Policiais armados com metralhadora intimidam jornalistas em fazenda de Padilha

Repórteres procuravam pista de pouso clandestina em fazenda do ministro investigada por crimes ambientais dentro de parque estadual

Por Cauê Ameni, em De Olho dos Ruralistas

Na segunda-feira (20/03), os jornalistas Bruno Abbud e Ednilson Aguiar, do jornal O Livre, faziam uma reportagem sobre as fazendas irregulares do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS), dentro do Parque Estadual Serra de Ricardo Franco, quando foram abordados por dois fiscais da Secretaria do Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema) e dois policiais civis carregando metralhadoras. “Vocês estiveram na fazenda do ministro?”, questionou o fiscal Laerte no meio da estrada rural de Vila Bela da Santíssima Trindade.

A abordagem contra os jornalistas fez a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo publicar uma nota. Segundo a Abraji, os repórteres foram “ameaçados de prisão” e tiveram de mentir para deixar o local. O relato de um dos jornalista, Bruno Abbud, mostra que os policiais estavam especificamente preocupados com fotos da propriedade de Padilha – e elas seriam motivo para que eles fossem presos: “Se foram na fazenda do ministro vou ter de prender vocês”.

No fim do ano passado, o ministro e outros fazendeiros foram condenados pela Justiça e tiveram cerca de R$ 949,5 milhões em bens bloqueados por degradação ambiental. Segundo o Ministério Público Estadual, Padilha e seu ex-assessor e sócio, Marcos Antonio Tozzati, são responsáveis pelo desmate ilegal de 2.079 hectares nas fazendas Paredão I e Paredão II. Padilha ainda aparece como sócio-proprietário na fazenda Cachoeira, onde foram desmatados 735 hectares sem autorização da Sema.

A denuncia aponta que 19 mil hectares, dos 158,6 mil que tem o Parque Ricardo Franco, foram explorados por desmatamento irregular, pecuária sem licença e até mesmo trabalho escravo, entre 1998 e 2015.

Em janeiro, o procurador-geral de Justiça em exercício do Mato Grosso, Luiz Alberto Esteves Scaloppe, e a promotora de Justiça Regiane Souza de Aguiar chamaram o homem forte do governo Temer de “grileiro” e acusaram o governador Pedro Taques (PSDB-MT) de usar a maquina do Estado para encobrir os crimes dos fazendeiros no parque.

Publicamos a seguir o relato do repórter Bruno Abbud:

“TIRARAM FOTOS DA FAZENDA DO MINISTRO?”

“Vocês estiveram na fazenda do ministro?”, disparou o fiscal Laerte, conhecido como JL, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente em Vila Bela da Santíssima Trindade, município a 562 quilômetros de Cuiabá. Ele saiu da viatura a passos largos, aparentemente nervoso, na companhia de outro fiscal, Eudes Frazão. Na retaguarda vinham dois policiais civis carrancudos que carregavam metralhadoras apontadas para o chão e nos encaravam com as sobrancelhas franzidas. Um deles, o mais baixo, tinha tatuagens nos braços e, com um celular, filmava o nosso carro. O outro, usando um chapéu de pescador, nos observava enquanto fumava um cigarro. A cena aconteceu na segunda-feira, 20 de março, por volta das 16h30.

No dia anterior, eu e o repórter fotográfico Ednilson Aguiar dormimos em Pontes e Lacerda, município vizinho. Na manhã seguinte, percorremos 78 quilômetros até o hotel Bela Vila, onde pedimos informações sobre o caminho para a fazenda Paredão, uma das propriedades que, de acordo com o Ministério Público de Mato Grosso, pertence ao ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, e fica parcialmente dentro do Parque Estadual Serra de Ricardo Franco. Com uma área de 158,6 mil hectares de biomas da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal, o parque marca a divisa do Brasil com a Bolívia.

No hotel, um homem corpulento, de meia-idade, que se identificou como CI (uma abreviação de “Comunicação Interna”, função que dizia desenvolver na prefeitura do município), indicou o caminho, ressaltou que o acesso era difícil, aconselhou-nos a alugar motocicletas para subir um trecho de serra até a propriedade e indicou um vereador do município, que seria bom conhecedor do trajeto. Humberto, o proprietário do hotel, concordou em ser nosso guia. Dirigimos até a prefeitura, um prédio de 1968, chão sujo de terra e ventiladores lentos. Deixei o meu cartão de visitas com um homem chamado Adão, apresentado por Humberto, que se prontificou a comunicar o vereador Elias da Conceição Silva (PP) sobre nosso interesse em visitar a Paredão.

As conversas preliminares com moradores da região indicavam que na fazenda havia uma pista de pouso clandestina, a qual queríamos fotografar. Depois de atravessar uma estrada vicinal de terra vermelha de cerca de 90 quilômetros, cruzamos duas porteiras (destrancadas) e ingressamos na fazenda Paredão. Passamos por um caminhão atolado, cuja traseira expunha o letreiro “Fazenda Barra Mansa” – segundo moradores, trata-se de outra propriedade do ministro Padilha na região. Ali, vimos um peão sobre um cavalo, gado bovino em pouca quantidade e postes de energia elétrica. Tudo na área do parque. Dois funcionários em uma picape tentavam tirar o veículo do atoleiro. Outros quatro postavam-se ao lado de uma cerca de madeira. Paramos o carro, Ednilson desceu para falar com o motorista do caminhão. Nesse instante, ele conseguiu ouvir uma mensagem, em volume alto, que vinha do rádio da picape: “Eles entraram aqui dentro da fazenda e deram uma volta com um carro escrito imprensa. Eles estão aí na porteira”, avisava uma voz feminina. De longe, vi Ednilson fazendo um sinal com a mão para sairmos rapidamente dali.

No trajeto de volta à cidade, no meio da estrada vicinal – um lugar ermo preenchido por extensas plantações de milho, soja e pastos apinhados de bois –, vimos ao longe a viatura Mitsubishi L200 que vinha em nossa direção com a luz da sirene ligada, piscando os faróis intermitentemente. Começava a abordagem.

Descemos eu, Ednilson e Humberto. Depois de perguntar se estivemos “na fazenda do ministro”, Laerte tentou explicar o motivo da parada.

– Tenho a informação de que vocês foram na fazenda do ministro e que queriam alugar motos para subir lá. Vocês fotografaram a fazenda?

Negamos. O instinto alertava que devíamos sair dali o mais depressa possível.

– Tenho o seu cartão aqui – disse Laerte.

– Como você conseguiu o meu cartão? – perguntei.

Silêncio.

– Fotografei o seu cartão e mandei para Cuiabá. Mandaram eu vir aqui com a polícia atrás de vocês.

– Quem mandou?

Silêncio.

– Vocês foram na fazenda do ministro? Vocês tiraram fotos de lá? Porque eu tenho a informação de que vocês foram lá e tiraram fotos, então a gente precisa esclarecer isso, porque se vocês foram, vou ter que prender vocês.

Tentamos desconversar.

– Quero ver as fotos, vocês podem mostrar as fotos?

Os policiais continuavam ali, imóveis, metralhadoras em punho. O fiscal Eudes argumentava que a entrada no parque era proibida. Alegamos que estávamos fazendo fotos sobre o agronegócio na região. Em uma das câmeras, as imagens mostravam uma máquina que cuspia soja na caçamba de uma carreta.

– Sabe como é, muita gente poderosa tem terras aqui. Saiu a conversa de que vocês foram na fazenda do ministro e isso pode prejudicar o meu trabalho – disse Laerte – Onde estão as fotos?

Fui até o carro, peguei a câmera e mostrei a soja sendo descarregada.

Ele pareceu ter se convencido.

– Não pode entrar no parque sem autorização. É preciso que um fiscal da Sema acompanhe – dizia Eudes, calmamente. Os policiais continuavam nos encarando.

Naquela manhã, eu havia perguntado para a promotora Regiane Soares de Aguiar, da promotoria criminal de Vila Bela da Santíssima Trindade, se existia alguma restrição para entrar na fazenda de Padilha, dentro do parque estadual. Ela garantiu que não havia impedimento.

– Estranho, porque acompanhamos a visita do governador durante o fim de semana e o secretário de Turismo disse para irmos até o parque com um guia local – argumentou Ednilson.

Nesse ponto, a conversa mudou de tom. Nem Laerte nem Eudes souberam contestar a informação do secretário Luiz Carlos Nigro.

– Sabe como são as secretarias, estão no mesmo governo, mas são órgãos diferentes – alegou Laerte.

O policial alto perguntou, impaciente:

– Vamos conduzir?

– Nesse caso não precisa, eles mostraram que não tiraram as fotos – respondeu Laerte.

Fomos liberados. No carro, narrei parte do que acontecera no gravador do telefone celular. Ednilson reparou que, horas antes, os dois policiais estavam no mesmo restaurante que havíamos almoçado – ele reconheceu um deles pelas tatuagens e pelo pente da pistola no cinto. Deixamos Humberto na cidade. Mais tarde, enquanto trafegávamos apressados pela estrada sentido Cuiabá, recebemos uma mensagem no WhatsApp avisando que os policiais e os fiscais tinham nos seguido até o hotel. Estava escurecendo e achamos prudente mudar os planos e passar a noite em Mirassol d’Oeste. Tentamos dormir. Apesar do cansaço, não foi tão fácil.

OUTRO LADO

Em nota, o governo estadual negou terem ocorrido ameaças à equipe do portal O Livre. Disseram que os jornalistas foram barrados pelos fiscais do Sema por causa das normas de segurança do parque.

Sobre os policiais no local, a nota diz que eles fazem a segurança da equipe do Sema: “A Polícia Civil também esclarece que os dois policiais civis estavam uniformizados e armados, por se tratar de trabalho ostensivo e a região apresentar perigos relacionados a conflitos agrários e ainda ser rota do narcotráfico”. (Cauê Seigner Ameni)

Foto: Geraldo Magela/ Ag. Senado

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