Alenice Baeta , Maria Cristina Cairo e Mauro Antônio de Souza*
José Vitor Gomes, natural São Gonçalo do Bação, nasceu em 1894, na época pertencente ao território de Ouro Preto (até 1923), hoje, parte do município de Itabirito, MG, tendo falecido no ano de 1969. Foram 75 anos de muita criatividade, arte e dedicação a São Gonçalo do Bação e ao seu povo.
“(…) era um gênio que se desdobrava em atividades como pedreiro, escultor, pintor, músico, escritor, inventor, entre outras. Embora existam relatos de sua baixa escolaridade, José Vitor atraía diversas personalidades e políticos interessados em observar e aprender com a sua genialidade.” (BAIÃO, 2022)
Segundo depoimento da Sra. Divina do Espírito Santo, 94 anos, moradora de São Gonçalo do Bação: “José Vitor era um homem muito inteligente, discreto e de bom coração. Ele era músico e artista. Tocava na banda, cantava e dava aulas de música. O Padre Antônio Cândido criou a banda e a mantinha. Os instrumentos musicais eram da banda, sendo que José Vitor tocava alguns deles, tais como: órgão, harmônica, trombone e saxofone. Era um homem baixo e com pouco cabelo. Muito religioso, costumava dormir em uma cama constituída por uma tábua de madeira com um cobertor fino.” O pai da Sra. Divina, Sr. Benjamim Pimenta, foi visitar José Vitor em sua casa e ficou impressionado com a simplicidade e a sua dedicação religiosa. Ele era muito católico, possivelmente queria se purificar dormindo somente sobre a tábua. Ele também projetava peças sofisticadas de madeira. Ficou famoso um relógio, inaugurado em 1931, composto ainda por pregos e material reciclado, como caixas de latas e garfos, criado e montado de forma muito meticulosa para acionar os badalos dos sinos em horários determinados na torre da Igreja de São Gonçalo do Bação. (BAIÃO, 2022)
Sua casa é um exemplar magnífico de construção civil eclética e marca de seu estilo. São deles os distintos chafarizes de tijolinhos, pedras e argamassas espalhados pelo centro histórico de Bação na ocasião das obras do prefeito de Ouro Preto, Dr. Joaquim Cândido de Costa Sena, visando a captação e a distribuição de água em São Gonçalo do Bação, em 1920. Em frente à sua casa, inclusive, há um importante exemplar que faz parte do conjunto de chafarizes de sua autoria. Os demais chafarizes que também resistiram ao tempo e ao vandalismo são os seguintes: dois na antiga rua do Areal ou Arraial, um na rua do Tombadouro, um na antiga Volta da Lagoa, e outro na rua do Cruzeiro. O conjunto de chafarizes necessita de um programa de revitalização e valorização patrimonial e artística urgente.
O Sr. Jarber Damasceno, 79 anos, vizinho da bela casa de José Vitor e grande conhecedor da sua obra, conta que o artista-construtor tinha, na época, uma olaria onde produzia os tijolos usados em suas obras. Costumava também deixar inscrições nos tijolos com o intuito de registrar e identificar os feitos construtivos. Há um tijolo com a data 1920, associado à ocasião das obras dos chafarizes. A última pedra assentada na reforma da Igreja de São Gonçalo do Bação, foi inscrita com os dizeres de José Vitor indicando o dia e o ano de sua finalização, 08 de abril de 1924. Nos tijolos, pede proteção a todos que trabalharam na obra da matriz – relíquias peculiares de sua obra e atributos. Ele seria ainda o autor, na matriz, segundo registro do Livro do Tombo referente à esta obra na Igreja de São Gonçalo do Bação, de duas pias de pedra, feitas somente em 3 dias com uma maceta e um ponteiro, sem molde. Consta ainda, dentre as demais atividades de assentamento de lajes na mesma, que são de autoria as inscrições na frente do adro, do lado esquerdo, “Viva Jesus” e do lado direito, “Ave Maria”.
Era inventor e projetista. Havia uma fresta na fachada da casa de José Vitor que propiciava o raio de luz atingir um espelho na porção interna de um cômodo que despertava José Vitor. Um relógio de luz solar. Dentre seus vários inventos, teria adaptado uma espécie de “bicicleta com asas”, cujo voo experimental teria sido terminantemente proibido pelo então padre Bernardo, que o fez desistir deste projeto mais arrojado e arriscado.
É possível notar elementos artísticos e estilísticos de José Vitor em túmulos remanescentes das décadas de vinte e trinta do século XX no cemitério da Capela Nossa Senhora do Rosário. Em um deles, há um anjo que indicam ser parecido às duas esculturas, também de anjos que ficavam assentados na parte superior e externa de sua casa quando ele era vivo, mas que desapareceram.
“José Vitor Gomes faleceu no ano de 1969 e o prefeito de Itabirito da época, José Bastos Bittencourt, prestou-lhe justa homenagem denominando a escola de Teixeiras, localidade próxima a São Gonçalo do Bação, de Escola Municipal José Vitor Gomes”. (BAIÃO, 1922)
José Vitor também possuía uma caligrafia excepcional, como registrado em suas anotações em pergaminho feitas com bico de pena, indicando ser um leitor assíduo da Bíblia, quando teceu tênues reflexões filosóficas e existenciais registradas. “Quem sou?”, escreveu José Vitor em sua simplicidade inteligente e instigante.
Em resposta à pergunta, José Vitor figura como um dos mais célebres artistas do início do século XX de Minas Gerais, merecendo toda a atenção à sua história, relíquias remanescentes e valorização do seu belíssimo acervo artístico e arquitetônico.
Referências Bibliográficas:
BAIÃO, A. “O relógio de São Gonçalo do Bação marca outra contagem de tempo”. In: Agito Mais – Cultura /Artigo Opinião. 03/05/2022. https://agitomais.com.br/noticia/160/o-relogio-de-sao-goncalo-do-bacao-marca-outra-contagem-de-tempo-coluna-lugares-a-costumes
Livro de Tombo da Paróquia de São Gonçalo do Bação. Assunto: Manuscritos sobre Obras na Igreja de São Gonçalo do Bação, na década de 20 do Século XX. Município: Itabirito, Minas Gerais.
*Alenice Baeta, Arqueóloga e Historiadora; Membra do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios-ICOMOS; Maria Cristina Cairo, Engenheira Arquiteta; Membra do Conselho Internacional de Monumentos e Sítio-ICOMOS e Mauro Antônio de Souza, Diretor Teatral do Grupo Bação, Ator e Escritor.
—
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Frei Gilvander L. Moreira.