A comitiva está na Europa desde o da 18/09 para denunciar as violência e violações que enfrentam; Aty Guasu, Cimi e FIAN acompanham as ações dos indígenas
Em viagem para Europa, lideranças indígenas Guarani e Kaiowá, do Mato Grosso do Sul (MS), têm se reunido com representantes de instituições europeias, do parlamento, de comissões e serviços externos europeus para que se atentem cada vez mais a situação que os povos Guarani e Kaiowá enfrentam no Brasil. Os indígenas desembarcaram em solo europeu no último dia 18, e ficam até 30 de setembro.
“É importante falar com os formuladores de políticas europeias e com os órgãos de direitos humanos da ONU [Organização das Nações Unidas]”, afirmam as lideranças que integram a comitiva. Inayea Lopes e Josiel Machado, representantes da Aty Guasu – a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá –, estão sendo acompanhados pela FIAN (Brasil e Internacional) e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
“É importante falar com os formuladores de políticas europeias e com os órgãos de direitos humanos da ONU”
“São séculos de opressão. A situação agora se torna pior, com assassinatos frequentes. A assinatura do Acordo União Europeia Mercosul coloca o risco de agravar a situação que está pior ainda, a pressão sobre os territórios indígenas feita pelas atividades de soja, milho, agropecuária”, descreve Paulo Lugon, assessor especializado em incidência internacional do Cimi, que acompanha a delegação.
Paulo ainda lembra ser imprescindível que as autoridades do Mercosul e as autoridades da União Europeia rejeitem o Acordo União Europeia Mercosul e que também possam atenta-se cada vez mais para situação dramática em que o povos Guarani e Kaiowá vivem.
“São séculos de opressão. A situação agora se torna pior, com assassinatos frequentes”
O apelo vai de encontro a carta enviada ao Parlamento Europeu e ao Conselho da UE por organizações da sociedade civil de 21 países, em maio deste ano, onde pedem a União Europeia que não ratifique acordo com Mercosul usando nova lei de desmatamento como Álibi. No documento as organizações afirmam que o novo regulamento da UE contra o desmatamento não deve ser usado para legitimar o acordo UE-MERCOSUL.
Ao mesmo tempo em que a delegação realiza ações na Europa, no Brasil o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento do caso que discute o marco temporal para a demarcação das terras indígenas. O caso está sendo analisado pela Corte – com inúmeros adiamentos – desde 2017, e em 2019 teve sua Repercussão Geral reconhecida, ou seja, a decisão desse julgamento vale para todas os casos envolvendo terras indígenas no país.
“As organizações pedem a União Europeia que não ratifique acordo com Mercosul usando nova lei de desmatamento como Álibi”
Na última quinta-feira (21), o STF encerrou a votação com placar de 9 votos a 2 conta o marco temporal. Reafirmando, assim, o direito originário dos povos indígenas às suas terras e confirmou a inconstitucionalidade do marco temporal.
Em diálogo com organizações parceiras, parlamentares e representantes da União Europeia, Inayea e Josiel foram enfáticos ao se referir a tese: “o marco temporal é contra os direitos dos povos no Brasil”.
Além de ferir os direitos internacionais e constitucionais dos povos indígenas, limita o direito de acesso e posse de seus territórios – consagrado na Constituição brasileira – apenas àqueles grupos que viviam em suas terras ancestrais no momento da promulgação da Constituição em 1988. “O que exclui todos os grupos que foram expulsos de suas terras nas décadas anteriores à Constituição e que, portanto, não estavam ocupando seus territórios na época”, lembra Paulo.
“O marco temporal é contra os direitos dos povos no Brasil”
A cada reunião, a cada roda de conversa, Inaye Gomes Lopes – vereadora e historiadora -, e Josiel Machado – liderança em Amambai (MS) -, compartilharam suas lutas diárias enfrentadas pelos povos Guarani e Kaiowá, inclusive em diálogo com o Relator Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, José Francisco Calí Tzay. Na ocasião, ele assegurou que fará uma visita ao Brasil para averiguar as denúncias ‘in loco’, inclusive nos territórios Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, conta Josiel Kaiowá.
Em junho deste ano, o relator especial das Nações Unidas se pronunciou em relação ao marco temporal, citou um caso concreto envolvendo os Guarani e Kaiowá e destacou que a tese “foi contestada em diversas ocasiões por organismos internacionais, povos indígenas e defensores dos direitos humanos por desrespeitar o direito dos povos indígenas às terras das quais foram violentamente expulsos, particularmente entre 1945 e 1988 – um período de grande turbulência política e violações generalizadas dos direitos humanos em Brasil, incluindo a ditadura [militar]”.
“O relator especial das Nações Unidas se pronunciou em relação ao marco temporal, citou um caso concreto envolvendo os Guarani e Kaiowá “
Na ocasião, Calí Tzay expressou preocupação “com a aprovação em 30 de maio, pela Câmara dos Deputados do Brasil, do Projeto de Lei 490/2007 que, se aprovado pelo Senado, aplicaria legalmente a doutrina do marco temporal”. Em tramite no Senado Federal, agora o PL 490 tornou-se o PL 2903/2023. Inclusive, o Projeto de Lei consta como o primeiro item da pauta da sessão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal desta quarta-feira (27).
Segundo o assessor do Cimi, “as autoridades europeias ficaram muito impressionadas, e também há uma grave preocupação sobre a questão do marco temporal, tanto esse agora que está em litígio no STF, quanto o PL [2903/2023] que passa agora pelo Senado Federal”.
“As autoridades europeias ficaram muito impressionadas, e também há uma grave preocupação sobre a questão do marco temporal, tanto no STF, quanto no Congresso Nacional”
A demora do Estado brasileiro em demarcar os direitos dos povos indígenas está no centro de um brutal conflito fundiário envolvendo povos indígenas e grandes proprietários de terras que resultou no assassinato de 795 indígenas nos últimos 4 anos, segundo relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022.
O Mato Grosso do Sul está “entre os três estados que concentraram quase dois terços (65%) dos 795 homicídios de indígenas registrados entre 2019 e 2022: foram 208 em Roraima, 163 no Amazonas e 146 no Mato Grosso do Sul”, segundo relatório anual do Cimi.
“Mato Grosso do Sul está “entre os três estados que concentraram quase dois terços (65%) dos 795 homicídios de indígenas registrados entre 2019 e 2022”
“Vivemos com medo dos ataques, ao mesmo tempo que vários outros direitos que dependem do aceso à terra, como o direito à alimentação, à água, à habitação, à saúde, a um ambiente saudável e à cultura, estão sendo negados”, denuncia Inaye Kaiowá.
A comitiva também participa da 54ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, que está sendo realizada de 11 de setembro a 13 de outubro deste ano, em Genebra (Suíça), e da análise do Brasil pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
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Diálogo com o Relator Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, José Francisco Calí Tzay. Foto: Equipe de Incidência Internacional do Cimi