Nota da Relatoria de DH e Povos Indígenas sobre carta da SALSA que evidencia violações de direitos humanos desta população

Plataforma Dhesca

A Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca divulga e apoia a carta datada de 22 de fevereiro de 2016 dos antropólogos da SALSA – Sociedade de Antropologia das Terras Baixas da América do Sul que evidencia as mais graves situações de violações de direitos humanos que enfrentam os povos indígenas no Brasil hoje.

Em janeiro de 2016, a Relatoria também enviou uma carta à Presidenta Dilma Rousseff em seguimento aos pronunciamentos governamentais na I Conferência Nacional de Política Indigenista e chamando a atenção para as evidentes contradições entre os anúncios e as práticas governamentais. Entre outros aspectos, ressaltou o fato de que:

1) o anúncio de homologações de terras indígenas apenas no estado do Amazonas e a falta de ação e de um posicionamento contundente do Governo Federal quanto ao seguimento dos procedimentos de demarcação (identificação, declaração e homologação) de terras indígenas nas regiões Sul, Sudeste, Centro-sul e Nordeste do país contribuem diretamente para o aumento da violência e da discriminação contra os povos indígenas. Essa situação se agrava ainda mais com a impunidade dos crimes cometidos contra indígenas e servidores da Funai, especialmente relativos a conflitos fundiários.

2) o veto presidencial ao PL 5954/2013 que visa alterar a Lei de Diretrizes e Bases Nacional para fazer respeitar o direito à educação específica e diferenciada dos povos indígenas no Brasil, inclusive no processo de avaliação também contradiz com os compromissos celebrados durante a I Conferência Nacional de Política Indigenista e com o fortalecimento da educação escolar indígena, bem como com algumas políticas já em prática no Brasil.

3) é preciso aprofundar no governo, e de maneira dialogada com os povos indígenas, o entendimento acerca do seriam de fato relevantes interesses públicos para superar o descompasso injustificado que se verifica com relação ao entendimento protetivo de direitos fundamentais dos povos indígenas frente a outros interesses, como os de exploração de seus territórios e recursos, e inclusive para justificar o uso de forças armadas contra os povos indígenas.

Como já indicado nas comunicações da Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas e da SALSA à Presidenta Dilma, o quadro de contradições parece se agravar em 2016. Além do seguimento da investigação parlamentar de cunho meramente político contra a Funai e o Incra, e da tramitação da proposta de emenda constitucional PEC215 (que trata da demarcação de terras indígenas e da exploração dos recursos indígenas), são ofensivos aos direitos dos povos indígenas os anúncios governamentais:

  • de autorização de empreendimentos que afetam povos indígenas sem o devido cumprimento de condicionantes imprescindíveis, como no caso da instalação e operação da UHE Belo Monte, mesmo sob o risco de responsabilização por genocídio conforme entendimento do Ministério Público Federal;
  • de autorização sem consulta aos povos indígenas, sem viabilidade socioambiental e à revelia das proteções constitucionais para implantação de empreendimento dentro de terras indígenas, mesmo sob o risco de reproduzir práticas ditatoriais já condenadas pela Comissão Nacional da Verdade, como no caso da linha de transmissão Manaus-Boa Vista na terra indígena Waimiri-Atroari;
  • de alteração nos processos de licenciamento ambiental (PL 654 e Resolução CONAMA) para, dentre outras coisas, excluir o componente indígena na autorização de empreendimentos que afetam diretamente suas terras e recursos naturais (confira nota da Funai sobre a proposta de Resolução da CONAMA);
  • bem como o descaso com a saúde indígena denunciados pela Federação de Organizações Indígenas do Rio Negro e outras organizações indígenas;
  • a falta de defesa institucional pelo fortalecimento da Funai em regiões impactadas por empreendimentos como Belo Monte e Complexo Tapajós; e
  • anúncio de redução de quadros da Funai colocando ainda mais em risco a vida de povos indígenas em todo o Brasil, inclusive isolados; dentre outros.

Para a Relatoria, faz-se necessário não apenas manter o compromisso contra a PEC 215 mas, fundamentalmente, adotar medidas concretas para: a) declarar e homologar terras indígenas nas regiões mais vulneráveis do país (Centro-Sul e Nordeste); b) garantir o usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre suas terras e recursos naturais; c) proteger as formas de organização social dos povos indígenas e suas autonomias frente a pressões externas e a interesses privados de implantação de grandes obras que impactam e comprometem a vida indígena; e d) combater o preconceito, a violência e a discriminação racial perpetrada contra os povos indígenas. Somente assim será possível enfrentar os desafios que toda construção de sociedade justa impõe, sem a negação dos direitos dos povos indígenas.

Nesse contexto, e considerando a visita da Relatora da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas para verificar a situação dos povos indígenas no Brasil no próximo mês de março, é de se esperar que o Estado brasileiro avalie suas reais condições e condutas para que o respeito aos povos indígenas e seus direitos não se restrinjam a raros discursos.

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