Defensoria Pública arrisca ao flertar com o que há de mais atrasado no meio jurídico, por Brenno Tardelli

Nota: a escolha do logo da Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo para ilustrar esta matéria é proposital. Ela vem sendo – juntamente com um grande número de integrantes da DPESP, felizmente – um dos pontos altos do trabalho desenvolvido pela instituição. Por isso mesmo, acho que cabe expressarmos também junto a ela nossa indignação quanto aos fatos denunciados por Tardelli. O endereço eletrônico disponibilizado pela Ouvidoria para manifestações, está aqui. (Tania Pacheco)

No Justificando

Como um vírus, as instituições podem bagunçar a cabeça dos seus integrantes, que deixam de pensar no justo para pensarem institucionalmente. Dessa doença certos juízes, juízas, promotores e promotoras sofrem há tempos, levando à defesa de coisas, no mínimo, não-republicanas, como um carro oficial com motorista para levar suas Excelências da casa ao trabalho, auxílios das mais variadas espécies e demais regalias gozadas pelas “otoridades” do país.

Há alguns poucos anos, uma instituição se consolidou propondo-se ser um oásis no deserto das vetustas, antigas e antiquadas carreiras que há muito se engessaram. Cheias de gente nova, interessante e interessada, a Defensoria Pública Estadual e Federal chegaram sem pedir passagem e trouxeram esperança a quem estava cansado de tanto conservadorismo estatal.

Pois eis que, em dado momento, quem se propunha a ser diferente passou a ser semelhante, como uma adaptação jurídica contemporânea da Revolução dos Bichos, de Orwell. Basicamente, o livro trata de uma fazenda em que os animais expulsaram os humanos para implementar uma auto-gestão com a proposta de serem inovadores, mas, no fim das contas, acabaram por se tornar mais do mesmo.

Acometidos pelo vírus da institucionalização, alguns defensores se veem na difícil tarefa de justificar auxílios bizarros. O Estadão obteve o levantamento do Tribunal de Contas de São Paulo, que analisou a Defensoria Pública do Estado, aniversariante de dez anos esse mês, e analisou o seguinte: 514 Defensores paulistas receberam gratificações por terem atendido ao público na triagem; 243 por terem visitado presídios e 181 por terem atuado em revisão criminal. Vale ressaltar, receberam extra por funções básicas que todo advogado faz.

As gratificações exóticas ficam ainda mais estranhas se considerarmos que a Defensoria não repassou o valor da Assistência Judiciária aos advogados e advogadas no Estado. Para quem não é do meio, explico: tem muito caso para pouco defensor. Por isso, por todo o território, advogados entram em um convênio para fazerem as vezes de defensores públicos. A remuneração pelo trabalho (chamado de advocacia dativa) é repassada pela Defensoria Pública, que não pagou nada no mês de Dezembro, alegando falta de verbas.

Pausa no texto para reforçar o carinho que sinto por inúmeros membros da carreira e o respeito pela utopia buscada pela Defensoria – a mais bela das carreiras públicas. Além disso, não se ignora os enormes avanços conquistados pela atuação de defensores – a vitória no caso Vila Soma é o último belo exemplo. Justamente por isso, é de onde mais se espera uma postura crítica que a cobrança deve ser maior. Não seria dever ideológico da instituição em criticar o sistema como está e não querer participar acriticamente da festa dos céus celebrada por Ministério Público e Magistratura há décadas?

Esse foi um dos pontos da conversa que tive com um talentoso Defensor Público, o qual me respondeu que o mal está na raiz: no concurseiro. Para alguns concurseiros, pouco importa se a carreira será a Defensoria ou a Procuradoria do Município de Cabrobó. Se Juiz ou Promotor. Se Delegado ou Analista Fiscal. É compreensível que isso aconteça em alguns casos, depois de tanta frustração e pressão para a vida financeira finalmente deslanchar. Mas, por outro lado, traz uma consequência nefasta, que é são pessoas sem aptidão para o cargo. Não vocacionadas.

Talvez só a falta de vocação explica que mais de 60% dos defensores públicos estaduais desejem o porte de arma, como mostrou o IV Diagnóstico da Defensoria Pública, realizado pelo Ministério da Justiça. Só o defensor que abdicou do senso crítico em busca, a todo custo, da equiparação com outras carreiras pode defender uma coisa esdrúxula como essa. Só a ânsia de ser igualzinho em “benesses” ao amiguinho(a) que hoje é promotor de justiça. Pelo menos torço para que seja isso – uma invejazinha. Porque, caso seja o contrário e o Defensor(a) defenda porte de arma por uma questão ideológica armamentista, que façamos as malas para fugirmos para as montanhas.

Esses que abdicaram de qualquer identidade com a Defensoria não pela busca do El Dorado da equiparação profissional, mas por pura ideologia política existem em número menor, mas ainda assim preocupante: 11,8% dos Defensores Públicos Estaduais torcem pela redução da maioridade penal; 9,5% são favoráveis à prisão perpétua e 3,5% são adeptos da pena de morte. Comentei o assunto com o Defensor Público Geral do Estado de São Paulo, o qual me disse que esses números são menores e a pesquisa não é precisa. Ainda assim, pesquisa precisa ou não, o fato é que defensores públicos de fato responderam pelo apoio das pautas indicadas, o que, por si só, causa espanto.

Caio Paiva, um Defensor Público admirável, me disse em uma entrevista sobre a predileção dos defensores pelo porte de armas que “o desafio da Defensoria para os próximos anos será não se perder de si”. Faço dele as minhas palavras.

Brenno Tardelli é diretor de redação no Justificando.

 

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