Em debate na Câmara dos Deputados, órgão apontou ilegalidades jurídicas em resolução editada pelo governo do estado
“Não cabe ao Estado regulamentar o direito à consulta previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Se alguém vai regulamentar esse direito, é o próprio povo tradicional a ser consultado”. Esse foi o posicionamento do procurador da República Helder Magno da Silva, do Ministério Público Federal (MPF), em audiência pública promovida pela Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, em parceria com a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados.
Realizado nessa terça-feira (18), o debate teve como foco a Resolução Conjunta 01/2022, das secretarias de Desenvolvimento Social e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado de Minas Gerais. O normativo mineiro foi publicado em abril do ano passado, com o objetivo de regulamentar, em âmbito estadual, a consulta livre, prévia e informada aos povos interessados sobre medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. A resolução prevê, entre outros pontos polêmicos, que a consulta pode ser realizada pelo próprio empreendedor interessado no projeto. Além disso, a norma reconhece apenas as comunidades certificadas oficialmente, o que restringe o número de povos tradicionais a serem consultados, e estabelece expressamente que a decisão das comunidades não é vinculante.
Para o procurador Helder Magno da Silva, que atua em Minas Gerais, em ofício vinculado à Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), a resolução não tem validade jurídica, pois não cabe ao Estado regulamentar o direito à consulta. Ele explicou que a Convenção 169 da OIT – que assegura o direito à consulta livre, prévia e informada – tem natureza de norma definidora de direitos humanos e, conforme prevê os § 1º e 2° do art. 5º da Constituição Federal, tem aplicação imediata.
O membro do MPF ressaltou que Constituição prevê, como um dos princípios do Estado brasileiro, o pluralismo jurídico, que é o respeito ao direito interno dos povos indígenas e tradicionais. “Nesse contexto, não faz sentido uma resolução como essa, porque não cabia ao Estado fazer sem ouvir. E mesmo ouvindo, não cabe ao Estado dispor sobre essa temática. Esse é um ponto que precisa ser bem compreendido”, ponderou o procurador.
Helder lembrou ainda que o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) já recomendou ao govenador de Minas a revogação imediata da resolução e de todos os efeitos produzidos, mas até o momento isso não foi feito. “Quando o Estado age assim e viola direitos humanos, ele pode ser condenado à reparação dos danos morais causados aos povos e comunidades tradicionais. Agentes públicos podem ser responsabilizados regressivamente por valores a indenizar, pois não há dúvida de que se trata de ação dolosa”, alertou.
Pluralidade – A audiência pública contou com a participação de lideranças indígenas, quilombolas, representantes de comunidades de matriz africana, geraizeiros, pescadores artesanais e vazanteiros, entre outros segmentos tradicionais. Também participaram do debate pesquisadores, agentes públicos e entidadades da sociedade civil.
A presidente da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, deputada Célia Xakriabá (Psol/MG) ressaltou a importância do debate público com toda a sociedade, alertando que os impactos da resolução discutida ultrapassam os limites territoriais do estado mineiro. “O direito de consulta aos povos tradicionais está sendo negado. Essa brecha que se quer abrir em Minas vai ter repercussão nacional. O que nós queremos é a revogação dessa medida”, declarou ao abrir a audiência pública.
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Arte: Secom/PGR