação e saúde.
Uma trapaça eleitoreira
Não tivemos alteração da carga tributária para combustíveis. Se de um lado a alta do preço da gasolina não se justifica por culpa dos governadores que estão arrecadando mais, por outro lado a redução da arrecadação dos Estados com o ICMS-substituição afetará diretamente a população na ponta, aprofundando a crise econômica e social ao perder recursos.
O ICMS-substituição define pela primeira vez as alíquotas específicas a partir do valor da média dos preços ao longo do período de 24 (vinte e quatro) meses entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020. Dessa forma, inicialmente pode ocorrer uma redução marginal do nível de preços, afinal os preços durante 2019 e 2020 estavam, de fato, mais baixos.
Porém, o que esqueceram de colocar no cálculo é que esta é a foto do problema, mas quando analisamos o filme, temos que lembrar que haverá reajustes anuais nas alíquotas. E estes reajustes anuais levam em conta a média dos anos seguintes. Como os ajustes serão feitos em cima do preço médio dos últimos 24 meses, no próximo reajuste será considerado os preços altos vividos em 2021.
Assim, o que foi aprovado é uma medida meramente eleitoreira que fará com que os preços dos combustíveis possam cair em 2022 para o consumidor, caso não haja alguma alta muito forte do barril no curto prazo, quando teremos eleições presidenciais — e aumentarão em seguida devido à base de cálculo que irá mudar e absorverá os preços recentes mais altos para o ano seguinte, passada a eleição.
Consequências do golpe
Oproblema da gasolina cara é fruto do golpe de 2016, onde se tornou possível a implementação da PPI por Michel Temer para agradar a poucos acionistas do mercado financeiro. O PPI atrela os preços à variação do valor internacional do barril de petróleo e a variação do câmbio nos preços praticados nas refinarias da petrolífera. Mantida esta política de preços, o Brasil fica “vendido” a qualquer variação do barril de petróleo internacional.
Os recentes acordos da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) visam a manutenção dos cortes de oferta na commodity global a fim de manter o preço elevado do petróleo. Dada a política de precificação da Petrobras, vamos continuar importando as flutuações do mercado internacional para o consumidor final. Neste cenário temos ainda a desvalorização cambial. Com a tendência de alta do preço do barril e a provável manutenção do dólar valorizado mostra a urgência de se resolver o problema dos preços dos combustíveis no Brasil. O Boletim Focus prevê a manutenção do câmbio acima de 5 reais nos próximos anos.
A política de preços da Petrobras só favorece a lucratividade dos acionistas. É a manutenção dos lucros de poucos em detrimento da piora na condição de vida de muitos — e, também, da própria estabilidade econômica do Brasil. Qualquer outra forma de tentativa de redução de preços é apenas maquiagem da realidade. Por isso, precisamos reverter o quanto antes a política aplicada na Petrobras após o golpe para retomar uma política democrática que beneficie as maiorias, no lugar de enriquecer uma minoria.
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Bolsonaro e Temer em cerimônia no ministério da Defesa. Foto de Marcelo Régua