Sobre defesa da dignidade de mulheres negras

Humanos sentem. Desumanos, não. Desumanos aguentam tudo. E isso é feito usando um outro negro, para o toque refinado do racismo. Will Smith defendeu dignidade e humanidade, demonstrou parceria, coisa rara a mulheres negras.

Por Juliana Borges, no Blog da Boitempo

O que era para ter sido a noite da consagração da carreira de um homem negro acabou se tornando a noite em que ele teve que reafirmar a dignidade de pessoas negras. E precisamos falar sobre isso.

Não foi a primeira vez que Chris Rock atacou Jada Smith. Em outra cerimônia, ele a atacou de forma vil por seu posicionamento em defesa de um boicote ao Oscar pela falta de representação negra entre os indicados. Não é a primeira vez que Chris Rock ataca mulheres negras em forma de piada. Há pesquisas, para além das históricas vivências, apontando que nós, mulheres negras, somos o grupo mais atacado em redes sociais e em dinâmicas de relacionamentos sociais. E, em geral, apenas nós defendemos a nós mesmas. Ninguém sai em nossa defesa. Nem homens negros.

O cabelo para mulheres negras é um território de reconhecimento e de reafirmação de existência. Esses dias, Allyne Andrade trouxe um ponto importante: fazer o cabelo é, para nós, um ritual de encontro, de troca, de fortalecimento e de cura. Jada enfrenta uma doença, notoriamente conhecida.

Além disso, não se tratou ali de defesa da honra, porque, como bem lembra Tulio Custodio, quando falamos de masculinidades e pessoas negras: (1) não estamos falando de um ponto de partida hegemônico; (2) mulheres negras não são o padrão a ser defendido pela honra, se não como propriedades historicamente. Nunca fomos as donzelas. E ao demandar defesa, portanto, estamos falando da dignidade pela reivindicação de humanidade.

Para isso, retomo bell hooks e Audre Lorde, bem como Cornell West e Malcolm X: reinvindicar a raiva é reivindicar nossas humanidades. A raiva é propulsora e nos reposiciona. O sistema racista e a branquitude nos desumanizam, nos posicionam como incivilizados. Mas quando demandam nossa civilidade, demandam que anulemos emoções, que aguentemos a violência sem reação, roboticamente. E, nesse sentido, conseguem rearticular a ideia de nossa desumanidade. Humanos sentem. Desumanos, não. Desumanos aguentam tudo. E isso é feito usando um outro negro, para o toque refinado do racismo.

Will Smith defendeu dignidade e humanidade, demonstrou parceria, coisa rara a mulheres negras.

Nós também sentimos, Will.

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