Os dados que podem alimentar a resistência negra

Dicionário Marielle Franco descreve uma iniciativa pioneira no Rio: o IDMJRacial, que produz pesquisas sobre letalidade da polícia e militarização das favelas. Objetivo: orientar a atuação política das periferias na defesa da vida e memória

por Giselle Florentino e Fransérgio Goulart, em Outras Palavras

Dez de dezembro celebra-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Esta data foi proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 1948. Esta Declaração é o primeiro documento de caráter universal de proteção aos direitos humanos, que desde então tem inspirado as constituições de Estados democráticos ao redor do mundo. Sabemos que o Brasil, de tamanho continental, com tamanha diversidade cultural de maioria não-branca, é ainda um país desigual. Esta desigualdade não está apenas na situação socioeconômica, mas no tratamento e no não respeito às populações das áreas mais empobrecidas, assim como no caso das favelas e periferias espalhadas pelos quatro cantos do país: água, energia, internet, habitação, educação, saúde, saneamento, transporte e tantos outros direitos ainda são negados.

Quando analisamos a estrutura socioeconômica brasileira, nos deparamos com um país que mantém as relações de segregação e de dominação a partir de determinados marcadores de território: enquanto uns são considerados “atrasados”, pela ausência de acesso a de direitos básicos, outros são considerados “modernos”, “inteligentes” e “integrados”. E esta segregação, como parte da não garantia plena dos direitos humanos para todas as populações, serve ao aprofundamento da desigualdade social, racial e de gênero. Por exemplo, segundo levantamento do banco europeu UBS, “o número de milionários brasileiros passou de 293 mil milionários para 413 mil em 1 ano”, dados de 2022 e revelados neste ano de 2023. Ao mesmo tempo, estamos falando de um país que faz sua população passar fome. Só neste pós pandemia da covid-19, em 2022, o número de pessoas com fome chegou a 33 milhões, dados revelados também neste ano de 2023.

Ou seja, o país da fome é o mesmo país dos milionários. Enquanto as favelas e periferias sofrem o descaso de governantes que ainda não enxergam a favela como um território que deve ter direitos iguais, os bairros ditos nobres têm total garantia de direitos. Diante disso, nos perguntamos se há uma má distribuição de renda desde a existência do dito Estado democrático de direitos ou se outros interesses servem a esta desigualdade. É falta de conhecimento administrativo por parte dos que governam? Ou será porque a maioria dos governantes ainda hoje é branca, masculina, com ideologias e culturas de suas populações ricas e brancas e que ao fazerem leis, colocam em perspectiva e em prioridade os seus próprios interesses? Neste sentido, é importante considerarmos o papel da branquitude e da manutenção de seus pactos narcísicos de privilégio – e desvantagens para aqueles considerados como o Outro dentro de sua própria casa.

A escritora negra e favelada, Maria Carolina de Jesus, tem uma resposta para isto. Ela já dizia em seus célebres escritos: “Quem inventou a fome são os que comem”. As favelas e as periferias não estão incluídas nas garantias de direitos humanos básicos e, mesmo depois de 120 anos de sua existência, estes territórios ainda sofrem com a falta e com a violação de direitos fundamentais. É nítida a diferença de tratamento dos governantes. Para as favelas e periferias, acha-se que os problemas internos devem ser resolvidos na base da violência policial, da criminalização e da militarização, ao contrário do comportamento que estes mesmos governantes têm sobre os bairros nobres das cidades brasileiras.

Quem procura por soluções à carência de direitos são geralmente as mulheres negras, faveladas e periféricas

No entanto, diferente dos que governam a nível federal, estadual ou municipal (estes homens ricos e brancos), quem procura por direitos – no caso, quem são as mais pessoas violadas – são as mulheres negras, pobres, faveladas e periféricas do nosso país. Durante os quatro anos em que trabalhei na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado Rio de Janeiro (ALERJ), era nítido que quem buscava atendimento para solucionar casos pessoais, mas também coletivos das favelas e periferias, em sua maioria, eram as mulheres negras, faveladas e periféricas. São as mulheres negras a liderança e a chama da luta por justiça.

Em cartilha com título de “Direitos Humanos”, publicada em 2019, na época em que a Comissão era presidida por Renata Souza, cria da Favela da Maré e atual deputada estadual do Rio de Janeiro, tive a oportunidade de transformar alguns dos relatos trazidos por mulheres faveladas e periféricas em contos. O objetivo era empoderar outras mulheres a denunciar seus devidos casos também. A maioria dos depoimentos era de relatos levados por mulheres que estavam sofrendo algum tipo de violência pessoal e/ou presenciada em seus territórios de moradia – para além de suas próprias casas. Ou seja, para além de tentarem saídas para os seus casos, eram as mulheres faveladas as que tentavam soluções para a vida coletiva e comunitária.

A cartilha distribuída pela Comissão trazia os diferentes tipos de casos de violação de direitos humanos. As publicações eram, na época, distribuídas nas escolas municipais, estaduais e dentro das organizações, movimentos e mídias comunitárias de favelas e periferias do Rio de Janeiro. Aqui, trago alguns desses relatos que fazem parte da vida favelada e periférica em seu cotidiano de violações.

Um dos casos mais comuns de denúncias de violações nas favelas e periferias é, como sabemos, a continuidade da violência perpetrada pelas polícias, sendo essa uma das maiores violações à vida, principalmente, quando se fala da juventude negra, pobre e favelada. A polícia mata a juventude favelada e periférica cotidianamente, deixando suas mães adoecidas psicológica e fisicamente, e fazendo com que estas percam até mesmo suas fontes de renda, pois acabam entrando numa luta contínua por verdade, memória, reparação e justiça. Estes eram os casos que, sem dúvida, mais chegavam aos atendimentos da Comissão. Segue um dos relatos:

“Maria da Conceição, de 33 anos, chegou na sala da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj no dia 18 de maio. Junto a ela veio o marido e o filho mais novo. Maria, chorando, disse que o seu filho mais velho de 11 anos havia sido assassinado há uma semana pela polícia militar. Ele estava saindo da escola quando foi atingido por dois policiais que passavam pelo local dentro de um carro sem qualquer identificação. Maria descreveu que o seu filho chegou a ser levado pelos vizinhos para o hospital, mas dois dias depois ele veio a óbito, não aguentou os tiros que acertaram o seu pequeno corpo. Ela, seu marido e filho mais novo, chegaram dizendo que necessitam de qualquer tipo de apoio, pois o próprio Estado não ligou para oferecer ajuda. Maria disse que até tem vizinhos que viram o seu filho levando os tiros, mas que as pessoas estão com medo de denunciar, já que os policiais podem voltar e ameaçá-las”.

Casos como o de Maria apareciam com muita frequência e muitos deles ainda hoje estão sem testemunhas em razão do medo: o medo da denúncia, da ameaça e de possíveis ações violentas de retaliação. Outro caso emblemático (e recorrente) dizia respeito às violações no sistema prisional. Neste sentido, importante lembrar que, quando se fala em sistema prisional, se fala também em quem se dedica às visitas aos presos. Lembro que as mulheres, mães e filhas nas portas dos presídios se auto-organizavam para todas ligarem uma depois da outra e, para relatar algum tipo de violação que muitas vezes estava ocorrendo, inclusive, até mesmo naquele momento.

Durante anos, as carteirinhas de visitação do sistema prisional eram feitas pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), mas no final daquele ano (2019) passaram a ser expedidas pelo Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (Detran), o que fez com que inúmeros familiares ficassem sem visitar os seus parentes em razão do atraso nos atendimentos. Um desses depoimentos e pedidos de ajuda que chegou até a sala da Comissão, era de Luciana, esposa de Marcos:

“Marcos estava há 5 meses no sistema prisional, em uma das unidades de Bangu. Luciana relatou que ficou meses sem ver o seu esposo por causa da falta da carteirinha de visita. Ela, que estava grávida de 8 meses, não conseguia se deslocar tanto, mas ao ligar para o Detran, mesmo explicando a situação, eles desrespeitaram o fato dela não poder se deslocar tanto por causa da gravidez e agendaram o seu atendimento para entrega de documentação apenas para lugares distantes de seu bairro. Luciana pediu ajuda em relação ao atendimento do Detran e dizia que precisava também de notícias de seu marido. Luciana não foi a única a sofrer com a mudança de atendimento em relação à confecção das carteirinhas para as visitas no sistema prisional, foram inúmeras as pessoas que ligavam ou iam até a sala solicitando apoio, reclamando, pedindo algum tipo de orientação”.

Estes dois casos são pequenos exemplos da rotina do que chega aos órgãos públicos como denúncias, mas também como dados, como depoimentos dos que vivenciaram tais tipos de violações ou testemunharam violências dentro de casa ou dentro das suas comunidades de moradia. Só naquele ano (2019), das mais de 600 denúncias que chegaram, mais de 60% foram levadas por mulheres. Ao mesmo tempo, trazendo novamente a reflexão sobre quem dirige o país e sobre quem é violado, será mesmo que os órgãos públicos, os que governam, não garantem direitos em razão de seu desconhecimento? Ou será por falta de má administração e distribuição dos direitos básicos em razão de recursos? Ou mesmo porque realmente não interessa a eles, já que são de maioria branca, rica, herdeira e que nunca passou fome?

É urgente e necessária a produção e reconstrução de dados a partir das favelas e periferias do país para confrontar os dados do Estado e, assim, lutar por direitos!

Infelizmente, a maioria daqueles que representam o poder não são mulheres negras como Renata Souza, que reuniu dados dos atendimentos e tentou enfrentar a casa legislativa para denunciar e construir políticas públicas para enfrentamento às variadas violações ocasionadas pelo próprio Estado. Diante disso, para Giselle Florentino e Fransérgio Goulart, do Instituto Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJRacial), em relatório publicado neste dezembro de 2023, a não garantia de direitos aos mais pobres do país realmente não tem a ver com a falta de conhecimento, mas com a vontade de manutenção da ordem social capitalista e suas profundas desigualdades. Os homens brancos e ricos que governam não se interessam em construir dados ou políticas públicas para a melhoria da qualidade de vida dos favelados e periféricos, e, sim para criminalização e controle destas populações mais empobrecidas, sob um olhar racista, eugenista e elitista.

Giselle Florentino e Fransérgio Goulart – em verbete destacado abaixo – analisam, por exemplo, o não cumprimento da ADPF 635, conhecida como a ADPF das Favelas, que em 6 de junho de 2020, através de uma liminar, decretou a proibição de operações policiais durante a pandemia de covid-19 no Rio de Janeiro. O objetivo da ADPF era que houvesse uma implementação e um monitoramento de um plano de redução da letalidade policial com ampla participação da sociedade civil e instituições públicas comprometidas com a promoção dos direitos humanos. Porém, de lá pra cá, não houve participação direta de moradores, moradoras e movimentos sociais na produção e análise dos dados e tal monitoramento não tem surtido efeitos práticos na redução da letalidade policial (nem durante e nem após a pandemia). Inclusive, as maiores chacinas já realizadas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro aconteceram durante a vigência da referida ADPF. O enfrentamento é preciso!

Para terminar esta introdução refletindo sobre quem viola e quem sofre historicamente as violências de Estado, o Dicionário de Favelas Marielle Franco convida todos e todas a lerem e refletirem sobre o artigo “A favela é a expressão dos direitos humanos”, escrito por Igor Vitorino. Leiam também o verbete “Segurança Pública e Direitos Humanos”, com autoria de Caíque Azael, Rosa Pedro e Pedro Paulo Bicalho. Analisar e refletir sobre quem nos governa e sobre quem mais sofre as violências de direitos, é necessário para pensarmos sempre em saídas coletivas. As mulheres negras, pobres, faveladas e periféricas estão na linha de frente da luta, mas, infelizmente, também são as que mais são violentadas física e psicologicamente. Abaixo, destacamos o artigo “A produção de dados em favelas e periferias em busca de memória, verdade e justiça” que defende a atuação de movimentos sociais e lideranças na produção de dados sobre violências nas favelas e periferias, com o intuito de denunciar e incidir sobre as políticas destinadas a estes territórios no Brasil. (Introdução: Gizele Martins)

A produção de dados em favelas e periferias em busca de memória, verdade e justiça

Por Giselle Florentino Fransérgio Goulart[1][2]

Este artigo é fruto do trabalho e da militância incansável da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJRacial) na defesa do direito à vida e na luta por memória, verdade e justiça. Somos uma organização que atua com ações de enfrentamento à violência de Estado, a partir da centralidade do racismo e o combate ao privilégio da branquitude. Nossa ação territorial se desenvolve na Baixada Fluminense/RJ e atuamos para garantir o direito à memória das vítimas e familiares da violência do Estado. Temos como missão institucional promover um sentimento coletivo de reprovação a qualquer tipo de violação cometida pelo Estado e entendemos a justiça racial como instrumento de reparação histórica. Acreditamos na importância da construção de contranarrativas negras, periféricas e faveladas sobre segurança pública para combater o racismo estrutural e a reprodução de narrativas racistas na mídia hegemônica, que colaboram para a criminalização de corpos negros. Defendemos a necessidade de movimentos e organizações sociais promoverem a produção e sistematização de indicadores sociais, principalmente sobre violência policial e letalidade.

Temos um Estado racista, genocida, elitista, patriarcal, cristão e heteronormativo que incentiva um discurso de militarização fundado em um racismo estrutural no qual matar pobres, pretos e favelados é sinônimo de “eficiência” nas políticas de segurança pública. As estatísticas sobre violência produzidas pelo Estado fundamentam o arcabouço ideológico racista, punitivista e encarcerador das políticas de segurança pública e do sistema prisional. Tais dados são construídos a partir das versões de agentes de segurança pública, que legitimam uma atuação militarizada e genocida dos órgãos de segurança pública, orientados por métricas de apreensão de drogas, armas e privação de liberdade em áreas faveladas e periféricas sob o argumento de enfrentamento a dita “guerra às drogas”.

Os dados estatais são limitados e incompletos. A ausência de informações sobre violência urbana e as subnotificações de crimes formam um cenário de precarização na produção de dados. A política pública da ausência, da falta de informações e dos dados não contabilizados constitui um dispositivo político de morte. Por isso é importante a produção de contranarrativas para expor as cotidianas violações de direitos humanos provocadas pelo Estado. Os movimentos sociais e as organizações sociais têm sido protagonistas na construção de metodologias criativas para produção de dados e diagnósticos sobre violência nas favelas e periferias.

A IDMJRacial é pioneira na criação de dados sobre operações policiais[3] realizadas na Baixada Fluminense e no mapeamento de cemitérios clandestinos[4], assim como na sistematização da letalidade policial e de indicadores de violência urbana[5], apreensão de armas e drogas[6] e de violência contra as mulheres[7]. Nossa intenção é estimular a produção de distintos conhecimentos e diagnósticos baseados em um arcabouço crítico, com centralidade nas questões de classe, raça, território e gênero. A produção de dados e contranarrativas que estamos nos propondo a realizar é exclusivamente para orientar nossa atuação política na defesa do direito à vida da população preta.

Nossos dados são prioritariamente produzidos para e com a população preta e/ou pobre para gerar denúncias, visibilidade, indignação e revolta. Sobretudo, para estimular movimentos insurgentes que sejam capazes de enfrentar quem nos executa e encarcera. Inclusive, por questão de proteção, optamos por não divulgar uma série de arbitrariedades que ocorrem nos territórios favelados e periféricos. Utilizamos essas informações para promover o controle social. Afinal, nosso comprometimento é com a luta social, com favelas e periferias. Nossa produção e conhecimento sempre estarão a serviço de um projeto político coletivo, autônomo, periférico e preto. Nossa legitimidade, expertise e validação vem do chão das favelas, dos becos das periferias, do barro do campo e da indignação daqueles que estão do lado de fora dos jantares da elite econômica deste país. A sociedade já compreendeu que é cada vez mais importante a realização de incidência política popular como instrumento estratégico para a proteção da vida, da memória, e para a promoção de justiça racial para o povo negro.

Construímos, com outras organizações, movimentos sociais e partidos políticos a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 6351, que foi ajuizada em novembro de 2019 no Supremo Tribunal Federal (STF). A iniciativa questiona a política de segurança pública genocida realizada pelo estado do Rio de Janeiro. Esta ADPF foi elaborada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e hoje conta como amicus curiae: a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Justiça Global, Conectas, Educafro e Redes da Maré, e como peticionários o Coletivo Fala AkariMovimento Mães de ManguinhosColetivo Papo RetoMovimento Negro Unificado/MNURede de Comunidades e Movimento contra a Violência e IDMJRacial. A ADPF 635 propõe que o estado do Rio de Janeiro elabore e encaminhe ao STF um plano de redução da letalidade policial e de controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança fluminenses, com medidas objetivas, cronogramas e previsão dos recursos para sua implementação.

A ADPF 635 inclui o fim do uso dos blindados aéreos (caveirões aéreos) em operações policiais, a proteção a escolas, garantia do direito de participação e controle social nas políticas de segurança pública, acesso à justiça e construção de perícias e provas que incluam a participação da sociedade e movimentos sociais nas investigações de casos de homicídios e desaparecimentos forçados. Em relação ao primeiro julgamento no STF tivemos algumas vitórias, como voto favorável à restrição do uso do blindado aéreo (caveirão voador), proteção das comunidades escolares no momento de operações e investimento na construção de provas e perícias para elucidação de investigações. Alguns pontos foram negados, como o parecer sobre ações que envolviam a responsabilidade do Ministério Público do Rio de Janeiro na falta de controle das polícias. Em relação aos mandados coletivos de busca e apreensão, houve parecer contrário porque a jurisprudência do STF sobre o assunto já proíbe tais ações e teria necessidade desta decisão na ADPF.

ADPF das Favelas tem por objetivo transformar a política de morte dos aparatos policiais no Estado do Rio de Janeiro. Em 6 de junho de 2020, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, através de uma liminar, decretou a proibição de operações policiais durante a pandemia de covid-19 no Rio de Janeiro, porém essa não foi a realidade. No primeiro quadrimestre após a expedição da liminar houve grande diminuição do número de operações policiais na Baixada Fluminense, com queda da letalidade policial. Isso foi confirmado por registros de autos de resistências e de homicídios em favelas e periferias. Entretanto, após o período inicial, verificamos amplo desrespeito à liminar com aumento dos índices de violência.

Os movimentos sociais, coletivos e organizações sociais que integram a ADPF das Favelas seguem enfrentando a máquina do Estado, que continua a tombar corpos negros em favelas e periferias. Os indicadores de letalidade e a quantidade de operações realizadas pela Polícia Civil e Militar não são fornecidos pelos órgãos oficiais. Por que esta informação é sigilosa? A dor, os assassinatos e chacinas são visíveis durante as operações policiais com caveirões, camburões, drones e helicópteros. A execução de corpos pretos é uma escolha política do Estado. Mesmo com dispositivos de controle de operações policiais, o governo do Rio de Janeiro continua sua rotina de terror e violência policial nas áreas periféricas e de favelas. A história da resistência negra nos possibilita pensar maneiras de reorganizar o enfrentamento à violência de Estado. Atos antirracistas eclodiram por todo o mundo, com o debate sobre racismo estrutural e formas de sociabilidade pautadas na emancipação e liberdade do povo negro.


Notas e Referências

  1.  Giselle Nunes Florentino é graduada em Ciências Econômicas na UFRRJ/IM, mestranda em Sociologia no Iesp-Uerj e coordenadora executiva da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial – IDMJRacial. | Fransérgio Goulart é graduado em História na Uerj e coordenador executivo da Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial – IDMJRacial.
  2.  Artigo publicado originalmente no relatório “Direitos humanos no Brasil 2023: Rede Social de Justiça e Direitos Humanos”. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.social.org.br/images/pdf/2023/relatorio_2023.pdf.
  3.  Guerra aos Pretos – Relatório sobre Drogas e Armas na Baixada Fluminense. Disponível em: https://dmjracial.com/2022/09/22/lancamento-guerra-aos-pretos-relatorio-sobre-drogas-e-armas–na-baixada-fluminense/.
  4.  Boletim Desaparecimentos Forçados 2023 – Violações, Genocídio e Torturas. Disponível em: https://dmjracial.com/2023/08/30/lancamento-boletim-desaparecimentos-forcados-violacoes-genocidio-e-tortura/.
  5.  Boletim Segurança Pública em tempos de Covid-19 na Baixada Fluminense. Disponível em: https://dmjracial.com/wp-content/uploads/2022/02/Boletim-de-Seguranca-Publica-2022-1.pdf. .
  6.  Guerra aos Pretos – Relatório sobre Drogas e Armas na Baixada Fluminense, op. cit.
  7.  Boletim Feminicídios e Segurança Pública na Baixada Fluminense. Disponível em: https://dmjracial.com/wp-content/uploads/2023/03/Boletim-Feminicidios-2023-3-1.pdf.

Cena do filme “Sementes – Mulheres Pretas no Poder” (2020), de Maíra Freitas

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