Precisamos falar sobre as doenças negligenciadas

Mais de 1,7 bilhões de pessoas estão ameaçadas por moléstias preveníveis e tratáveis – mas que não interessam à indústria farmacêutica. Fórum Social debruçado sobre o drama tem alternativas – e vê chance real de mudança com Nísia Trindade

Por Gabriela Leite, em Outra Saúde

Dengue, hanseníase, doença de chagas, leishmaniose, raiva, barriga d’água. Há 20 itens na lista de Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN) elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ontem, 30 de janeiro, foi o dia escolhido para jogar um holofote sobre elas – que são comumente esquecidas por governos e pela indústria farmacêutica porque afetam sobretudo populações vulneráveis. O fato de serem ignoradas não significa que são um número pequeno: 1,7 bilhões de pessoas estão ameaçadas por Doenças Tropicais que são plenamente preveníveis e tratáveis. O alerta da OMS e de tantas outras entidades é que elas precisam deixar de ser ignoradas.

“A definição das DTN está relacionada à ausência de prioridade por diferentes setores”, explica Alexandre Menezes, diretor nacional da NHR Brasil, organização que combate a hanseníase. “Primeiro por parte do mercado, das indústrias farmacêuticas, das indústrias produtoras de diagnósticos que não têm preocupação com o desenvolvimento de novos fármacos, novos testes para as doenças negligenciadas. Mas o termo também diz respeito ao baixo investimento por parte dos governos. É importante destacar que ao longo do tempo essas doenças têm os menores orçamentos na área na área da Saúde.”

A NHR, dirigida por Alexandre, é uma organização que defende os afetados pela hanseníase, doença que atingiu 27,8 mil pessoas no Brasil em 2019, levando o país ao segundo lugar em números totais de casos no mundo, atrás apenas da Índia. Ela é uma das entidades que compõem o Fórum Social Brasileiro de Enfrentamento das Doenças Infecciosas e Negligenciadas, que teve início em 2016 e já teve sete edições. “O Fórum tem sobrevivido dentro de um contexto bem adverso de mobilização social. Mas a cada ano tem reunido diferentes entidades, pessoas que são atingidas pelas doenças negligenciadas. Ele está ligado à Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Temos um espaço de diálogo e de avaliação de políticas públicas, então o Fórum permanece vivo durante todo o ano e tem uma culminância nesse encontro”, explica Alexandre.

A última edição teve um momento importante: uma mesa em que estava presente a então presidente da Fiocruz Nísia Trindade, hoje no cargo de ministra da Saúde. O Fórum entregou a ela – bem como a outros representantes importantes de entidades da Saúde – uma carta com algumas diretrizes para o enfrentamento das Doenças Tropicais Negligenciadas. “O Fórum ficou com boas expectativas, já que na fala de Nísia ficou claro o quanto ela entende a prioridade de se trabalhar fortemente essas doenças”, comemora o diretor da NHR. De fato, o ministério da Saúde sinalizou que entende a importância do combate às doenças ligadas à pobreza: “O Brasil tem capacidade para eliminar essas doenças, elas estão concentradas em áreas de risco diferentes. A gente pode, com ações planejadas, focar nessa eliminação”, afirmou Ethel Maciel, Secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, em entrevista à Folha.

A carta entregue a Nísia foi dividida em 13 eixos, que trazem reivindicações para diferentes contextos, explica Alexandre: “Dizem respeito à ampliação do acesso ao diagnóstico e ao tratamento das doenças, sobretudo com o fortalecimento da Atenção Primária”. Mas o documento também demanda que haja participação popular na hora de se desenhar políticas públicas; que as atividades estratégicas envolvam tanto a saúde humana quanto a animal e ambiental, com a visão da chamada Saúde Única; que haja esforços multidisciplinares na busca de investimentos; que seja levada em conta também a formação de profissionais para o diagnóstico e tratamento dessas doenças. “Em suma, melhorar a qualidade de todos os aspectos voltados para o atendimento, para a atenção das pessoas com doenças negligenciadas”, resume ele.

Como parte das atividades do Dia Mundial das DTN, o Fórum organizou também uma ação nas ruas de algumas cidades do país para que as informações sobre as doenças fossem propagadas. A OMS, em documento de 2020 que traça diretrizes para o fim das doenças negligenciadas, destaca que seus esforços têm surtido efeito. “Hoje, o número de pessoas que precisam de intervenções contra as DTN reduziu em 600 milhões em relação a 2010, e 42 países eliminaram pelo menos uma doença.” Mas mais de um quinto da população mundial ainda pode ser acometida pelas DTN, alerta. E um passo fundamental para que elas sejam superadas é o fortalecimento e investimento na Saúde Pública, fica claro tanto nas diretrizes da OMS quanto nos eixos do Fórum.

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