Nota da Associação Brasileira de Antropologia – ABA sobre a reforma do ensino médio

A Associação Brasileira de Antropologia vê com consternação os rumos que toma a reforma do Ensino Médio em curso no Brasil. A realidade educacional brasileira certamente demanda aprimoramento, em especial no sentido de permitir melhores condições de ensino e aprendizagem para a formação integral das futuras gerações de cidadãs e cidadãos brasileiros. A reforma ora vigente e em discussão no Congresso Nacional, contudo, parece caminhar em direção contrária a esse objetivo, tanto por seu conteúdo quanto pela forma como a mesma se dá.

Quanto ao conteúdo, implantado de forma autocrática pelo Poder Executivo por meio de medida provisória (MP 746/2016), a reforma traz graves riscos para um projeto de educação inclusiva e atenta à formação integral para a cidadania.

A reforma impõe a diferenciação de formação no ensino médio por grandes áreas (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional), cabendo ao estudante fazer opção após um ano de formação comum. Em que pese ser positivo o estímulo a que o estudante tenha maior autonomia na definição de seu percurso de formação, preocupa-nos a especialização precoce decorrente deste modelo, em especial na medida em que reduz significativamente o contato dos estudantes com conteúdos indispensáveis a uma formação plural e humanista.

O impacto imediato desta alteração legal é a supressão da disciplina “sociologia” como obrigatória após o primeiro ano do Ensino Médio. Nesse sentido, a reforma altera gravemente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, representando grave retrocesso em conquista duramente alcançada. Na mesma linha, outras disciplinas poderão desaparecer do Ensino Médio, como Artes, Educação Física e Filosofia. Remeter a definição dos conteúdos e disciplinas à Base Nacional Comum Curricular não mitiga este risco, pelas limitações próprias da natureza deste documento e pelas incertezas que neste momento rondam sua elaboração.

É, ainda, muito grave que se permita a contratação de professores sem formação específica para o ensino básico, decorrente da previsão de contratação por “notório saber”. Tal medida, além de grave desrespeito aos cursos de licenciatura em todas as áreas do saber, desestimula a formação de professores bem como os importantes investimentos públicos necessários a uma formação qualificada para o atendimento de demandas educacionais muito específicas.

A forma de encaminhamento da reforma, enviada ao Congresso Nacional por Medida Provisória, limita gravemente a necessária discussão acerca dos impactos de médio e longo prazo que alterações como as acima indicadas trarão para a formação de futuras gerações de brasileiras e brasileiros. O uso deste mecanismo, que implica vigência imediata, impõe à sociedade profundas alterações no atual formato da Educação Básica sem considerar seus impactos sobre um complexo sistema que envolve 28 redes públicas de ensino (União, Estados e Distrito Federal) e ampla rede privada.

O contexto de forças políticas ora vigente no Legislativo brasileiro impõe -nos ainda maior preocupação, em especial ao se verificar que a presidência da Comissão Especial destinada a apreciar a MP 746/2016 está a cargo do deputado federal Izalci (PSDB/DF), autor do projeto de lei 867/2015, que inclui na LDB o programa “Escola sem Partido”. O deputado já externou, por sua ação parlamentar, uma leitura no mínimo equivocada acerca do papel da escola na formação de cidadãos, valendo-se de premissas marcadas por preconceito e intolerância e propondo medidas de coerção ao livre pensamento em ambiente escolar.

Ao mesmo tempo, preocupa-nos sobremaneira que a relatoria da MP 746/2016 esteja a cargo do Senador Pedro Chaves (PSC/MS), proprietário de um conglomerado educacional privado. Por mais que seja legítima e relevante a existência de uma rede privada para dar conta dos desafios da educação básica, é inevitável que seus representantes orientem suas ações por interesses e preocupações específicos a este setor, nem sempre em sintonia com os interesses maiores que devem orientar a definição de políticas educacionais para formação cidadã.

Uma reforma educacional que efetivamente vise a formação plural e integral de cidadãos e cidadãs deve prezar pela valorização da diversidade de saberes e pela construção de condições equânimes de diálogo e interlocução política em todos os níveis, o que certamente não tem sido o caso neste processo.

Por esses elementos de contexto e conteúdo, a Associação Brasileira de Antropologia, associação científica com mais de 50 anos de existência e que representa área de excelência em pesquisa no país, demanda aos senhores parlamentares a rejeição integral da MP 746/2016, de modo a que se abra oportunidade de discussão qualificada acerca de um modelo de ensino em conformidade com os fundamentos de política educacional construídos ao longo de décadas e com intensa participação da sociedade brasileira.

Brasília, 26 de outubro de 2016.

Associação Brasileira de Antropologia ABA / Gestão 2015 -2016 e sua Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia

 

 

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