Atenção, Fapesp! Veneno não é defensivo. “Agrotóxico faz mal à saúde das pessoas e ao meio ambiente”, sim!

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

A foto que ilustra este texto foi enviada hoje com uma notícia da Fapesp – Empresa desenvolve equipamento para aplicação automatizada de agrodefensivos.  Logo na abertura, a explicação:

“O uso de aeronaves é um dos meios mais comuns para a aplicação de agrodefensivos em cultivos, mas a realização manual do processo leva a desperdício de material e pode comprometer a precisão e a segurança. Para minimizar eventuais prejuízos, pesquisadores de uma empresa de São José dos Campos (SP) desenvolveram, com o apoio da FAPESP, uma linha de produtos customizados para automatização de processos da aviação agrícola”.

E, no corpo da matéria, loas à tecnologia subvencionada pelo Estado de São Paulo, que permitirá, mediante o uso de um hardware nos aviões que controlará o bombardeio, “a aplicação autônoma, sem participação do piloto, podendo gerar uma economia de, no mínimo, 10% de agrodefensivos e de 5% de combustível”.

Viva!

Sabemos muito bem que, no vocabulário que ruralistas e agroindústria querem hegemônico, a luta é para transformar o agrotóxico em ‘defensivo’, para o senso comum. Mudando o dicionário, veneno passaria a ser algo que nos defende. Bom para a agricultura, para os alimentos que comemos, para a nossa saúde, enfim. Sei…

Também sabemos o que a condenadíssima pulverização aérea (agora chamada de “aviação agrícola”) vem fazendo com as vidas de comunidades inteiras, sem falar na contaminação das lavouras agroecológicas.

Um exemplo: na última semana de dezembro, um pequeno vídeo feito com celular comprovava denúncia de uma liderança indígena Guarani Kaiowá de Tey’i Jusu. Nele, um avião passa despejando veneno/agrotóxico. A pulverização seria feita a mando de fazendeiros da região de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, para expulsar as famílias indígenas. Segundo a liderança, o ataque foi “sobre o córrego d’água e sobre o resquício de mata ainda não derrubado pelo agronegócio”, e ao longo de 2014 outras denúncias já haviam sido encaminhadas para a Sexta Câmara de Justiça do Mato Grosso do Sul, “contendo vídeos que flagraram uma aeronave idêntica despejando veneno sobre estas famílias”. Esse seria o quinto ataque químico “contra a mesma comunidade, em menos de um ano”. (AQUI)

Mas essa não é uma denúncia isolada. Muito ao contrário, ela vem sendo repetida em diferentes pontos do País, embora se concentrem principalmente na região Centro-Oeste. Um caso que se tornou emblemático e até hoje deixa sequelas é o de Rio Verde, Goiás. No dia 3 de maio de 2013, a escola rural do assentamento Pontal dos Buritis foi submetida a uma sessão de  pulverização aérea por um avião da empresa Aerotex Aviação Agrícola. Cerca de 100 pessoas, na maioria crianças e adolescentes, estavam na hora do recreio; cerca de 40 pessoas (29 delas crianças) tiveram de ser hospitalizadas, algumas com casos severos de envenenamento. O caso deu nova força, inclusive, às exigências da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, para que o governo federal proíba a pulverização aérea e a regulamentação da pulverização terrestre.

A Fapesp

De acordo com seu site, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) foi criada em 1960, começou a funcionar efetivamente em 1962, mas já estava prevista na Constituição Estadual de 1947, “graças a um esforço de um grupo de homens de laboratório e de cátedra”. Dizia o Artigo 123 da C.E. que “O amparo à pesquisa científica será propiciado pelo Estado, por intermédio de uma fundação organizada em moldes a serem estabelecidos por lei” e estabelecia que “o Estado atribuirá a essa Fundação, como renda especial de sua privativa administração, a quantia não inferior a meio por cento de sua receita ordinária”.

Ainda segundo o site, quando da criação o governo destinou à Fundação “uma dotação inicial de US$ 2,7 milhões para a formação de um patrimônio rentável”, os recursos do Tesouro estadual são repassados mensalmente com rigorosa regularidade desde 1989, e as “receitas originárias do patrimônio da FAPESP, criteriosamente administradas, garantem a estabilidade das linhas regulares de fomento a pesquisa e têm permitido a criação de programas especiais, destinados a induzir novas áreas de investigação e a assegurar a superação de dificuldades específicas do sistema de pesquisa do Estado”.

Ora, isso é exatamente o que se pode desejar de melhor: uma fundação de apoio à pesquisa com recursos garantidos para trabalhar da melhor forma possível pelo uso da ciência e da tecnologia voltadas para o bem comum e a melhoria de vida na sociedade. Considerando, além do mais, suas origens ligadas à pesquisa científica e à ‘cátedra’, somando-se a isso o fato (também está no site, com foto e tudo) de que os primeiros tempos da Fapesp foram em duas salas da Faculdade de Medicina, mais motivos ainda temos para esperar o melhor possível também no que se refere à saúde da população. Por que então estou escrevendo tudo isso?

*

Não posso crer que a turma da Fapesp esteja sabendo de todas essas denúncias das comunidades. Com certeza desconhecem também os dois filmes de Sílvio Tendler reconhecidos e premiados internacionalmente, com o nome “O veneno está nas mesas”, 1 e 2 (AQUI e AQUI). Finalmente, só posso crer que, agora falando em termos do circuito acadêmico, a ABRASCO tenha esquecido de enviar para a biblioteca da Fapesp os excelentes trabalhos que vem lançando sobre a questão, em particular o seu Dossiê Abrasco (linkado), que tem como subtítulo

“NÃO HÁ DÚVIDAS. ESTAMOS DIANTE DE UMA VERDADE CIENTIFICAMENTE COMPROVADA:
OS AGROTÓXICOS FAZEM MAL À SAÚDE DAS PESSOAS E AO MEIO AMBIENTE”.

Com certeza, se tudo isso ou parte disso tivesse acontecido, os esforços e recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo seriam dedicados não a economizar veneno e combustível para os ruralistas e o agronegócio e sim, no mínimo, aos estudos de alternativas agroecológicas que não arriscassem a saúde e a vida das pessoas. Por isso, termino este texto socializando, além dos links mencionados acima, o vídeo “Pontal do Buriti – brincando na chuva de veneno”, também com informações a respeito dos tais “defensivos”.

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Legenda da Foto divulgada pela FAPESP: “A tecnologia substitui o procedimento manual por equipamento dotado de um hardware embarcado e um sistema eletromecânico com sensor e atuador para aplicação autônoma, sem participação do piloto, com economia de agrodefensivo e combustível”

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