Criação de gado é o principal vetor das derrubadas, mas fiscalização ambiental não tem acesso a cadastros de pecuaristas e informações de movimentação de rebanhos.
A pecuária é o principal vetor de desmatamento da Floresta Amazônica – ainda que a bancada ruralista queira negar esse fato até mesmo questionando o Enem (veja abaixo). Mas a maioria dos estados da Amazônia Legal não compartilha com as suas secretarias de meio ambiente as informações do cadastro de pecuaristas e de movimentação do rebanho.
Esses dados são gerados e gerenciados dentro dos próprios governos estaduais, nas agências de defesa sanitária ligadas às pastas de agricultura, pecuária. E o compartilhamento dessas informações poderia ajudar na fiscalização ambiental e no combate à ilegalidades. Mas ficam nas gavetas.
O Repórter Brasil enviou pedidos, via Lei de Acesso à Informação, aos nove estados da Amazônia Legal. Descobriu que apenas Rondônia fornece acesso completo aos dados gerados pela Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril de Rondônia (IDARON) à Secretaria do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM).
O compartilhamento “seria muito valioso para identificar e responsabilizar infrações ambientais, inclusive os casos de gado com origem em áreas embargadas, Terras Indígenas ou Unidades de Conservação”, explica Ana Paula Valdiones, do Instituto Centro de Vida (ICV), que atua com transparência e governança ambiental.
Talvez se essa parceria, que deveria ser obrigatória, fosse efetiva, Manaus não sofreria tanto com as nuvens de fumaça das queimadas que vêm tomando conta da capital amazonense. Como mostra o Intercept, a destruição da floresta por agropecuaristas na Grande Manaus é uma das causas para o fogo.
Dados do INPE mostram que, dos 506 focos de incêndio registrados em outubro no Amazonas, 258 foram em Autazes, cidade localizada a 112 km de Manaus. Autazes é dona da maior bacia leiteira do estado – principalmente em áreas de desmatamento recente ou já consolidado.
Entre os desmatadores de Autazes está Elmar Cavalcante Tupinambá, multado em fevereiro de 2022 em mais de R$ 1,2 milhão pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) por destruir ou danificar mais de 240 hectares de floresta nativa às margens do Paraná Madeirinha e do lago Imbaúba. Sozinho, ele foi responsável por 42% do desmatamento registrado na cidade nas duas últimas décadas, segundo os dados nos sistemas de consulta pública do IBAMA e do IPAAM.
A título de curiosidade – ou de relação direta –, Tupinambá é avô de Agenor Tupinambá, o tiktoker da capivara que dividiu opiniões na internet após postar vídeos fazendo animais silvestres de pets e ser multado pelo IBAMA.
O desmatamento ilegal faz com que áreas relevantes da Floresta Amazônica fiquem expostas para a formação do fogo mesmo na floresta úmida, lembra a cientista climática Erika Berenguer. Some-se a isso secas cada vez mais prolongadas, como a de 2023, e a região, segundo a especialista, vira uma “caixinha de fósforos”, detalha o Valor.
Em tempo: Depois dos direitos indígenas, a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) agora ataca o Enem. Como explicam Folha e Congresso em Foco, duas questões do primeiro dia do concurso, no domingo (5/11), incomodaram a bancada ruralista, que afirma que itens sobre a Amazônia e o Cerrado seriam “ideológicos” e criariam uma imagem negativa e distorcida do agronegócio. Por isso, a FPA pede anulação das questões, alegando que as perguntas não teriam “critério científico”. Numa questão relativa ao Cerrado, o texto do enunciado aborda a territorialização do agronegócio e diz que sua lógica tem se sobreposto aos conhecimentos dos camponeses. Já no item que trata da Amazônia, o excerto indica que “é evidente que o crescimento do desmatamento tem a ver” com a “expansão da soja” e que a “lógica que gera o desmatamento está articulada pelo tripé grileiros, madeireiros e pecuaristas”. Ideológico?
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Sergio Arteaga/Unsplash