Indígenas do Acre denunciam apropriação cultural nos Estados Unidos

Lideranças questionaram o autônomo Jonas dos Santos, um homem branco brasileiro, que se apresenta como “Varinawa”, segundo ele, nome dado por um pajé Kanamawa, de Cruzeiro do Sul

Por Kátia Brasil e Hellen Lirtêz, da Amazônia Real

Dois indígenas da etnia Noke Koî, o cacique Yama Nomanawa e o pajé Penõ Kanamawa, ambos do Acre, denunciaram à agência Amazônia Real nesta sexta-feira (1° de março), que foram vítimas de agressão verbal e apropriação da cultura por um homem branco (nawá, na língua do povo) de nacionalidade brasileira, o autônomo Jonas dos Santos. O caso aconteceu durante uma palestra no Jardim Botânico de San Diego, na Califórnia, nos Estados Unidos, na manhã de terça-feira, 27 de fevereiro. As lideranças não prestaram queixa na Embaixada do Brasil ou mesmo às autoridades policiais do estado norte-americano.

Em entrevista à agência, o cacique líder Yama Nomanawa, de 35 anos, disse que, no momento em que fazia sua palestra sobre a cultura de seu povo e as plantas medicinais da floresta, Jonas dos Santos, também conhecido como “Jonas Varinawa”, iniciou uma sequência de  agressão.

“Fui convidado para fazer essa palestra, onde tinha cientistas e sábios de outros lugares, apresentando o conhecimento das plantas. Eu falei se alguém escutou dizer que, em outros lugares, de lideranças que é uma pessoa Noke Koî neste país, eu disse que não é verdade. Eu sou o primeiro cacique Noke Koî que está trazendo este conhecimento. Quando eu falei isso, ele [Jonas dos Santos] se levantou no fundo da sala e gritou que é liderança Noke Koî, mas ele sabe que não é indígena, não é liderança, mas vem se apresentando como Noke Koî, trabalhando com a medicina e pedindo doações através de uma ONG, como ele mesmo disse”.

Após a palestra, Yama Nomanawa junto com o pajé Penõ Kamanawa, de 52 anos, se dirigiam ao corredor da sala, quando foram abordados por Jonas dos Santos com agressão física. “Na saída ele ficou ameaçando. Ele [Jonas dos Santos] deu um chute em direção à mão do pajé Peno Kanamawa e ameaçou: ‘vou dar um chute nesse telefone seu, cuidado você, você não está na sua área, você vai para o Brasil, eu vou ficar aqui, você vai se lascar!’”.

O vídeo com a agressão foi postado por Penõ Kamanawa nas redes sociais. Na imagem, Santos aparece fazendo ameaças. “Coloca na rede social! Você vai para o Brasil e vai se lascar. Me respeita cara, a ajuda vai chegar pra vocês. Não faz isso comigo”, diz o autônomo.

O cacique Yamana Nomanawa contou que Jonas Santos “ficou maluco” quando ele não o reconheceu como indígena. “Ele me disse que eu estou o desrespeitando porque ele foi autorizado pelas lideranças para representar o povo Noke Koî e, que foi batizado com o nome Rane. Eu disse a ele: ‘meu irmão [Jonas], não aceito esse seu trabalho neste país porque ninguém te conhece. Não sabe que você trabalha aqui’. Ele usa o nome dos pajés que estão lá na floresta passando necessidade. Usa o nome do meu avô, que era Rane, e ganha muito dinheiro em nome do meu avô”.

Ainda na saída do Jardim Botânico, segundo Yama Nomanawa, Jonas dos Santos “ficou ameaçando o grupo”.  “‘Vocês vão me pagar ao chegarem na cidade de São Paulo!’”.

“Ele quase quebrou o telefone do pajé Penõ Kamanawa. Ele ficou ameaçando, eu não sei o que vai acontecer em São Paulo, mas o espírito sabe. O espírito protege a gente”, disse o cacique, que continua nos Estados Unidos, em deslocamento para o México. “A gente não procurou registrar na polícia. Estou tranquilo”.

Procurado pela reportagem, Jonas dos Santos ou “Jonas Varinawa”, um homem branco nascido em Taubaté, São Paulo, foi questionado sobre a apropriação cultural e agressão verbal. A apropriação cultural é um termo que explica quando um grupo dominante, através do mecanismo de opressão, empossa de uma cultura inferiorizada de forma que suas tradições, seus costumes e demais elementos percam os seus significados.

Jonas dos Santos disse que a origem da discussão com os indígenas Yama Nomanawa e Penõ Kanamawa, no Jardim Botânico de San Diego, é uma briga interna com a aldeia Varinawa, no Acre. “As aldeias [Varinawa e Momanawa] brigam entre si. Elas têm problemas, elas têm inveja. Quando muito gringo vai para uma, as outras reclamam e ficam nessa guerra”, disse.

Questionado sobre a agressão, Santos disse que tentou atingir o celular de Pano. “Fiz a menção de chutar seu celular, mas o chute não acertou, pois eu não quis acertar”.

Ele afirma que a situação foi motivada por briga interna e dinheiro: “O pajé Tapo, que me batizou, me colocou o nome de Rane, que é, infelizmente do clã Kamanawa. E todos eles reclamam disso: ‘você ajuda Varinawa e tem nome Kanamawa. Foi um erro do pajé Tapo também. Esse é o motivo de toda essa guerra”.

Santos acusou Penõ Kanamawa: “O Penõ quer dinheiro para eu ter um nome Kanamawa. O Penõ não trabalha com a verdade”.

Procurado pela Amazônia Real, Penõ Kanamawa afirmou que: “Ele [Santos] não acertou meu celular, nem meu corpo. Não tenho relação com ele”.

Sobre o trabalho social com os indígenas com a Aldeia Varinawa, Jonas dos Santos afirma que realiza há cinco anos. “Eu comecei meu trabalho social na Aldeia Varinawa em 2019. Eu fui treinado, batizado, autorizado e ensinado [na medicina da floresta] pelo pajé Tapo e pelo curandeiro Txano Varinawa. Eu coloquei antena wi-fi na aldeia, mando dinheiro, cestas básicas, roupa, mando clientes. A primeira vez que fui à aldeia, levei duas estrangeiras e elas levaram uma boa renda para fazer a vivência com eles. Compro todos os artesanatos deles, compro a medicina, ayahuasca e rapé (…) Para estar sempre fortalecendo eles, mas todo mundo me critica e não vê o meu trabalho social”.

O autônomo paulistano afirmou que mora nos Estados Unidos e está abrindo uma organização não governamental para fazer o trabalho social com os indígenas da Aldeia Varinawa. “Eu sou uma pessoa só, não posso ajudar todo mundo. Apesar de morar nos Estados Unidos, o dinheiro não nasce em árvores aqui. Mas de tanto as aldeias se queixarem, então eu decidi, com amigos meus, a montar uma ONG para ajudar diferentes etnias: povos Noke Koî; Huni Kui; Yawanawa. Já está formado o estatuto da ONG e só falta mandar para Brasília para ser aprovado nosso trabalho. Eu quero colocar nas aldeias açudes, barcos, placa de energia solar”.

No Acre, a aldeia Nomanawa, onde vivem o cacique Yama Nomanawa e o pajé Peno Kamanawa, fica no rio Taoari, na Terra Indígena do Rio Gregório, em Cruzeiro do Sul. Já a Aldeia Varinawa está localizada às margens da BR 364, a 64 Km da cidade. A etnia Noke Kuî, assim como os indígenas Huni Kui,  pertence à língua do tronco linguístico Pano. Essa etnia realiza eventos chamados de “Vivência” com estudos sobre a espiritualidade, cultura e cosmovisão ligadas à biodiversidade da floresta amazônica, que atraem muitos turistas estrangeiros e apoiadores da causa indígena.

Repercussão da agressão

O pajé Yama e a aldeia Nomanawa e Jonas, durante prática do kambô nos Estados Unidos (Reprodução Instagram) .

Para o  pesquisador indígena e professor Joaquim Huni Kui, a agressão aos indígenas Yama Nomanawa e Penõ Kanamawa é uma situação desrespeitosa com a  cultura de  seu povo. “Infelizmente, outros parentes já passaram por situações parecidas no exterior ao terem de lidar com não-indígenas que buscam se apropriar das artes, do trabalho e até da situação de ajuda que alguns povos necessitam”.

“Temos visto muitos representantes não Huni Kui querendo se apossar do nosso conhecimento, né? Dizendo que está nos ‘representando’ e se esse homem está falando que é Huni kui, está fazendo isso com parentes, é falta de respeito, tem que entrar com uma ação contra ele, né?”, explica Joaquim Huni Kui, da Universidade Federal do Acre.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Diogo Rocha.

Foto: Sofia Lisboa / Mídianinja

 

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