Representantes da maior articulação de mulheres indígenas no Brasil falam em roda de conversa sobre trajetória e parceria com o ISA para segunda edição do Mapa das Organizações de Mulheres Indígenas
Mariana Soares, do ISA
Foi entoando a mensagem “nunca mais um Brasil sem nós” que, no dia 30 de janeiro, seis integrantes da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) se reuniram no espaço Floresta no Centro, em São Paulo (SP), para uma roda de conversa em que dividiram, com mais de 50 pessoas, a importância do apoio à luta das mulheres indígenas para avançar na proteção das florestas e dos direitos dos povos indígenas.
“Nós precisamos reflorestar as mentes para a cura da terra, nós precisamos aldear todos os espaços possíveis com nossos corpos-territórios e nós precisamos estar cada vez mais juntas com a sociedade”, enfatizou a diretora-executiva da Anmiga, Braulina Baniwa, sobre a importância da roda de conversa, que contou ainda com a participação das cofundadoras Joziléia Kaingang, Shirley Krenak, Jaqueline Kuña Aranduha, Lucimara Patté, além de Keila Guajajara, responsável pela comunicação da Anmiga.
Com mediação da jornalista Bianca Santana, o evento integrou a agenda das representantes da Anmiga no escritório do Instituto Socioambiental (ISA) para a produção conjunta da segunda edição do Mapa das Organizações de Mulheres Indígenas – que, em sua primeira edição, em 2020, registrou a existência de 85 organizações de mulheres indígenas, em 21 estados do país.
Prevista para ser lançada ainda em 2024, a nova edição reunirá informações atualizadas do mapeamento de organizações, departamentos, institutos, associações e grupos do movimento indígena de mulheres.
Protagonismo feminino
Iniciando a conversa, Joziléia Kaingang trouxe uma reflexão sobre o fortalecimento da rede das mulheres indígenas a partir de sua tese de doutorado, Articulação das Mulheres Indígenas no Brasil: em movimento e movimentando redes. Ela revelou que as mulheres indígenas têm um longo histórico de articulação, mas que só em 2021 é que a Anmiga foi formalizada, por mulheres dos seis biomas brasileiros – Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal –, buscando fortalecer a luta pelo bem viver e pelos territórios indígenas, a partir do protagonismo das mulheres e da valorização de seu conhecimento tradicional.
Joziléia explicou que, na Anmiga, todas partem de um local, uma comunidade, uma família, para então integrar essa rede ampliada. “A gente se expande, mas a gente retorna e é importante retornar para que a gente possa se conectar novamente e se potencializar espiritualmente”, acrescenta. Adentrando mais em sua pesquisa e vivência, ela também pondera os desafios enfrentados pelas suas integrantes, que precisam de uma dedicação contínua e diária, deixando suas famílias para fazer parte desse movimento e articular coletivamente com diversas mulheres indígenas para que a rede chegue cada vez mais nos territórios.
A exemplo disso, ela lembrou a construção da Marcha das Mulheres Indígenas. Organizada pela Anmiga, a Marcha chegou a sua terceira edição em 2023, reunindo mais de oito mil pessoas nas ruas de Brasília. Joziléia Kaingang contou também que esse momento, ao reunir todas essas mulheres-biomas na capital política do Brasil, ajudou também a suscitar debates urgentes. “A Anmiga hoje está em vários espaços, dentro do Poder Executivo, do Legislativo, mas ela está também no chão do território, batendo o pé no chão, balançando o maracá, cantando e mantendo a nossa espiritualidade”, finalizou.
Braulina Baniwa trouxe ao público um pouco mais sobre o processo de construção da mobilização de mulheres, que culminou na formalização da organização. “É um desafio muito grande trazer essa força de todas as mulheres que caminham conosco e, ao mesmo tempo, fortalece essa caminhada de demarcar espaços com os nossos corpos-territórios, indo ao encontro da humanidade e pedindo respeito a nossa diversidade de corpos que está presente em diversos lugares”, declarou.
Sobre a organização interna da Anmiga, Braulina explicou que ela é feita por meio das categorias: mulheres-terra; mulheres-sementes; mulheres-raízes; e mulheres-água. Juntas, elas formam um conselho consultivo e deliberativo, num formato que, em suas palavras, se caracteriza como uma árvore que cria sementes e gera outras sementes, trazendo frutos.
Assim, ela define as mulheres-raízes como as que estão nos territórios, que articulam e protegem os seus a partir de suas vozes ou da participação em uma organização coletiva. As mulheres-sementes, por sua vez, são as que se mobilizam nos espaços de articulação estaduais e são as escolhidas pelas mulheres como referência local. Já as mulheres-terra são as cofundadoras e as que fazem uma representação no cenário da política nacional e internacional, enquanto as mulheres-água que são as que atuam e defendem os direitos das mulheres indígenas internacionalmente.
“A Anmiga vem com esse processo de forma inédita e revolucionária, em que todas mulheres indígenas são e precisam ser respeitadas a partir da sua diversidade. Não importa se eu não falo bem o português, eu tenho a ciência, eu carrego esse saber comigo, esse corpo-território que se movimenta e transita entre os espaços também pede socorro pela demarcação de suas terras, pela soberania alimentar e luta pelo bem viver sem violência para as mulheres”, concluiu Braulina.
Keila Guajajara lembrou da Caravana das Originárias, uma jornada feita pela Anmiga em 2022 por todo o país, e trouxe ao debate a importância de garantir a presença das mulheres indígenas na mídia e a responsabilidade de contar essas histórias, amplificar suas vozes e mostrar que a luta delas também é importante. “Se vocês adentrassem os territórios, se vocês pudessem ouvir metade do que a gente ouve quando realiza a caravana, metade do que as nossas mulheres passam pra gente. É um saber que nenhuma escola, nenhuma universidade, e que nenhum lugar vai passar porque é uma sabedoria de vida, uma sabedoria ancestral”, complementou.
Lucimara Patté, do povo Xokleng, falou sobre a tese do “Marco Temporal” que teve sua Terra, Ibirama-La Klãnõ, como centro das discussões. Para ela, a tese tem como objetivo roubar e destruir territórios. “O território que nós protegemos com os nossos corpos. Nós lutamos porque o nosso território é o nosso corpo e quando essa tese se torna lei, a gente tem que repensar, recalcular, mas a gente continua nessa luta, porque antes mesmo da própria tese, nós temos a constituição a nosso favor”, defende. Ela ainda destaca a importância de trazer o debate sobre a tese em diversos espaços. “Precisamos ecoar nossas vozes para que elas sejam ouvidas.”
Jaqueline Kuña Aranduha, do povo Guarani Kaiowá, por sua vez, trouxe ao debate a importância da união com outros movimentos sociais, principalmente em um momento de colapso climático no Brasil e no mundo. “As questões climáticas não são somente responsabilidade dos povos indígenas, não é somente responsabilidade dos governos, mas de cada um. Então, as uniões são fundamentais, porque se a gente não estiver conectado, se as lutas forem isoladas, a gente não consegue avançar”, justificou.
Na mesma direção, Shirley Krenak destacou o papel das mulheres indígenas no combate às questões climáticas. “Nós somos a cura da terra, mas essa responsabilidade de curar a Terra não é só nossa, porque não somos só nós povos indígenas que bebemos água, que comemos terra. Então a luta para preservar a Terra, preservar a biodiversidade e preservar os biomas é de todos nós”, defendeu.
Assista ao vídeo do evento!
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Imagem: Da esquerda para a direita: Braulina Baniwa, Keila Guajajara, Joziléia Kaingang, Jaqueline Kuña Aranduha, Shirley Krenak, e Lucimara Patté durante “Roda de conversa ‘Mulheres Indígenas em Luta’ 📷 Tatiane Klein/ISA