Bolsonaro legitima a violência banal e o discurso de ódio contra grupos sociais que não podem se defender
Rosângela O. Silva, Brasil de Fato
O mundo vive uma onda de violência arrastada por formadores de opinião de toda ordem. Há uma movimentação que se utiliza da máxima de que estamos na era da “liberdade de expressão”. No entanto, a frase vem entre aspas justamente por ser um assunto delicado, de um lado, o perigo do cerceamento da palavra e do lugar de fala daquele que se manifesta; do outro, dizer o que se quer sem filtro, afeta o tecido social de maneira indiscriminada.
No Brasil, essa questão não é diferente, abre-se a discussão da “liberdade de expressão” utilizada de maneira política travestida de informação. Não se pretende, aqui, entrar no celeiro das fake news (falsas notícias), mas sim, nas expressões que são utilizadas e que visam informar ou esclarecer fatos ou situações. Em nome dessa “liberdade”, o que se percebe é a perda da civilidade comumente construída ao longo de muitos anos dentro de um grupo social.
Nesse sentido, a civilidade nada é mais do que demonstração de respeito mútuo, consideração e boas maneiras, expressão simples do cotidiano, contudo, ao ser vista com cuidado, traz uma percepção maior sobre como vemos as demais pessoas que nos cercam.
Tendo em vista o que se entende por civilidade, na última década, esse crescente de redes sociais e a veiculação de informações minaram o pacto civil de maneira expressiva. É por isso que a epígrafe faz jus a este ensaio, uma vez que abrir uma porta para as exceções é um perigo, haja vista que, de exceção em exceção nas mídias, o caricato parlamentar Jair Bolsonaro ganhou espaço.
Usa-se o termo caricato, pois assim ele era visto por muitos profissionais da área comunicação, os quais o subestimaram e/ou compactuaram com o ele, até então deputado federal. Mesmo visto como temperamental, explosivo e intolerante, nada disso foi empecilho para que o parlamentar, à época, estivesse na mídia, construindo seu espaço e ganhando simpatizantes pelo Brasil, valendo-se desse fenômeno para se tornar chefe do executivo.
O Presidente da República é um dos arautos da “liberdade de expressão” e se beneficia dela na medida em que a utiliza, fazendo da exceção uma regra e tornando populares frases preconceituosas, misóginas, machistas e racistas, numa clara promoção de ataques às minorias ocasionais. Na esteira da perda de civilidade, outros agentes políticos entendem que, assim como Bolsonaro, podem usar da mesma retórica, angariando para si o capital dos que se dizem conservadores “sem voz”, fala essa muito utilizada também pelo ex-capitão.
Na prática, sob o manto da liberdade de expressão, Bolsonaro legitima a violência banal e o discurso de ódio contra grupos sociais que não podem – e não têm como se defender. Sendo o Estado o agente coercitivo por natureza, não pode ele naturalizar a violência e sucessivos ataques contra a dignidade humana por meio de seu maior representante, o Presidente da República.
Portanto, nota-se que o país abriu a porta para a exceção e o excêntrico, o que demandará um descomunal esforço para voltar à rota da civilidade, pois, no momento, a democracia brasileira está em colisão frontal com as instituições, desmoralizadas pelo chefe do executivo.
Dessa forma, abrir mão da construção democrática que tanto pesou para o país é um risco que nem os meios de comunicação e muito menos as redes sociais darão conta. Caberá à sociedade brasileira desmistificar o mantra da liberdade plena de expressão, já que em um regime que se pretenda democrático não se admite o uso da exceção para perseguir, eliminar ou silenciar os diferentes, o que é típico dos regimes autoritários. Nas democracias, as portas devem estar sempre aberta para demonstrar que liberdade, civilidade e respeito caminham juntos e, acima de tudo, permitem que todas as vozes possam soar na mesma altura.
* Rosângela O. Silva é socióloga e assistente Social, especialista em gestão pública e saúde coletiva e integrante da Frente Democrática de Ermelino (FDEM)
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato
Edição: Rodrigo Durão Coelho
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Ilustração: Mihai Cauli