Em carta, povo Akroá Gamella do Piauí denuncia crime ambiental em seu território

A carta cobra dos órgãos públicos providências referentes ao desmatamento nas comunidades Bananeira e Baixa Funda, no Vale do Uruçuí Preto

POR JESICA CARVALHO, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI REGIONAL MARANHÃO

O povo Akroá Gamella do Piauí divulgou, na segunda-feira, 10, carta denunciando os constantes desmatamentos que assolam as comunidades Bananeira e Baixa Funda, no Vale do Uruçuí Preto, território tradicional dos Akroá Gamella, localizado no município de Uruçuí, no Piauí. Na carta os indígenas pedem aos órgãos competentes e às organizações não governamentais providências em relação aos crimes ambientais cotidianamente vivenciados em seu território.

“O desmatamento que está sendo realizado por grileiros de terra afeta diretamente a lagoa, local de referência da memória social do nosso povo e todo o vale do rio Uruçuí Preto. As nascentes estão sendo terrivelmente impactadas, o que vai gerar um desequilíbrio ambiental que afetará a vida do nosso povo e de todas as espécies animais e vegetais que habitam este espaço”, aponta um trecho do documento.

“O desmatamento que está sendo realizado por grileiros e afeta diretamente a lagoa, local de referência da memória social do nosso povo”

Em dezembro de 2022, o povo denunciou o desmatamento no Vale do Uruçuí que registrava, à época, com mais de 400 hectares de área devastada pela presença de empreendimentos ligados ao agronegócio na região.

Os Akroá Gamella destacam que já denunciaram diversas vezes a situação aos órgãos competentes, no entanto, sem providencias a situação tem se agravado com novos conflitos e episódios de violência por parte de não indígenas invasores do território.

“A nossa preocupação é grande, pois a devastação praticada pelos grileiros é imensa”

Com frequência os indígenas tem registrado e denunciado a invasão e desmatamento de território tradicional. “A nossa preocupação é grande, pois a devastação praticada pelos grileiros é imensa”, listam os indígenas no documento.

Leia a carta na íntegra abaixo, ou acesse aqui:

CARTA DE DENÚNCIA DE CRIME AMBIENTAL NO TERRITÓRIO AKROÁ GAMELLA, EM URUÇUI / PIAUÍ

Ao Ministério Público Federal – MPF

À Coordenação Regional Nordeste II da Funai

À Defensoria Pública da União – DPU

À Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos- SEMARH

À Defensoria do Estado do Piauí – DPE

Ao Ministério Público do Estado do Piauí – MPPI

À Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Uruçuí

À Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME

Ao Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – PNCSA

Ao Conselho Indigenista Missionário – CIMI

À Sociedade Piauiense

 

O povo Akroá Gamella vem denunciar às organizações governamentais e não governamentais e à sociedade em geral o desmatamento criminoso da mata nativa da Comunidade Bananeira e comunidade Baixa Funda, no Vale do Uruçuí Preto, município de Uruçuí, território tradicional do povo Akroá Gamella do Piauí. A nossa preocupação é grande, pois a devastação praticada pelos grileiros é imensa. No momento, conforme imagens anexadas a este documento, há tratores que estão derrubando toda a vegetação do Cerrado com o correntão. Nossos parentes, moradores das referidas comunidades, fazem parte da Associação dos Pequenos Produtores da Baixa Funda (CNPJ 03.727.198/0001-06) e vivem da agricultura, da pesca, da caça e coleta das riquezas do Cerrados. Todos estão indignados com o que está ocorrendo, pois é uma violência à natureza e um desrespeito ao nosso povo.

Alertamos que o desmatamento que está sendo realizado por grileiros de terra afeta diretamente a lagoa, local de referência da memória social do nosso povo e todo o vale do rio Uruçuí Preto. As nascentes estão sendo terrivelmente impactadas, o que vai gerar um desequilíbrio ambiental que afetará a vida do nosso povo e de todas as espécies animais e vegetais que habitam este espaço.

Já denunciamos o desmatamento do nosso território diversas vezes. A última vez foi no dia 20 de janeiro de 2023, ocasião em que apelamos diretamente para o secretário da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH). Relatamos a ele todo o problema e avisamos que estava sendo noticiado na região que seriam desmatados 4.000 hectares de terra. Ele prometeu averiguar o problema e nos dar um retorno. Até o momento não houve nenhuma providência, o que nos faz questionar: o que está havendo com a SEMARH? O secretário será omisso neste caso e deixará de cumprir com a missão de fiscalização e controle das ações relativas ao meio ambiente e recursos hídricos no Piauí?

A comunidade Bananeira vem passado por situação de conflito já faz bastante tempo. Denunciamos episódios de violência à Polícia Militar do Piauí. Enviamos o Relatório do Comando de Policiamento dos Cerrado do dia 07 de junho de 2021, acompanhado do Laudo de Exame Pericial para Verificação de Danos, documentos que comprovam os prejuízos ambientais e materiais causados por nossos agressores. Apresentamos também o memorial descritivo para que a área do conflito fosse localizada facilmente. Relatamos que nossos parentes foram expulsos da comunidade e, após a saída, houve desmatamento da área e casas foram derrubadas e queimadas. Solicitamos formalmente que essas ações criminosas fossem apuradas e punidas. Lamentavelmente, não houve um retorno, apuração ou punição dos criminosos. Assim como a SEMARH, a Policia Militar do Piauí também de cumprir sua obrigação? Como se explica a falta de atuação diante dos crimes praticados contra o povo Akroá Gamella?

O referido conflito foi denunciado à Coordenação Regional Nordeste II da Funai, através de carta, no dia 03 de julho de 2021. Nesta ocasião informamos ao órgão indigenista oficial que os indígenas desta comunidade estavam sendo perseguidos, muitos haviam sido expulsos de suas terras e alguns precisaram retornar ao local para cuidar dos animais. Manifestamos o medo com a falta de segurança dos que haviam retornado, pedimos à Funai que assegurasse a proteção dos nossos parentes e realizasse à demarcação do nosso território. Com tristeza, afirmamos que o nosso pedido não foi atendido, o que nos deixa muito vulneráveis. O que a Funai fará diante de mais essa denúncia? Quando o órgão indigenista oficial cumprirá com a sua obrigação de demarcar o nosso território, colocando um fim nos conflitos com os grileiros de terra e os fazendeiros do agronegócio?

Historicamente temos sido vítimas de violência e sofremos com perda do nosso território desde o período colonial. A chegada dos brancos na região do Cerrado representou o início de uma história de sofrimento que continua até os dias atuais. Os fazendeiros que chegaram invadiram as nossas terras, perseguiram e mataram muitos dos nossos parentes. Uma parte do nosso povo foi obrigada a fugir para o Maranhão. Nas últimas décadas, a instalação das fazendas do agronegócio no Piauí piorou ainda mais a nossa situação e a grilagem de terra aumentaram muito desde então. Estamos vivendo uma guerra, precisamos de ajuda, pois nossos adversários são ricos e contam com o apoio de políticos e se aproveitam da omissão, do silencio e da morosidade dos órgãos competentes para a defesa dos direitos indígenas.

Esta carta é mais um grito de socorro em pleno mês de abril, período do ano em que se comemora a existência dos Povos Indígenas. Esse pedido de ajuda mostra que não temos o que comemorar no momento, pois mais uma vez estamos denunciando a situação do nosso povo. A gravidade do conflito que vivenciamos exige ações imediatas. Diante dos relatos feitos aqui, apresentamos as seguintes solicitações:

  1. Que as SEMARH e a Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Uruçuí realizem a fiscalização dos desmatamentos irregulares existentes na comunidade Bananeira e Baixa Funda e punam os culpados dos crimes praticados;
  2. Que a Funai demarque em caráter de urgência o território do povo Akroá Gamella e averigue se houve licenciamento indevido para os desmatamentos mencionados;
  3. Que o MPF, MPPI, DPU, DPE adotem todos os expedientes necessários para efetivar o nosso direito à terra e que fiscalizem os crimes denunciados nesta carta;
  4. Que a APOINME disponibilize a assessoria jurídica para atuar nos casos de violência que envolvem os Akroá Gamella no Piauí e solicite as instituições competentes proteção para os indígenas que sofrem ameaças dos fazendeiros e grileiros;
  5. Que o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA) faça a cartografia social das comunidades Akroá Gamella de Uruçuí, para que possamos registrar devidamente o nosso processo de territorialização no Vale do Uruçuí Preto e
  6. Que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) encaminhando essa carta de denúncia aos órgãos competentes e nos ajude a cobrar a resolução dos problemas relatados.

Para finalizar, anunciamos publicamente que continuaremos defendendo as nossas vidas e o nosso território. Embora nossos inimigos nos ataquem de todas as formas, seguiremos protegendo o Cerrado da ganancia sem limites dos grileiros e fazendeiros do agronegócio. Os episódios de violência envolvendo o povo Akroá Gamella vem se acentuando e anunciam uma tragédia iminente, caso as autoridades não tomem as providencias necessárias.

Atenciosamente,

Uruçuí (PI), 10 de abril de 2023

Desmatamento nas comunidades Bananeira e Baixa Funda, território tradicional dos Akroá Gamella, no Vale do Uruçuí Preto, no Piauí. Foto: Povo Akroá Gamella do Piauí

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