Professores e sofrimento psíquico: objetivações e subjetivações. Por Ângelo Oliveira

O Dia dos Professores é sempre uma data de reflexão para mim, e como em um filme, começo a rever cenas e situações que se interpõem no cotidiano docente e que, de algum modo, atravessam nossos saberes, fazeres e percepções sobre a realidade, a partir das lentes da educação.

Ultimamente, não pude passar despercebido pela questão do sofrimento psicológico dos professores. De acordo com uma pesquisa realizada pela Revista Nova Escola e pelo Instituto Ama a Sua Mente em 2022, 21,5% dos professores brasileiros avaliam sua saúde mental como ruim ou muito ruim. Os principais sintomas incluem ansiedade (60,1%), cansaço excessivo (48,1%) e problemas de sono (41,1%), enquanto outros fatores como desmotivação (55%) e sobrecarga de trabalho (49%) também são prevalentes.

Diante desse contexto, não podemos compreender o processo de adoecimento psicológico de forma apartada da realidade material e concreta. Uma interpretação individualizada desses acometimentos atende apenas à psicologia burguesa, uma vez que serve de base para culpabilizar o indivíduo por seu próprio fracasso, eximindo a sua relação direta com as bases estruturais excludentes do modelo econômico vigente. Para compreendermos os atravessamentos que resultam no sofrimento dos professores, é imprescindível relacionar esse fenômeno ao complexo da realidade que, de algum modo, determina nossa existência.

Quando falo de determinação, não me refiro a um determinismo que faria de nossas vidas uma realidade pronta e acabada. Refiro-me à perspectiva de Marx quando afirma que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem”. Isso significa que os seres humanos podem ser os agentes da mudança histórica, mas não agem em circunstâncias escolhidas por eles, e sim em condições herdadas do passado. Ou seja, somos sujeitos históricos e, como tais, somos transformados pela história, na medida em que também a transformamos.

Mas que condições são essas às quais os professores são submetidos em nosso tempo? Em um plano mais amplo, considerando o conjunto de trabalhadoras e trabalhadores, temos vivido um tempo de retirada de direitos. Com as constantes crises do capitalismo que afetam a todos, em uma esfera global, os trabalhadores “pagam a conta” quando são levados a se submeter a uma jornada de trabalho cada vez mais cansativa, com horas extras que invadem até mesmo o tempo de descanso.

Na chamada indústria 4.0, vem se intensificando o processo de “uberização” dos processos de trabalho, que submete milhares de trabalhadores a jornadas de até 12 horas, sem direito a férias, décimo terceiro e nenhum vínculo empregatício que gere o mínimo de seguridade ao ficar desempregado ou em condições de doença.

Especificamente em relação aos professores, Martins (2018) revela quatro condições principais que afetam sua condição de trabalho e geram sofrimento: a falta de certezas em relação às finalidades do trabalho docente, a perda de controle do professor sobre o seu próprio trabalho, a individualização de suas responsabilidades e a precariedade das condições de trabalho.

No tocante à falta de certezas, Martins destaca que o trabalho docente tem cedido lugar ao seu componente teleológico, visto que o ato educativo vem, a cada dia, deixando de ser humanizador em seu sentido mais amplo para ser apenas um agente conformador e ajustador dos indivíduos a uma sociedade cujo centro é o mercado.

Nessa mesma direção, o trabalho docente tem saído do controle dos professores por meio de processos cada vez mais próximos à lógica empresarial, que impõe performances, ritmos, padrões e produtividade. Essa corrida gera ansiedade, medo e angústia, pois os professores sabem que, quando se trata de processos formativos, as respostas não vêm em escalas padronizadas, visto que lidam com estudantes com diferentes características, ritmos e estilos de aprendizagem. Além disso, variáveis que extrapolam os limites da sala de aula, como questões econômicas e sociais dos educandos, também se interpõem no processo de aprendizagem.

Outro fenômeno que produz sofrimento e desconforto é a individualização das responsabilidades dos professores. O trabalho educativo é, por essência, coletivo, ou seja, é um trabalho que se faz na partilha de um projeto formativo. Quando o professor é levado a trabalhar como se estivesse em uma etapa de uma linha de produção, alienado de um projeto formativo que se vincula a um projeto societário coletivo, há um forte estranhamento. O professor precisa contar com seus pares, além do suporte de todo um sistema educativo e de outros agentes que compõem a comunidade escolar. Colocar todo o processo formativo nas costas dos professores é um fardo muito pesado e até inalcançável.

Por último, a precariedade das condições de trabalho, que passa pela desvalorização salarial, é um fator determinante. Educar pressupõe investimentos em infraestrutura, melhores condições de trabalho, bibliotecas, laboratórios, recursos tecnológicos, formação em serviço e melhores salários. Rememorando a fala da professora Amanda Gurgel do Rio Grande do Norte, “Entregam um quadro, giz e apagador, e querem que a gente seja o salvador do mundo”. A dor maior é saber que, embora a educação não seja uma panaceia que pode sozinha resolver os problemas do mundo, ela pode muito mais se houver investimentos e um mínimo de estrutura. É doloroso para um professor, muitas vezes, saber o que precisa ser feito, mas não conseguir por falta de estrutura.

Por todas as razões levantadas, é necessário cuidar dos professores. Mais do que alimentar a falsa ideia de que são super-heróis, é preciso garantir um ambiente escolar mais seguro, em que o professor consiga entrar e sair com tranquilidade. É necessário assegurar a autonomia pedagógica, já garantida na Lei 9.394/96 (a LDB), de modo que os professores não se sintam amordaçados em seu trabalho, que é sempre pedagógico e político.

É preciso que os professores tenham espaço de escuta acolhedora sempre que, em decorrência dos conflitos inerentes ao trabalho educativo, sentirem necessidade de ressignificar e reelaborar suas dores. É necessário banir a cultura do assédio nas instituições de ensino, que amordaça e silencia a voz dos docentes.

E, por último, é imprescindível retirar os professores de qualquer reforma que pretenda gerar produtividade. O ato educativo não é da ordem do imediato. As aprendizagens não podem ser mensuradas a partir de um modelo competitivo-mercadológico. Os professores já trabalham em sala de aula, em casa e, muitas vezes, nos finais de semana com a correção de provas, registros, estudos e outras elaborações que extrapolam o planejamento formal. Impor aos professores um ritmo de fábrica só oprime, adoece e não resolve o problema da qualidade da educação. Portanto, não é possível pensar na saúde mental dos professores sem que lhes sejam garantidas condições dignas de trabalho, afinal, somos todos “sínteses de múltiplas determinações”.

Imagem: Jan Feindt/The Chronicle

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