Ajufe exigiu que juízas que discordaram da diretoria sobre consulta à categoria na regra de gênero assinassem retratação
Natália Portinari, Eduardo Barretto, Metrópoles
A diretoria da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) pressionou juízas que divergiram do presidente, Nelson Alves, a se retratarem por terem assinado uma nota criticando o machismo da cúpula da associação. O episódio fez um grupo de magistradas renunciarem a seus mandatos.
A disputa teve início enquanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) discutia, em setembro, a criação de uma regra levando em conta o gênero na promoção de magistrados. O objetivo é levar mais mulheres à cúpula do Judiciário, onde hoje elas estão subrepresentadas.
A Ajufe, naquele momento, decidiu que iria fazer uma consulta à categoria de juízes federais, o que foi contestado por um grupo de mulheres, inclusive da Ajufe, já que a magistratura federal é composta em 70% por homens.
“Além de submeter um grupo minorizado à regra da maioria, a consulta também fomenta o conflito de interesses entre associados e associadas. A postura que se espera da associação é a de neutralidade e não de combate”, registrou uma carta em resposta à ideia, assinada por 200 juízes, algumas delas mulheres que pertenciam à Ajufe.
“A consulta revela atitude de violência de gênero real e simbólica, servindo para perpetuar um estado de discriminação institucional e estrutural em desfavor das mulheres”, afirmam os magistrados, citando a Comissão Ajufe Mulheres, criada em 2017, como “comprometida com a igualdade de gênero e raça no Poder Judiciário”.
A “Carta à Diretoria da Ajufe”, porém, fez com que pessoas ligadas à gestão da Ajufe pressionassem as mulheres a se retratarem, pedindo até medidas disciplinares contra elas, segundo pessoas ouvidas pela coluna.
Em reunião nesta quarta-feira (4/10), a diretoria da Ajufe exigiu que as juízas da associação que constam na carta assinassem uma nota de retratação, que foi redigida de antemão por integrantes da cúpula.
“Registramos nosso mais profundo e absoluto respeito à decisão colegiada tomada pelas Diretoras e pelos Diretores da Ajufe”, diz o texto que a diretoria queria que as juízas assinassem se retratando.
“Reconhecemos que a consulta aos associados e associadas faz parte dos instrumentos de gestão associativa e, em um ambiente democrático, não poderia, jamais e em nenhuma circunstância, ser censurada. Sabemos que são esses mesmos associadas e associados que empenham seu nome, tempo e recursos para construir uma instituição que hoje trabalha pela valorização da magistratura federal no País”, dizia a nota.
“Por essas razões, e, também, por compreendermos que o compromisso principal de uma associação é para com todos os seus associadas e associados, e não apenas com parcela deles, as Juízas Federais abaixo-assinadas formalizam integral, cabal e pública retratação da carta de repúdio acima referida.”
Em reação à pressão para assinar a nota, um grupo de juízas renunciou a seus mandatos na Ajufe na manhã desta quinta-feira (5/10).
Procurada, a Ajufe afirmou que a carta das juízas tinha “ofensas e acusações gravíssimas”. A entidade afirmou ter buscado uma “conciliação”, e ressaltou que sua diretoria tem paridade de gênero.
“A carta continha ofensas e acusações gravíssimas aos diretores e diretoras da Ajufe, e isso apenas porque a diretoria, respeitando todos os procedimentos estatutários, deliberou por ouvir todos os associados e associadas”, afirmou, classificando trechos do documento como “absolutamente desproporcionais e fortemente agressivos”. “O que se debateu foi uma forma de conciliação para que as diretoras subscritoras da carta se retratassem de acusações gravíssimas”, completou.