No Cimi
Os servidores e servidoras da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs) da Fundação nacional do Índio (Funai) divulgaram nesta terça-feira, 12, uma carta dirigida ao presidente do órgão indigenista, Franklimberg Ribeiro, e à diretora de Proteção Territorial, Azelene Inácio, criticando e apresentando preocupações sobre as indicações políticas oriundas de articulações anti-indígenas de Michel de Temer a postos importantes da ação de isolados da Funai e o sucateamento do trabalho em campo.
“Gostaríamos de alertar Vossas Senhorias sobre as consequências que as indicações meramente políticas na CGIIRC podem acarretar para o bem-estar físico e cultural dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil, haja vista que alguns desses povos estão submetidos a situações vulnerabilidade extrema, incluindo o risco de genocídio (por exemplo, nas TIs Vale do Javari – AM, Araribóia-MA e Yanomami – RR e AM”, diz trecho da carta.
Na última semana, fatos acerca de um massacre de indígenas em isolamento voluntário ocorrido no rio Jandiatuba, interior da Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do estado do Amazonas, ganharam repercussão internacional. O Ministério Público Federal (MPF) investiga o caso e dois garimpeiros chegaram a ser presos suspeitos de envolvimento nos ataques aos chamados “flecheiros”.
Leia na íntegra:
CARTA DOS SERVIDORES DAS FRENTES DE PROTEÇÃO ETNOAMBIENTAL E DA COORDENAÇÃO-GERAL DE ÍNDIOS ISOLADOS E DE RECENTE CONTATO DA FUNAI
Ao Presidente da Funai,
Sr. Franklimberg Ribeiro
À Diretora de Proteção Territorial,
Sra. Azelene Inácio
Senhor Presidente e Senhora Diretora,
Na última semana, nós, servidores da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs), tomamos conhecimento através da mídia de que estão em tramitação na Funai as exonerações da Coordenadora-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, Leila Sílvia B. Sotto-Maior, e da Coordenadora de Planejamento e Apoio às Frentes de Proteção Etnoambiental, Paula W. L. Pires.
Nesse sentido, temos a informar que as duas servidoras cujas exonerações estão sendo encaminhadas possuem sólida formação acadêmica na área das Ciências Humanas, possuem ampla experiência de trabalho junto aos povos indígenas e, principalmente, possuem conhecimentos técnicos relativos à gestão da Funai e das FPEs. Dito isso, caso haja intenção real de nomeações sem diálogo com as FPEs, como é de costume, e de pessoas sem o devido preparo técnico necessário, consideraríamos que seria um desmonte técnico, ou eventual ingerência política na CGIIRC e FPEs. Caso isso venha a se concretizar, só nos restaria manifestar nossa indignação e repúdio para as autoridades competentes.
Enfatizamos que a Política de Proteção aos Povos Isolados e de Recente Contato é coordenada pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e efetivada em campo pelas equipes das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs). As ações de proteção territorial e de promoção de direitos são norteadas por uma metodologia de trabalho extremamente criteriosa, consolidada ao longo de 30 anos e orientada por princípios como o do não contato, da precaução, da garantia da posse plena e da proteção ambiental dos territórios indígenas.
Atualmente, 11 FPEs atuam na Amazônia Legal Brasileira: FPE Awá (Maranhão), FPE Médio Xingu (Pará), FPE Cuminapanema (Pará e Amapá), FPE Yanomami/Ye’kuana (Roraima e Amazonas), FPE Waimiri-Atroari (Amazonas), FPE Madeira-Purus (Amazonas), FPE Vale do Javari (Amazonas), FPE Envira (Acre), FPE Uru-Eu-Wau-Wau (Rondônia), FPE Guaporé (Rondônia) e FPE Madeirinha-Juruena (Mato Grosso). Por conta dessa atuação da Funai, a política pública brasileira de proteção de povos isolados e de recente contato é hoje reconhecida como uma política de referência por outros países onde também há a presença destas populações. Enfatizamos, inclusive, que a efetividade dessa política faz com que o Brasil continue sendo o país com o maior conjunto conhecido de povos e grupos indígenas isolados no mundo.
Em especial, gostaríamos de alertar Vossas Senhorias sobre as consequências que as indicações meramente políticas na CGIIRC podem acarretar para o bem-estar físico e cultural dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil, haja vista que alguns desses povos estão submetidos a situações vulnerabilidade extrema, incluindo o risco de genocídio (por exemplo, nas TIs Vale do Javari – AM, Araribóia-MA e Yanomami – RR e AM).
Enquanto política pública, o trabalho de proteção dos povos isolados e de recente contato está amparado em diversos instrumentos jurídicos e normativos, nacionais e internacionais, sendo os principais a Constituição Federal de 1988, artigo 231; o Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro de 1996; o Estatuto da Fundação Nacional do Índio; a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais (ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 5051, de 19 de abril de 2004); e a Declaração Americana Sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Recentemente, em 2016, por meio da Portaria/PRES148, de 07/03/2017, foi criado o Conselho da Política de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, cujo objetivo é estabelecer diretrizes e normativas dessa política pública específica.
Mesmo tendo um sólido fundamento legal e sendo considerada como uma política indigenista de excelência, a Política de Proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato vem passando nos últimos anos, e sem dúvida com muito maior intensidade nos últimos meses, por um processo de sucateamento e desestruturação com um significativo corte de recursos humanos e financeiros.
Conforme proposta de distribuição interna de recursos para o Projeto de Lei Orçamentaria (PLOA) – 2018 encaminhada recentemente pela gestão da Funai, o orçamento previsto para a política pública direcionada aos povos isolados e de recente contato, para o ano de 2018, será cerca de 60% menor em comparação com a LOA de 2015 ficando, desta forma, bastante abaixo da linha de cortes gerais da Funai. Nesse sentido, caso o orçamento destinado à operacionalização das FPEs não seja imediatamente readequado em função de nossas atribuições regimentais, ocorrerá o fechamento de Bases e paralisação geral das atividades das FPEs, acarretando num aumento vertiginoso de invasões ilegais aos territórios ocupados pelos povos indígenas isolados, sob atuação das FPEs, culminando em situações de conflitos, massacres e de consequente genocídio dos povos indígenas isolados. Todos os avanços pós-constitucionais e de reconhecimento da política indigenista brasileira serão derrubados, colocando o Estado brasileiro definitivamente no quadro de países violadores de direitos humanos. Será, sem dúvida, um dos maiores retrocessos da história indigenista brasileira.
Tal processo vem se dando paralelamente ao processo de ataque aos direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição Federal de 1988 e por diversos instrumentos normativos subsequentes. Provas desse processo de sucateamento são as sucessivas cartas com reivindicações que os Coordenadores das Frentes de Proteção Etnoambiental vêm encaminhando formalmente para a Diretoria Colegiada e para a Presidência da Funai desde 2013. Além disso, o processo mais geral de sucateamento da política indigenista e de ataque aos direitos indígenas foi devidamente identificado e caracterizado no “Diagnóstico Sistêmico sobre Organização e Funcionamento da Funai”, elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e no “Relatório da Missão ao Brasil da Relatora Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas”, elaborado pela Sra. Victoria Tauli-Corpuz, Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Assim, considerando:
(i) que a CGIIRC é uma Coordenação- Geral da Funai extremamente sensível em razão da natureza e da complexidade da ação indigenista junto a povos isolados e de recente contato,
(ii) que há no Brasil povos isolados e de recente contato em risco iminente de genocídio,
(iii) que historicamente o processo de nomeação do Coordenador-Geral da CGIIRC é fruto de um consenso entre a DPT e os Coordenadores das FPEs,
(iv) que orçamento previsto para as FPEs está muito aquém do necessário para o cumprimento mínimo de nossas atribuições.
Solicitamos o arquivamento imediato dos processos de exoneração e nomeação na CGIIRC, e uma audiência entre os Coordenadores das FPEs, a CGIIRC, a DPT, DAGES e a Presidência da Funai para traçamos, juntos, o futuro e fortalecimento desta política, bem como a readequação do orçamento destinado à CGIIRC/FPEs.
Atenciosamente,
Altair Algayer – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO
Antonio Lima Saldanha – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM
Ariovaldo dos Santos – servidor da CGIIRC
Bernardo Natividade Vargas da Silva – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM
Bruno da Cunha Araújo Pereira – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM
Bruno de Lima e Silva – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA
Carolina Ribeiro Santana – servidora da CGIIRC
Clarisse Jabur – Coordenadora de Políticas para Povos Indígenas de Recente Contato
Daianne Veras Pereira – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA
Daniel Cangussu – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus/AM
Edimar Firmino da Silva – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Eumar Vasques da Silva – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM
Fabio Nogueira Ribeiro – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema/PA
Fábio Crespino Passos – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO
Fabrício Ferreira Amorim – Coordenador de Proteção e Localização de Índios Isolados
Fernanda Nunes – servidora da CGIIRC
Franciele Honorato – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO
Gustavo Vieira Peixoto Cruz – servidor da CGIIRC
Gustavo Sena de Souza – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM
Idnilda Obando de Oliveira – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM
Jair Candor – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena/MT
Jeferson Lima – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Joelmo Santos de Souza – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema/PA
Luciano Pohl – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Médio Xingu/PA
Luciene Montessi Marcio – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO
Luis Carlos dos Santos – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA
Luiz Rayone Costa de Almeida – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Marcelo Fernando Batista Torres – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Marcus Vinícius Boni – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Maria de Jesus Bezerra Santos – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA
Maria José Rosa – servidora da CGIIRC
Maria Socorro Martins de Paula – servidora da CGIIRC
Neide Martins Siqueira – servidora da CGIIRC
Pablo Rodrigues de Brito – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Médio Xingu/PA
Pâmella Barros dos Reis Silva – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Paula Wolthers Pires – Coordenadora de Planejamento e Apoio às Frentes de Proteção Etnoambiental/CGIIRC
Paulo Pereira da Silva – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO
Paulo Pheene – servidor da CGIIRC
Renan Augusto da Silva Sampaio – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Rieli Franciscato – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau/RO
Rui Fernando Sarges Carvalho – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Médio Xingu/PA
Sérgio Ribeiro dos Santos – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Médio Xingu/PA
Thiago Mota Meirelles – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Vitor Roger Nogueira David – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM
William Iafuri – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC
Wilson Medeiros dos Santos – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC