13 mulheres indígenas falam sobre as violências que enfrentam em seus territórios

Mulheres indígenas das cinco regiões do país relatam as violências de gênero contra as quais se insurgem.

Por Vandreza Amante, Catarinas

Para integrar a programação desses #21DiasDeAtivismo perguntamos para algumas mulheres indígenas de todas as regiões do Brasil: quais as principais violências que você e outras mulheres indígenas de seu território precisam enfrentar? 

Em meio a tantas violações de direitos humanos por todo o país, as mulheres indígenas enfrentam historicamente violências de gênero colonialistas patriarcais, racistas, sexistas, misóginas, latifundiárias, econômicas, patrimoniais, ambientais, psicológicas, físicas e sexuais. Buscam, em seus coletivos, enfrentar o cenário de desmonte das políticas afirmativas; lutam por um futuro com dignidade para seus corpos, suas identidades culturais e pela continuidade de seus povos.

O Portal Catarinas entrou em contato com diferentes mulheres indígenas. Algumas delas vivem em aldeias urbanas, outras estão aldeadas em Terras Indígenas. Ativistas, estudantes, professoras, artesãs, agentes de saúde, advogadas, assistentes sociais, entre outras frentes de atuação, compartilham as violências que se apresentam em seus cotidianos para juntas amplificarmos as nossas redes em busca de justiça e solidariedade.

CONHEÇA E APOIE AS LUTAS DAS MULHERES INDÍGENAS!

1 – JHELICE KAIOWÁ, 21 ANOS

Povo Kaiowá, Tekoha Amambai, Município de Amambai (MS). Jhelice é acadêmica de Direito da UEMS-NAVIRAÍ.

“A violência às mulheres indígenas kaiowás e guaranis começa quando já nascem sem ter voz para decidir pelo seu próprio futuro. Elas nascem destinadas para o lar, são ensinadas para se calar diante de situações de violência doméstica, e como moramos em uma comunidade indígena (aldeias), a figura do homem ainda é muito forte. O machismo está enraizado, com isso as próprias lideranças também conhecidas como “capitão” coagem as mulheres vítimas dessas violências.

A Lei Maria da Penha não chega a ser validada nas aldeias, as medidas protetivas não são respeitadas até mesmo quando se denuncia uma violência. A delegacia liga informando o capitão (perguntando) se o fato é verídico ou não, e isso vai agravando a situação da vítima dentro da aldeia. Como se já não bastasse a distância para se locomover até a cidade para denunciar os atos de violência. Há dificuldades de falar, em se expressar corretamente em português para assim denunciar. Essas mulheres que criam coragem para denunciar são perseguidas e ameaçadas constantemente, sendo agredidas não só emocionalmente e psicologicamente, mas chegando à violência física, sendo estupradas e, muitas vezes, mortas.

Por não terem a suas vozes ouvidas e respeitadas, nossos corpos são violados, assim como o nosso direito como mulher. Sabemos que ser mulher nessa sociedade é difícil e se torna mais complicado ainda quando se é uma mulher indígena, que tem poucas condições e nem conhece os seus direitos. Mesmo assim somos muitas, sonhamos em estudar, ir às universidades, mas somos silenciadas pouco a pouco, até não podermos mais ser ouvidas e, assim, mortas brutalmente, caladas para sempre”.

2 – EDINA SHANENAWA, 45 ANOS

Povo Shanenawa (Povo do Pássaro Azul), Terra Indígena Katukina Kaxinawá, Município de Feijó (AC). Edina é vice-coordenadora executiva da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB), que abrange nove estados da Amazônia brasileira, presidenta do Conselho Distrital de Saúde Indígena (única mulher indígena entre sete homens), vice-coordenadora da Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira (OPIRE), do município de Feijó (AC), que representa quatro povos Kaxinawá (Huni Kuí), Kulina (Madija), Shanenawá e Ashaninka. Ativista pelos direitos indígenas, principalmente pelo direito das mulheres indígena.

“Hoje, no atual momento que a gente vive e convive dentro do nosso território, nós, mulheres indígenas, enfrentamos a violência desde o princípio. Mas se a gente está falando da violência que nós mulheres indígenas começamos a sofrer foi desde que o colonizador chegou no território brasileiro. Que já veio com a violência contra a mulher indígena, tirando o nosso direito de viver da forma de cada especificidade do nosso povo, tirando o nosso direito de colocar o nosso nome indígena. A gente enfrenta muitas coisas.

Nós estamos vivendo o nosso retrocesso. Eu digo ‘nosso’ porque nós somos mulheres indígenas, assim como estamos vivendo o retrocesso fora do nosso território, porque hoje nós temos um presidente que tira os nossos direitos dos povos indígenas, principalmente da mulher indígena. E dentro dos nossos territórios há vários caciques representantes deles. Nesses 520 anos, não sei quantos séculos, eles têm medo de a mulher ocupar o seu lugar, porque eles têm medo de perder os seus lugares para as mulheres de cacicada, representantes de dentro da educação ou da saúde. Mas nós não queremos tomar o lugar de ninguém. Nós só queremos ajudar, contribuir, organizar e ter a nossa organização social interna, de dentro da nossa aldeia.

Hoje, a gente enfrenta muito isso ainda. Os preconceitos, os machismos não são poucos, continuam porque quando a mulher está na frente de um trabalho, a mulher indígena, assim como outra mulher, ela sabe organizar, ela tem um cuidado, um carinho por aquilo que ela vai fazer. E tudo dá certo. Os homens não. São diferentes. E cada dia, desse nosso jeito de trabalhar, nós vamos conquistando, e aí conquistando a comunidade; é quando chega a violência dos homens contra nós, mulheres indígenas.

Então essa coisa de poder é uma violência muito forte dentro dos territórios indígenas, porque nós, mulheres indígenas, estamos conquistando os nossos espaços. E quando a gente conquista é quando aparece a violência física, verbal. A gente sofre bastante violência dentro do nosso território”.

3 – SAMMY MUNDURUKU, 34 ANOS

Povo Saterê Mawé/Munduruku, não aldeada, Manaus (AM). Sammy atua na área de Logística, graduanda em Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

“No contexto histórico da colonização de nossos corpos e perda da nossa língua materna, nós mulheres indígenas ainda somos perseguidas pelo machismo estrutural dentro de nossos territórios, situações de violência doméstica, moral e sexual que são naturalizadas por gerações de homens. Até quando, nós que parimos os homens, seremos violentadas covardemente por eles? Não deveria ser uma luta equânime entre nós? Essa doença que se instaura nas famílias indígenas é o grande pilar dos desafios frente aos quais as jovens mulheres indígenas têm lutado e resistido arduamente através dos tempos. Principalmente por vestígios das grandes missões cristãs nas comunidades tanto nas cidades quanto nas florestas deste país”.

4 – JUDITE GUAJAJARA, 26 ANOS

Povo Guajajara, Terra Indígena Araribóia, Município de Amarante (MA). Judite é advogada dos direitos dos povos indígenas.

“Começamos enfrentando a própria violência que a historiografia oficial provoca quando silencia todo histórico de violações que nós mulheres indígenas sofremos durante todo o processo de colonização. Silenciar é estratégia para tentar justificar toda a violência praticada, em muito sob o aval do próprio Estado. Empreendemos nossas vozes para afirmar que sofremos nos nossos corpos as marcas das políticas anti-indígenas, da violação dos nossos territórios, da poluição dos nossos rios. Também sofremos as violências próprias do patriarcado que tenta contaminar nossas comunidades e influenciar nossas estruturas organizacionais com a hierarquização de gêneros. Lutamos por um mundo igualitário, onde nós, mulheres indígenas, possamos ocupar os espaços como sujeitos de direitos específicos”, reivindica Judite Guajajara.

5 – CECÍLIA PIRATAPUIA, 65 ANOS

Povo Piratapuia, Terra Indígena Alto Rio Negro, município de São Gabriel da Cachoeira (AM). Cecília é professora aposentada.

“Violência doméstica, alcoolismo, drogas, os filhos adolescentes se envolvem com isso. Para nós, a violência doméstica é a consequência da bebida alcoólica. Como resolver eu não sei. Pois a cachaça e demais bebidas alcoólicas aqui, em São Gabriel da Cachoeira chegam toda semana. E as autoridades não fazem nada. Quanto à droga não sabemos como resolver. Os adolescentes consomem diretamente. Alguns estão atacando pessoas de bem que caminham na rua”.

6 – INGRID SATERÉ MAWÉ, 34 ANOS

Povo Sateré Mawé, Manaus (AM). Não aldeada, mora atualmente em Criciúma (SC). Ingrid é professora e assessora parlamentar.

“Nós somos atacadas de todas as formas. Com racismo, com violência, com assédio sobre nossos corpos, sobre nossos territórios, com desrespeito às nossas vidas. E muitas vezes, quando um caso de violência vem à tona, ao invés de discutirmos com mais profundidade, o que vemos é o aumento do racismo e do machismo. Entre as inúmeras situações de violência que atingem especialmente as mulheres indígenas estão a exploração sexual de crianças e adolescentes; a precariedade no acesso e atendimento dos serviços de saúde; a ausência de redes de apoio para mulheres vítimas de violência doméstica; a retirada da guarda de crianças indígenas recém-nascidas pelo Estado por suposta negligência geralmente associada à extrema pobreza e o silenciamento de denúncias de violência e assédio.

As mulheres indígenas estão sofrendo violência de todos os lados e maneiras. A exploração da terra e da mão de obra também são problemas relacionados ao cotidiano de dificuldade enfrentado pelas mulheres. É preocupante que nós tenhamos os trabalhos mais difíceis, menos valorizados, sem uma perspectiva do bem viver e com uma influência muito grande de pessoas de outros contextos. E aí, soma-se a isso, o alto índice de alcoolismo, condições sub-humanas e violentas que geram outras formas de violência. As pessoas não têm dimensão do que está acontecendo, de gente que não está respeitando a nossa cultura.

É urgente que se dê maior visibilidade à violência sofrida pelas mulheres indígenas dentro de seus territórios, não só no caso do crime organizado, mas também de crimes como violência sexual, feminicídio e tantos outros. As mulheres indígenas são duplamente invisibilizadas pelo sistema de justiça e combate ao crime organizado. Isso porque, quando se investiga quem são os indígenas que colaboram com práticas ilegais dentro de seus territórios e são cooptados pelas organizações criminosas, somente os homens aparecem. Por outro lado, quando o foco da investigação são as vítimas do crime organizado, elas são descritas genericamente como comunidades indígenas, sem definição de gênero. As mulheres não aparecem nem como participantes, nem como vítimas do crime organizado.

A invisibilidade das mulheres indígenas no mapa da violência nacional é um contrassenso, pois nós somos as maiores vítimas e as principais vozes contra a criminalidade dentro dos territórios. São essas mulheres que, no Acre, são cooptadas em casamentos fraudulentos por organizações de tráfico de drogas para que os traficantes possam passar livremente por dentro de seus territórios na fronteira com o Peru. São essas mulheres que denunciam o garimpo, a exploração ilegal de madeira e tem suas casas queimadas, sofrem ameaças e violência sexual. É urgente e necessário que os parlamentares e o Congresso Nacional atuem para que as forças de segurança pública passem a conferir um olhar de gênero para o combate ao crime que ocorre dentro dos territórios indígenas de Norte a Sul do Brasil”.

7 – AVELIN BUNIACÁ KAMBIWÁ, 41 ANOS

Povo Kambiwá, Aldeia Baixa da Alexandra, Município de Ibimirim (PE). Avelin é socióloga.

“Desemprego, falta de incentivo à geração de emprego e renda. Dependência financeira, violência patrimonial e econômica, o que muitas vezes mantém as parentas refém dos maridos abusadores”.

8 – ELI TUPINAMBÁ, 44 ANOS

Povo Tupinambá, Aldeia São Francisco Terra Indígena, Tupinambá, Santarém (PA). Eli é agente comunitária de saúde.

“Sofremos violências domésticas, psicológicas, morais, patrimoniais, cárceres, agressões verbais e físicas. Violências de gênero por ser mulher e ser indígena, pela identidade, pela nossa pintura e pelos rituais”.

9 – VANUZA KAIMBÉ, 51 ANOS

Povo Kaimbé, Aldeia Multiétnica Filhos Dessa Terra em Guarulhos (SP). Vanuza é assistente social.

“A violência sofrida por mim e pelas mulheres da aldeia é o machismo. Se vamos fazer uma apresentação cultural e somos nós mulheres a puxar os cânticos os homens não cantam junto, sendo que trabalhamos de igual pra igual. Aqui as mulheres têm jornadas muito pesadas. E tem algumas que sofrem violência doméstica, físicas e verbais. Estamos tentando fazer um trabalho em conjunto com a saúde e assistência social sobre machismo e violência. Não acredito na educação, na mudança dentro de casa”.

10 – RAQUEL TREMEMBÉ, 38 ANOS

Povo Tremembé, Terra Indígena Engenho, São José de Ribamar (MA). Raquel é pedagoga.

“Nós, mulheres indígenas, somos um segmento alvo de diversos tipos de ataques. No que refere à mulher indígena liderança a propagação dessas violências chega a ser absurda. Somos criminalizadas, violadas e violentadas com discursos machistas, racistas e preconceituosos de todos os segmentos, algumas vezes até dentro do próprio movimento. Ainda mais quando fortalecemos as discussões de políticas voltadas à base, como formação, autonomia, ocupação nos espaços de poderes e desconstruções de discussões colonizadoras, mascaradas de descolonizadoras”.

11- NANDJÁ XOKLENG, 35 ANOS

Povo Laklãnõ/Xokleng, Terra Indígena Laklãnõ/Xokleng, município de José Boiteux (SC). Nandjá é liderança na retomada urbana em Blumenau (SC), estudante de Pedagogia (IFSC) e Odontologia (FURB).

“A grande violência que precisamos enfrentar é o machismo que se infiltrou até dentro das aldeias. Parece que estamos cometendo um crime ocupando nossos espaços dentro e fora da aldeia”.

12 – JANETE DESSANA, 34 ANOS

Povo Dessana, Alto Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira (AM). Janete é diretora da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).

“Violência sexual e física. Com a chegada da pandemia foi aumentando a violência contra mulher, violência contra a mulher indígena, contra a qual o movimento de mulheres indígenas vem lutando, fazendo mobilizações, palestras e oficinas pautando esse tema. Não está sendo fácil nas comunidades. A maioria dos nossos parentes não sabe que existe lei que ampara as mulheres, para ela a violência é normal e tem que ser assim. Aos poucos estamos chegando nas comunidades e passando essas informações. Acredito eu, que aos poucos assim chegando na comunidade e repassando essas informações veremos a minimização da violência contra mulher. Contamos com o apoio de vocês para seguir forte a nossa luta, a nossa luta não para”.

13 – ALESANDRA KAINGANG, 23 ANOS

Povo Kaingang, Terra Indígena Serrinha, Constantina (RS). Universitária no curso de Educação Física na Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

“Nós, mulheres, e nossas famílias, fomos expulsas da aldeia, com ameaças de morte, humilhação, perseguição, tentativa de homicídio. Fomos expulsas só com as roupas do corpo por estarmos fazendo uma manifestação contra a cooperativa porque nós queremos a igualdade para todos”.

*Alesandra optou por não divulgar a sua foto por temer represálias.

Fotos: arquivos pessoais | Mosaico: Daniela Valenga

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