Vale do Javari: Funai fracassa e ocupação permanece em Atalaia do Norte (AM)

Segundo lideranças, o diretor Walter Coutinho propôs conceder licença médica para coordenador expulso, mas sugestão revoltou os índios.

Elaíze Farias, Amazônia Real

As lideranças indígenas da Terra Indígena Vale do Javari que ocupam desde o dia 19 de janeiro a sede da Coordenação Regional da Funai (Fundação Nacional do Índio), em Atalaia do Norte (AM), afirmam que o diretor de Proteção Territorial, Walter Coutinho, não assinou um Termo de Compromisso que finalizaria com o protesto, que tem como reivindicações a exoneração imediata do coordenador Bruno Pereira, assumindo em seu lugar um indígena, mais segurança e monitoramento das etnias de índios isolados dentro da reserva. A Terra Indígena Vale do Javari fica na fronteira do Brasil com o Peru.

Como adiantou a agência Amazônia Real, a Presidência da Funai enviou o diretor Walter Coutinho no dia 05 de fevereiro para uma reunião com as lideranças na Câmara Municipal de Atalaia do Norte (a 1338 quilômetros a oeste de Manaus). Segundo os indígenas, em vez de tratar da proposta de exoneração do servidor, Coutinho informou que Bruno Pereira entraria com um pedido de afastamento por três meses da coordenação por motivo de saúde. A sugestão não foi aceita pelos indígenas.

Em outro momento da reunião, as lideranças propuseram que Bruno Pereira seja exonerado até o dia 12 de fevereiro. Em seu lugar, assumiria o atual coordenador substituto, Manoel de Nazaré Ribeiro Júnior. Nesta proposta, os indígenas sugeriram que o substituto permanecesse na chefia de 60 a 90 dias, tempo para que seja feita uma consulta pública nas 55 comunidades da TI Vale do Javari.

É nesta consulta pública, segundo as lideranças, que será escolhido o nome do indígena da TI Vale do Javari que vai assumir a Coordenação Regional da Funai em Atalaia do Norte. O problema é que o diretor Walter Coutinho não voltou para segunda rodada de negociação, marcada para o dia 06 de fevereiro, onde assinaria o Termo de Compromisso com as propostas, inclusive, com a presença do Procurador da República, Ramon Amaral, finalizando a negociação da desocupação da sede da Funai.

Nesta terça-feira (09), a Associação Indígena Matís (Aima) divulgou uma nota pública repudiando a forma como o diretor de Proteção Territorial da Funai, Walter Coutinho, tratou as lideranças.

“…Elaborando o Termo de Compromisso, determinando o compromisso e responsabilidade de ambas as partes, estabelecendo diálogo e possível desocupação da sede da Funai. Esse termo seria analisado e discutido com a participação de todos, inclusive do Sr. Walter Coutinho. O que não aconteceu, o mesmo viajou para Frente de Etnoambiental no Rio Itacoaí, na tarde mesmo do dia 05 de fevereiro de 2016, dizendo que iria retornar para Atalaia do Norte, pela manhã no dia 06 de fevereiro de 2016, e reuniríamos para apreciar, analisar, discutir e aprovar o termo de compromisso”, diz nota dos Matís.

Segundo a Aima, as lideranças indígenas aguardaram o diretor Walter Coutinho entre 8h e 13h do dia 06, mas este teria decidido retornar para Tabatinga, onde pegaria um voo para seu retorno a Brasília.

“Isto nos deixou revoltados e insatisfeitos, pois demonstrou claramente a sua posição de não dar a mínima importância para nossa mobilização. Se ele [Walter Coutinho] precisava falar com o Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental [Beto Maruboa], tinha que comunicar o mesmo para descer para Atalaia do Norte, e fazer uma reunião extra. Não precisava subir até o posto de Frente de Proteção Etnoambiental só para ver os Korubo, deixando o compromisso que o mesmo veio para resolver. Para qual foi designado pelo Presidente do Órgão”, diz a nota dos Matís.

Nesta quarta-feira (10), a principal liderança do movimento, Marcelo Marke Turu Matís disse que seu povo está “chateado” com a falta de resposta da Funai. Ele disse que o clima tenso contra o coordenador Bruno Pereira aumentou.  “Ontem (09) o Bruno tentou ir para a Base Etnoambiental. Mas os parentes prenderam o barco que ele ia usar. Não queremos ele nem aqui na sede da Funai nem na base”, disse.

Paulo Marubo, presidente da Univaja, disse que indígenas não aceitaram proposta da Funai. (Foto: Alberto César Araújo/AmReal)
Paulo Marubo, presidente da Univaja, disse que indígenas não aceitaram proposta da Funai. (Foto: Alberto César Araújo/AmReal)

O descaso da Funai com o Vale do Javari

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) confirmou à Amazônia Real que o diretor Walter Coutinho não assinou o Termo de Compromisso. Jorge Marubo, que também participou da reunião na sede da Câmara, explicou o motivo pelo qual as lideranças não aceitaram o afastamento de Bruno Pereira por razões de saúde.

“Isso nos trouxe dúvida. O Bruno, pelo que vemos aqui todo dia, não está doente. Ele está sempre bebendo todo dia aqui na praça (de Atalaia do Norte). Durante essa mobilização o que vimos foi ele na praça bebendo. Então, achamos que a Funai pode nos enganar com essa proposta de licença de saúde, e não exonerar o Bruno. Isso a gente não aceita”, afirmou Jorge Marubo. “Queremos uma nomeação de um indígena. É uma reivindicação que estamos lutando ao longo dos anos na Política Indigenista”, complementou.

Já o presidente da Univaja, Paulo Marubo disse à que encontrou casualmente com o diretor Walter Coutinho na rua no dia 6 de fevereiro, data em que ele deveria assinar o Termo de Compromisso.  “Ele disse que não poderia se reunir novamente com os Matís, pois corria o risco de perder a aeronave que lhe levaria de volta a Brasília. O voo partiria de Tabatinga. Ele falou que não daria tempo de participar da reunião e nem de assinar o termo. Pediu que enviássemos uma cópia do termo por e-mail e que iria avaliar”, afirmou. Tabatinga fica a cerca de duas horas de voadeira de Atalaia do Norte, onde não tem aeroporto.

Conforme Paulo Marubo, no Termo de Compromisso as lideranças sugeriram a criação de um Comitê Regional da Funai no qual os indígenas participariam como conselheiros. Sobre o nome de Manoel de Nazaré Ribeiro Júnior como substituto interino, ele disse que o funcionário é conhecido das lideranças pois sempre substitui Bruno Pereira quando este se ausenta da coordenação. “Então ele (Ribeiro Júnior) ficaria na coordenação até que outro seja nomeado”, disse o presidente da Univaja.

Dois nomes são cogitados pelas lideranças para a consulta pública nas 55 comunidades da TI Vale do Javari, segundo a Univaja: Darcy Marubo e Manoel Chorimpa, ambos do povo Marubo. Darcy atualmente mora em Manaus, onde foi funcionário da Secretaria Estadual de Povos Indígenas (Seind), extinta no governo José Melo (Pros). Agora ele trabalha na Fundação Estadual Indígena (órgão que substituiu a Seind). Manoel Chorimpa é vereador em Atalaia do Norte pelo partido PRP.

Os nomes de Darcy Marubo e Manoel Chorimpa seriam avaliados em assembleias na TI Vale do Javari se o diretor Walter Coutinho aceitasse a proposta, o que não conheceu, disse Paulo Marubo.

“Os Mayoruna vão realizar neste mês o seu encontro binacional. Eles já vão aproveitar para escolher o novo coordenador. Os Kanamari e os Kulina também vão se reunir. Essa foi a orientação que recebemos do procurador da Repúbica Ramon Amaral, que esteve na reunião a nosso convite”, disse Marubo.

Segundo Paulo Marubo, o diretor Walter Coutinho disse na reunião de sexta-feira (5 de fevereiro), que estava em Atalaia do Norte como representante do presidente da Funai, João Pedro Gonçalves, e que este não aceitava a exoneração de Bruno Pereira.

“Ele não veio dar respostas. Primeiro, se reuniu com os funcionários da Funai em Atalaia do Norte. Depois, disse que a Funai não aceitava a saída do Bruno. A gente então respondeu que não, que não aceitava essa resposta. E quando a gente diz que não aceita, não aceita mesmo. O procurador estava na reunião e ajudou a gente a falar com o Walter. Foi aí que falamos que poderíamos dar o prazo até o dia 12 para a Funai responder”, diz.

Darcy Marubo é um dos nomes indicados pelos indígenas. (Foto: Alberto César Araújo/AmReal)
Darcy Marubo é um dos nomes indicados pelos indígenas. (Foto: Alberto César Araújo/AmReal)

O motivo do protesto dos Matís

A ocupação da sede da Coordenação Regional do Vale do Javari, que conta com aproximadamente 100 indígenas, sendo 62 Matís, começou no dia 19 de janeiro (leia mais aqui). As lideranças expulsaram o coordenador Bruno Pereira do prédio com arcos e flechas em punho. As lideranças reivindicam a exoneração do coordenador, segurança e o monitoramento das aldeias que estão próximas as etnias consideradas isoladas pela Funai.

O protesto começou após o agravamento do conflito interétnico entre os povos Matís e os isolados Korubo. Em 2014, morreram dois Matís e ao menos oito Korubo, outros três ficaram feridos. Os Matís questionam a forma como a Funai atua na relação entre os povos isolados e os índios classificados como de contato permanente.

A Amazônia Real entrou em contato com a assessoria de imprensa da Funai e enviou várias perguntas referentes à ida de Walter Coutinho a Atalaia do Norte e sobre o documento dos indígenas exigindo a saída de Bruno Pereira. A assessoria respondeu que encaminhou a demanda para a diretoria responsável e que daria um retorno assim que obtivesse a resposta, o que não aconteceu até o momento. A reportagem também procurou o coordenador Bruno Pereira para que ele falasse sobre a licença médica, mas ele não atendeu as mensagens enviadas pelo celular.

Momento em que Bruno Pereira foi expulso pelos Matís (Foto: Site Jambo Verde)
Momento em que Bruno Pereira foi expulso pelos Matís (Foto: Site Jambo Verde)

Imagem destacada: A foto de um grupo de Matís acima é de Marke Turu Matís.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

4 + 11 =