De Roraima ecoa o som dos maracás no Acampamento Terra Livre, em Boa Vista, unindo-se às delegações acampadas em Brasília

Povos Wapichana, Macuxi, Taurepang, Wai Wai, Patamona, Sapará, Ingaricó, Yanomami e Ye`kuana dos territórios indígenas de Roraima levantam acampamento de Boa Vista e lançam carta com reivindicações

POR LÍGIA APEL, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI REGIONAL NORTE 1

“O futuro indígena é hoje – sem demarcação não há democracia”. Com esse slogan, a 4ª edição do Acampamento Terra Livre em Roraima (ATL/RR), está sendo realizado na praça Ovelário Tames Macuxi, no centro de Boa Vista, nos dias 24 a 28 de abril. O evento segue a mobilização nacional que se realiza em Brasília, nessa semana.

Marcado pelos cantos, danças e rituais sagrados, o ATL/RR reúne lideranças, Tuxauas, coordenadores, professores, estudantes, acadêmicos, mulheres, jovens, conselheiros, pajés, artistas, artesãos, agricultores, operadores em direito, agentes ambientais, comunicadores, crianças e diretores dos povos Wapichana, Macuxi, Taurepang, Wai-Wai, Patamona, Sapará, Ingaricó, Yanomami e Ye`kuana, para exigir seus direitos à vida e ao respeito pelas suas culturas.

“O futuro indígena é hoje – sem demarcação não há democracia”

São 523 anos de resistência. Forças e sabedorias que não se apagaram, continuam vivos e atuantes, e irão se manter nas novas gerações. É o que afirma, emocionada, Raquel Wapichana, Coordenadora Estadual da Juventude do Estado de Roraima, instância que integra o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e tem por objetivo envolver e dar voz e vez aos jovens indígenas dos territórios do estado.

“A gente também está aqui para contribuir justamente com a nossa liderança. A gente não sabe de tudo, mas aquilo que a gente sabe, a gente aprende com os nossos tuxauas, com as nossas lideranças. Eles estão deixando o legado deles e a gente vai assumir também essas responsabilidades e de estar nessa luta também”.

“Nossos tuxauas, lideranças estão deixando o legado deles e a gente vai assumir essas responsabilidades e de estar nessa luta”

Sobre o ATL/RR, a jovem Wapichana diz que a juventude tem papel na participação, porque é um momento de troca de informações e de formação. “Nós, enquanto jovens lideranças temos esse papel fundamental de somar, juntamente com as nossas lideranças e fortalecer o movimento indígena, que é uma causa, que é uma luta de todos nós. E quando a gente vem pra cá, a gente não vem só reivindicar, manifestar, propor, mas também aprender, porque aqui acontece uma formação política da juventude, é daqui que sai grandes lideranças, daqui que sai também grandes tuxauas, coordenadores e, quem sabe também outras com outras posições maiores também, que representam o movimento indígena”.

Alcineia Wapichana, da região Serra da Lua, disse que o maior objetivo das delegações que vieram acampar em Boa Vista e participar do ATL/RR é reivindicar as homologações dos territórios que ainda faltam, direitos às políticas públicas específicas e, também, a saída definitiva dos garimpos das terras Yanomami e demais territórios indígenas de Roraima. “Estamos aqui e ficaremos até dia 29 reivindicando as homologações das nossas terras indígenas, reforçando nossos direitos enquanto povos indígenas, melhorias pra saúde, educação, território e sustentabilidade, e também reivindicando ‘não ao garimpo’ que vem degradando os nossos povos Yanomami”, afirma.

“Estamos aqui pela demarcação de nossas terras, por nossos direitos, saúde, educação, território e sustentabilidade, e também para dizer não ao garimpo”

Logo no primeiro dia do acampamento, os povos indígenas do ATL/RR publicaram Documento onde expõem suas reivindicações e exigências de respeito por suas culturas e formas de vida. Na Carta também se posicionam como apoiadores da política indígena assumida pelo atual governo, mas alertam para que o Estado cumpra seu papel constitucional de proteção aos povos indígenas.

“O nosso Acampamento Terra Livre (ATL), reconhece o esforço do governo em atender as reivindicações do Movimento Indígena, a começar pela criação do Ministério dos Povos Indígenas, tendo como ministra, Sonia Guajajara; da nomeação da ex-deputada Federal Joenia para Presidência da Funai, de Ricardo Weiber para SESAI e dos demais parentes que ocuparam os órgãos do executivo nos estados, em Roraima, a Sra. Marizete Macuxi para coordenação regional da Funai, Zelandes Patamona para o Distrito Leste de Roraima; Leonardo Pereira e Maria Deolícia que assumiram o Departamento de Educação Indígena no estado. Mas queremos enfatizar que “Governo é governo; Movimento Indígena é movimento indígena”. Vamos fortalecer e contribuir com as nossas lideranças nesses espaços, mas não aceitaremos imposições e nem atos contrários aos nossos direitos”, lista o documento.

“Governo é governo, Movimento Indígena é movimento indígena”

O ATL/RR também se posiciona frente ao julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, que tem como base a situação da Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, do povo Xokleng, em Santa Catarina, para decidir sobre como serão os processos de demarcação dos territórios indígenas.

O conhecido marco temporal, que retira dos povos indígenas o histórico de violação e expropriação de seus territórios para beneficiar fazendeiros e grileiros de terras, está previsto para ser julgado em junho pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de acordo com anuncio da Ministra Presidente da Corte, Rosa Weber.

“Esperamos que o julgamento a tese do Indigenato, do Direito Originário,  e que enterre em definitivo a tese do marco temporal”

“Esperamos que o julgamento (…) reafirme a interpretação da Constituição brasileira de acordo com a tese do Indigenato (Direito Originário) e que enterre em definitivo, qualquer possibilidade de acolhida da tese do marco temporal. Pois o processo histórico de violência, a invasão de nossas terras, a impunidade e à discriminação nos levaram a sair de nossos territórios e muitas das vezes forçados a esconder nossas identidades, além da morosidade do governo federal em demarcar nossos territórios. Se prevalecer o entendimento da tese do marco temporal, nossa sobrevivência e o futuro de nossas gerações estarão em grave risco”, afirma o documento.

Além do firme posicionamento contra o marco temporal e mostrando que os povos indígenas estão atentos ao jogo de forças que está posto no cenário político nacional, o Documento alerta para medidas legislativas em andamento no Congresso e Senado Nacional e reafirmam sua luta contra elas.

“Se prevalecer o entendimento da tese do marco temporal, nossa sobrevivência e o futuro de nossas gerações estarão em grave risco”

“Reafirmamos nossa luta para impedir o avanço de medidas legislativas no Congresso Nacional, infelizmente tomada por uma parcela anti-indígena, que atentam contra os direitos territoriais como: PL 490/2007 (marco temporal); PL 191/2020 (mineração em Terras Indígenas); PL 6299/2002 (PL do Veneno); PL 2633/2020 e PL 510/2021 (Grilagem de Terras); PL 3729/2004 – agora no senado como PL nº 2159/2021 (Licenciamento Ambiental); E PDL 177/2021 (Denúncia da Convenção 169 da OIT)”, se posicionam.

Mais inflexível ainda, o documento traz a posição do ATL/RR diante da crise humanitária que se instalou junto aos povos da Terra Indígena Yanomami, decorrente da invasão garimpeira. Os indígenas apoiam as ações em andamento, mas dizem que não está sendo suficiente. Mais e melhores equipes e insumos são necessários para a recuperação da vida Yanomami. A desintrusão não pode parar, bem como deve se estender aos territórios para onde os garimpeiros estão indo.

“Reafirmamos nossa luta para impedir o avanço de medidas legislativas no Congresso Nacional,”

“Outra razão que nos une é a luta pela vida dos povos indígenas, especialmente, vida do povo Yanomami que passa pela grave crise humanitária em decorrência do garimpo ilegal. No início do atual governo acompanhamos as operações de retirada de garimpeiros, destruições de equipamentos e a atuação de agentes, como Polícia Federal, Ibama, Funai e demais, porém, ainda não é suficiente. O garimpo ilegal continua e continua mantando e violando mulheres e crianças Yanomami, seja pela doença, garimpo e até mesmo pela fome, provocados pelas invasões. Reconhecemos o esforço do governo federal de retirar os garimpeiros da terra indígena Yanomami, mas também é preciso fiscalização e operação em outras terras indígenas, como Raposa Serra do Sol e Wai-Wai, para onde os garimpeiros estão fugindo e se instalando”, reivindica o documento.

Por fim, discriminação, perseguição, ameaças e criminalização das lideranças são denunciadas. “Nossas lideranças estão sendo criminalizadas por defender seu território, somos alvos de racismo e discriminação por manifestar nossa cultura e identidade, inclusive por autoridades públicas, nossas lideranças estão ameaçadas, inclusive de morte”, denunciam e reivindicam proteção. “Para evitarmos mais registros nos dados de mortes, é necessário um programa de proteção específico às lideranças dentro do seu próprio território”, dizem afirmando que não precisam sair de suas casas para defender suas vidas.

“Nossas lideranças estão sendo criminalizadas por defender seu território, somos alvos de racismo e discriminação, inclusive por autoridades públicas”

Concluem o documento afirmando suas lutas, força e sabedoria na construção de um “Brasil mais democrático, sem marco temporal e demarcação já!” O ATL/RR será mantido até o dia 29 de abril.

Para ver o documento na íntegra, acesse aqui.

Marcha ATL/RR. Foto: Gilmara Fernandes / Cimi Regional Norte 1

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