Você vai aumentar o salário dos congressistas. E eles vão te trair. De novo, por Leonardo Sakamoto

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O aumento dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal de R$ 33,8 mil para R$ 39,3 mil mensais, aprovado pelo Congresso Nacional, deve gerar, como sempre, um efeito cascata. Parlamentares já se estão se mexendo para elevar seus salários para o mesmo valor, que é o teto do funcionalismo, como apontou a Folha de S.Paulo deste domingo (5).

O mais irônico é que vão pleitear (e conseguir) um aumento de 16% enquanto analisam (e aprovam) propostas que retiram direitos dos mais pobres. Não são todos, mas são muitos.

Por exemplo, serão R$ 5.500 a mais todos os meses para tentar aprovar o projeto que amplia a terceirização e legaliza a contratação de prestadoras de serviços para executarem atividades para as quais outras empresas foram constituídas (atividades-fim) e não apenas serviços secundários, como é hoje. É a “pejotização” da sociedade.

E também para tentar aprovar outro projeto permitindo que convenções e acordos coletivos de trabalho negociados entre patrões e empregados prevaleçam sobre a legislação trabalhista, mesmo que isso signifique perdas aos trabalhadores.

A aprovação desses projetos, que contam com grandes chances no Congresso Nacional, junto com a tentativa de reduzir a idade mínima para aposentadoria para 65 anos sem que seja realizado um debate extenso e democrático, poderá levar a um comprometimento significativo dos direitos trabalhistas no Brasil, com perda de massa salarial e de segurança para o trabalhador e pensionistas.

Situações que hoje oprimem certas categorias podem ser universalizadas e o Judiciário não terá condições de processar e julgar todas as ações trabalhistas. No limite, poderemos ter novos protestos sociais, quando milhões de trabalhadores perceberem que perderam salários e garantias e nem mesmo podem reclamar com o patrão.

Isso sem contar que o Plano Temer para a economia inclui a aprovação pelo Congresso Nacional de uma proposta de emenda constitucional para limitar o crescimento dos gastos com educação e saúde à inflação. Se com os recursos de hoje a qualidade do serviço público segue insuficiente para a garantia da dignidade da população mais pobre, imagine quando investimentos forem cortados. Será um salto no sentido de cristalizar o desrespeito aos direitos fundamentais.

E sem esquecer que a própria política de valorização do salário mínimo nacional (um cálculo que considera a inflação e a variação do PIB) está na mira da equipe econômica do governo e, ao que tudo indica, deverá ser analisado pelo Congresso. Há propostas para que os pensionistas que recebam o mínimo passem a ganhar um aumento menor do que os trabalhadora da ativa.

O salário mínimo mensal necessário para manter dois adultos e duas crianças deveria ser de R$ 3.716,77 – em valores de abril de 2016 (última previsão disponível). O cálculo é feito, mês a mês desde 1994, pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos). Hoje, o mínimo é de 880 jujubas.

Para tanto, considera o que prevê a Constituição, ou seja: “salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Mas como todos sabemos, infelizmente o belo artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federativa do Brasil, que trata dessa questão, é uma piada mais engraçada do que aquela do papagaio gaúcho que passava trote em Macapá.

Apenas para efeito de comparação, um deputado federal ou senador recebe, hoje, 38,4 salários mínimos/mês, fora as ajudas de custo para o seu trabalho. Passará a ganhar 44,7 salários/mês.

Você pode dizer que este texto é pura demagogia porque os cortes na educação e saúde, por exemplo, não seriam compensados por um não-aumento de deputados e senadores. Claro que não. Mas o fato da base do governo interino no Congresso Nacional nem discutir que o sacrifício para a saída da crise deva ser maior entre os mais ricos do que entre os mais pobres diz muito sobre para quem eles trabalham. Certamente não é o povão de onde vem o grosso do seu salário – excluindo Caixa 2 e propinas, claro.

Pode ser. Mas a deles é maior. O fato é que a elite política segue desfilando nua. No máximo veste um tapa-sexo com os dizeres: “Foi você que me colocou aqui”.

E aí, tem gente que reclama, tem gente que comemora e tem gente que pede uma salva de palmas ao Congresso – como o presidente interino Michel Temer, comemorando a aprovação de uma pauta de gastos extras no valor de R$ 58 bilhões até 2019.

O triste é que, no final, o grande tema de debate nacional não seja esse, mas quem matou quem na novela das 21h.

 

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