Manifesto pela ética, qualidade técnica e participação social no licenciamento ambiental brasileiro

Os representantes da bancada ambientalista no CONAMA, membros do Grupo de Trabalho que trata da Proposta de Resolução que dispõe sobre Critérios e Diretrizes para o Licenciamento Ambiental, deliberaram pelo presente Manifesto visando consignar sua posição diante do processo CONAMA n° 02000.001845/2015-32:

Considerando que o referido processo proposto pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente – ABEMA foi instalado de forma açodada no CONAMA, com convocação de reunião extraordinária da Câmara Técnica de Controle Ambiental (CTCA) no período de festas de final de ano em 2015;

Considerando que a CTCA deliberou pela formação de um Grupo de Trabalho que foi instalado no início de janeiro de 2016, para um período de trabalho exíguo de 60 dias, quando o Regimento Interno do Conselho possibilita o prazo de até um ano, renovável, e foi instalado exatamente no período das férias de verão, época inapropriada em função de baixa possibilidade de articulação institucional;

Considerando a apresentação pelo Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, de um cronograma exíguo para a boa execução dos trabalhos, em se tratando de matéria de alta complexidade técnica e jurídica e que representa uma das ferramentas mais importantes para a consecução dos princípios estabelecidos na Lei 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), especialmente do princípio da participação social;

Considerando que foi estabelecido um prazo insuficiente para contribuições internas, desconsiderando-se a imprescindível necessidade de nivelamento das informações, de tempo para consulta às entidades ambientalistas, aos pesquisadores e acadêmicos que atuam na área, aos técnicos dos diversos setores e segmentos sociais, aos movimentos sociais em geral no Brasil, país que apresenta grande diversidade cultural e dimensões continentais;

Considerando que, até a presente data, apesar de solicitado, não foi apresentado um estudo que permitisse traçar um paralelo comparativo entre as atuais resoluções CONAMA em vigor e a proposta em discussão, resultando num processo em que não está garantido o princípio do não retrocesso ambiental, já sendo perceptíveis impactos negativos sobre a jurisprudência conquistada decorrente das resoluções 001/86 e 237/97 – e que a minuta proposta pretende revogar;

Considerando que até o presente momento também não foi apresentado Anexo com classificação de tipologia e porte dos empreendimentos, o que é basilar para definir a

classificação das modalidades e que tem a ver com todo o teor de mérito do projeto em questão;

Considerando que a condução dos trabalhos pelo MMA tem sido direcionada de forma a ignorar apelos da sociedade civil por um processo democrático, com participação social eficiente, eficaz e verdadeiramente transparente;

Considerando a forma insuficiente e democraticamente limitada utilizada para a consulta eletrônica, resumida ao período de feriados carnavalescos, assim como a intransigência do MMA e da ABEMA na definição dos locais da Consulta Pública que possibilitassem maior inserção e participação da sociedade civil, conforme proposto pelos representantes da bancada ambientalista na CTCA;

Considerando que tais fatos vêm gerando um clima de insegurança e um estado de clamor público no seio do movimento socioambiental – e de outros setores representativos da sociedade brasileira, especialmente entre estudiosos e pesquisadores que se dedicam ao tema da gestão ambiental;

Considerando que, durante o processo, em que pese a intenção de excessiva discricionariedade concedida aos Estados na elaboração de quesitos e modelos aplicáveis ao licenciamento, sequer cogitou-se avaliar a viabilidade de gestão do SISNAMA, à exemplo de capacitação técnica e meios operacionais, elementos sem os quais a viabilidade do licenciamento para sua implementação e para as atividades de fiscalização estará comprometida;

Considerando a limitação da abordagem proposta, que não contempla a conjuntura atual do período civilizatório/Antropoceno, assim como a frágil, simplista e questionável metodologia para classificação e avaliação de impactos, que não tangencia questões basilares como perceber a realidade e criar salvaguardas diante da perda de capacidade de suporte, da incidência de efeitos sinérgicos e da cumulatividade dos impactos ambientais;

Considerando a forma limitada como está sendo abordada a participação social, elemento basilar para a construção de um sistema de gestão ambiental participativo;

Considerando a falta de consulta antecipada a organismos representativos com atuação em território nacional como a FUNAI, o IPHAM, o CNRH, entre outros;

Por fim, considerando os últimos acontecimentos na 10ª reunião ordinária da CTCA, que a princípio sinalizou aparente espírito de dialogo por parte da ABEMA e do MMA, mas que resultou em: prazos exíguos e insuficientes para a boa execução dos trabalhos de prorrogação do GT; construção de aparentes consensos para apresentação à sociedade nas

consultas públicas, uma vez que o setor ambientalista tem sistematicamente questionado o conjunto da obra; a negativa de consultas públicas em estados onde problemas ambientais são mais graves em escala, nível de desconformidades e recentes impactos, como nas regiões do Estado do Pará, São Paulo, assim como em Minas Gerais, denotando direcionamento sem justificativas por critérios aceitáveis; a demonstração de condução dos trabalhos em articulação política voltada a interesses contrários à prática eficaz da avaliação ambiental, fato que aponta desde já para uma finalização com resultados contrários aos interesses maiores da sociedade e do meio ambiente; a inaceitável subjetividade e superficialidade, já que o documento a ser encaminhado para as consultas públicas não apresenta, até o momento, os anexos com tipologias que determinariam os tipos de atividades licenciáveis e quais procedimentos lhes seriam aplicados, tema que por si só demandaria consultas regionais e forte debate e aporte de conhecimento científico.

Pelo conjunto da obra, pelo desequilíbrio de forças pró-sociedade e pró-sustentabilidade diante da demonstração de interesses econômicos imediatistas, concluímos que não há condições mínimas para manter diálogo democrático dentro do Grupo de Trabalho, diante de um processo comprovadamente açodado, com metodologia questionável, cujos resultados apontam para um inaceitável retrocesso ambiental.

Assim sendo, a bancada ambientalista, através dos representantes das ong’s do CNEA que compõem o CONAMA, e por decisão com manifestação das bases, deliberam se retirar como veemente protesto do Grupo de Trabalho que discute a resolução sobre os Critérios Gerais para Licenciamento Ambiental, vindo a público denunciar as distorções que vem ocorrendo, com vistas ao restabelecimento pelo Conama da prática dos princípios democráticos basilares, assim como valores e o espírito norteador impressos na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.

Dessa forma, requeremos:

1. A revisão conceitual da proposta, na perspectiva de atendimento aos princípios estabelecidos na Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) e da atual conjuntura da intensificação dos impactos pela ação humana (Antropoceno);

2. Apresentação de um Estudo de Viabilidade de Gestão por parte dos órgãos integrantes do SISNAMA e de comprovação da sua capacitação técnica e viabilidade operacional para proceder com eficiência às demandas atuais de licenciamento e fiscalização;

3. Realização prioritária de um Encontro Nacional de Colegiados Ambientais, como mecanismo de integração e fortalecimento do SISNAMA, precedido da elaboração da Agenda Nacional do Meio Ambiente e da Avaliação da Política Ambiental do país, no âmbito do CONAMA, conforme estabelece o art. 28 do seu Regimento Interno.

4. Realização de Audiências Públicas em cada Estado da Federação, atendendo aos princípios do direito à informação e da participação social, acrescida de nova Consulta Pública eletrônica, apoiando a efetiva mobilização da sociedade civil, da Academia e do Ministério Público, assim como de outros atores que possam contribuir neste processo, em especial para contemplar de forma adequada a defesa dos interesses difusos.

Brasília, 11 de abril de 2016.

Fidelis Paixão – Argonautas (Membro da CTCA)
Marcus Vinicius Polignano – Instituto Guaicuy (Membro da CTCA)
Boisbaudran Imperiano – Sociedade Nordestina de Ecologia
Bruno Manzolillo – FBCN
Carlos Alberto Hailer Bocuhy – SODEMAP
Lisiane Becker – Mira-Serra
Tadêu Santos – Sócios da Natureza

AS ENTIDADES ABAIXO SUBSCREVEM O MANIFESTO EM APOIO:

ACAPRENA – Associação Catarinense de Preservação da Natureza (SC)
ADESNOR – Agência de Desenvolvimento Sustentável do Noroeste de Minas – Paracatu (MG)
AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (RS)
Amigos de Iracambi (MG)
APOENA – Associação em Defesa do Rio Paraná (SP)
APREC Ecossistemas Costeiros (RJ)
Argonautas Ambientalistas da Amazônia (PA)
Articulação Antinuclear Brasileira – Brasil
Associação Alternativa Terrazul (CE)
Associação Cultural Caminho de Vida – ComVida (PA)
Associação Cunhambebe da Ilha Anchieta – Ubatuba (SP)
Associação de Promoção Social e Meio Ambiente da Bacia do Rio da Prata – João Pinheiro (MG)
Associação Ecophalt – Praia Grande (SP)
Associação Ibióca – Embu das Artes (SP)
Associação Mar Brasil (PR)
Associação Mico-Leão-Dourado (RJ)
Associação Mineira de Defesa do Ambiente – AMDA (MG)
Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania (BA)
Associação Park Way Residencial – São Paulo (SP)
Bolsa Amazônia (PA)
Campanha “Billings, Eu te quero Viva” (SP)
Centro de Estudos Ambientais – CEA (RS)
Cidade Verde (DF)
COATI – Centro de Orientação Ambiental Terra Integrada de Jundiaí (SP)
Coletivo de Entidades Ambientalistas do Estado de São Paulo (SP)
Coletivo Educador de Farroupilha (RS)
Coletivo Educador de Taquara (RS)
Coletivo Jovem de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul – CJ (RS)
Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica – RBMA (SP)
Crescente Fértil – Resende (RJ)
Faculdade de Educação – FAED- Universidade de Passo Fundo – UPF (RS)
Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN (RJ)
Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA/UFMA) (MA)
Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Ambiental, Diversidade e Sustentabilidade (GEPEADS/UFRRJ) (RJ)
Grupo de Pesquisa e Ação Direitos de Gaia e Desenvolvimento Ambiental na Amazônia – UFPA (PA)
Grupo de Pesquisa Educação, Estudos Ambientais e Sociedade – (GEEAS/UNIVALI) (SC)
Grupo Ecológico Humanista PAPAMEL – Propágulos Prum Ambiente Ecologicamente Legal – (BA)
Grupo Maricá – Viamão (RS)
H2O Amazônia Ambiental (RO)
Iniciativa Verde (SP)
Instituto Gaia Guria (RS)
Instituto Gondwana – São Sebastião (SP)
Instituto Guaicuy (MG)
Instituto Hóu para a Cidadania (MG)
Instituto Mira-Serra (RS)
Instituto SOS Rio das Contas (BA)
Instituto Teko Porã Amazônia (PA)
IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas (SP)
Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental (RO)
Laboratório de Estudos de Riscos e Desastres – UDESC Florianópolis (SC)
Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais (PR)
MDGV – Movimento em Defesa da Granja Viana – Cotia (SP)
Movimento Resgate Cambui – Campinas (SP)
Núcleo Sócio Ambiental
Oca – Laboratório de Educação e Política Ambiental / ESALQ/USP (SP)
PROAM – Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (SP)
Rede Paraense de Educação Ambiental (PA)
Rede Sul Brasileira de Educação Ambiental — REASul Rede Temática Materiais de EA – REMATEA
Serviço de Tecnologia Alternativa – SERTA
Sociedade Brasileira de Espeleologia – SBE (SP)
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS (PR)
Sociedade Ecológica de Santa Branca – SESBRA (SP)
Sociedade Nordestina de Ecologia – SNE (PE)
Sociedade para Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba – SODEMAP (SP)
Sócios da Natureza (SC)
SOS Amazônia (AC)
Teko Porã Amazônia (PA)

Para assinar, envie e-mail com seu nome e/ou o de sua entidade para Maria Teresa Viana de Freitas Corujo <[email protected]>.

Imagem: bacia formada pelos rios Tapajós, Teles Pires, Juruena e Jamanxim – Foto de Helena Palmquist / Ascom MPF/PA

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