Família do ex-procurador que coordenava a Operação Lava Jato fez contratos de comodato com posseiros e depois entrou na Justiça para obrigar o Incra a desapropriar; autarquia cobra R$ 147 milhões do clã, sob a acusação de sobrepreço
Por Leonardo Furhmann, em De Olho nos Ruralistas
O procurador aposentado do Ministério Público do Paraná Agenor Dallagnol tinha, em meados dos anos 90, uma fazenda improdutiva em Nova Bandeirantes (MT), assim como vários de seus irmãos e sobrinhos. Eles estão entre os proprietários da Gleba Japuranã, com mais de 36 mil hectares divididos em dezenove fazendas. Agenor é pai do ex-procurador federal em Curitiba Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato e potencial candidato ao Senado pelo Podemos. A propriedade de Agenor, de pouco mais de 2 mil hectares, é a Fazenda Guapé.
A solução para dar lucratividade para aquelas terras é assinada pelo irmão de Agenor, Xavier Dallagnol, advogado radicado no Mato Grosso e o responsável pelas questões jurídicas da família no estado. Ele assinou contratos de comodato com a direção de um movimento chamado a Terra é Nossa, em 1998, para assentar 700 famílias na gleba. Xavier havia entrado nas terras em 1985. De lá até o fim dos anos 90, metade da área de floresta nativa foi destruída.
De Olho nos Ruralistas resume o caso em nova série de reportagens sobre a face agrária do clã. Em 2019, revelamos a existência dos latifúndios no noroeste do Mato Grosso, quase no Amazonas. Agora, mostramos que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cobra da família a devolução de R$ 147 milhões, dos quais R$ 8 milhões para Agenor Dallagnol; e que o governo Bolsonaro demitiu o presidente da autarquia que deflagrou as investigações sobre as indenizações.
Como foi possível se chegar a uma diferença tão grande?
INCRA APONTOU VALORES INFLADOS EM CADA UM DOS CONTRATOS
Para garantir a desapropriação da terra para a reforma agrária e o pagamento de indenizações para os proprietários, Xavier Dallagnol chamou o superintendente do Incra no Mato Grosso como testemunha dos contratos de comodato. A participação do Incra no momento da celebração dos acordos é utilizada pelos proprietários, em processos judiciais e administrativos, como argumento para tentar obrigar o Estado a concluir a desapropriação e a pagar as indenizações. Na negativa de provimento ao processado iniciado em 2009, a Justiça rejeitou qualquer responsabilidade do Incra pelos contratos:
– Apesar do decreto expropriatório gerar a expectativa de futura desapropriação, em momento algum acende para os autores o direito adquirido de obtê-la. Ainda que realizado o contrato de comodato na presença de representante do Incra, este não foi parte, não assumiu qualquer responsabilidade, mas tão somente acenou a ocorrência de provável desapropriação.
Na sua defesa, o Incra apontou valores inflados que foram pagos a cada um deles, excluindo do cálculo fatores de redução como devastação ambiental e ancianidade. O próprio Agenor já recebeu mais de R$ 8 milhões, valor que o Incra tenta recuperar em processo atualmente em tramitação na Justiça Federal.
Além de contestar os valores e destacar que não é responsável pelos comodatos, o Incra aponta outros problemas nos contratos. Um deles é que o Movimento A Terra é Nossa não tinha personalidade cível quando os documentos foram assinados, em 1998. Este problema só foi resolvido em 2015, depois que o assunto foi judicializado. Uma renovação de contrato foi assinada com os presidentes de oito associações, agora com cadastro nacional de pessoa jurídica, em substituição ao movimento. Outro aspecto destacado pela repartição é que Xavier não teria as procurações de todos os proprietários da área no momento que os contratos foram firmados.
Esses argumentos levaram a Justiça Federal a negar provimento ao processo iniciado em 2009 no qual os fazendeiros buscavam obrigar o Incra a concluir a desapropriação da gleba.
NEM TODOS OS POSSEIROS PODEM SE BENEFICIAR DA REFORMA AGRÁRIA
A situação causa preocupação entre os trabalhadores que moram na gleba. Apesar de muitos deles estarem nas terras faz mais de vinte anos, não há garantia de sua permanência. No período, muitas famílias cresceram a acabaram adquirindo outros lotes, também sem regularização fundiária. As negociações são baseadas contratos de direito de uso e o pagamento por benfeitorias feitas nos lotes. Aí surge outro problema para o Incra regularizar a área: nem todos os ocupantes preenchem os requisitos necessários para serem beneficiários da reforma agrária.
Relatório elaborado pelo Instituto Centro de Vida, em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apontava em 2015 que 31,4% dos moradores da Gleba Japuranã não tinham posse da terra.
TIOS DE DELTAN RESPONDEM POR INVASÃO DE PROPRIEDADE
Se Xavier é a face jurídica dos interesses dos Dallagnol nas terras do Mato Grosso, Leonar Dallagnol, conhecido como Tenente, é o braço operacional da família. Juntos ou separados, ambos enfrentam processos e investigações por irregularidades em disputas por posses de terras e loteamentos clandestinos, como já mostrou o De Olho Nos Ruralistas. Eles foram alvos de um inquérito em Nova Monte Verde, município próximo de Nova Bandeirantes.
Tenente confirmou ao Ministério Público, em 2016, que era o proprietário do loteamento Estrela Dalva e que o irmão Xavier era o responsável pelo loteamento Jupuranã, também no município. Em outro inquérito por loteamento ilegal, Xavier Dallagnol – defensor de acusados por grilagem – foi beneficiado pela prescrição da pena, segundo o Portal da Transparência do MP-MT. Tenente respondia a outro inquérito pelo mesmo motivo.
Não é o único problema dele com a Justiça. Em 2018, Tenente respondia a uma ação em que era acusado de ter invadido uma propriedade chamada Chácara Primavera, em Japuranã, juntos com homens conhecidos como Laerte de Tal, Pedro Doido e Nego Polaco. Tenente recebeu o título de cidadão honorário do município, dado pela Câmara Municipal de Nova Bandeirantes, em 2016. Na ocasião, foi reconhecido por sua “bravura” e pela condição de “ilustre colonizador”, “grande desbravador”.
DE OLHO NOS RURALISTAS AMPLIA EQUIPE PARA COBERTURA ELEITORAL
A série sobre o clã Dallagnol inaugura a cobertura eleitoral do De Olho nos Ruralistas, com uma equipe ampliada tanto para a cobertura dos candidatos ao Congresso como para a cobertura das eleições para o Executivo. Até as eleições serão dezenas de reportagens, relatórios e vídeos sobre as eleições 2022.
Confira vídeo de apresentação da série de reportagens sobre o clã: