Gustavo Sumares – Olhar Digital
Em 16 de abril de 2010, David Bispo estava desempregado. Desde criança, ele trabalhou fazendo carretos e como pescador, mas naquele momento decidiu arriscar abrir seu próprio negócio. Em 2016, o “Bar do David” no Morro do Chapéu Mangueira, resultado de sua decisão naquele momento, está disputando a etapa nacional do concurso Comida di Buteco. Ele chegou a essa ponto graças à excelência de sua comida e atendimento, mas também com uma ajudinha do Google.
A empresa lançou em 2014 o projeto Tá no Mapa, cujo principal objetivo era disponibilizar os traçados das ruas e vielas das comunidades cariocas na plataforma do Google Maps. Além de colocar as ruas na internet, o projeto também busca oferecer informações sobre os comércios e serviços disponíveis nas comunidades – tais como o Bar do David. 26 favelas já foram inseridas no Maps graças a esse projeto.
Ser “colocado no mapa” ajudou o estabelecimento a ter uma projeção considerável. O proprietário diz já ter recebido jornalistas e críticos gastronômicos de algumas das principais publicações do mundo, como New York Times, Al Jazeera, the Guardian e Lê Monde. “Eu tenho uma birosquinha na favela que hoje é conhecida no mundo inteiro”, conta David.
O projeto
Segundo Luiz Guilherme Brandão, gerente do “Tá no Mapa”, a iniciativa do projeto veio da ONG Afroreggae, que busca afastar da criminalidade os jovens que moram nas favelas. A ONG já tinha a ideia de mapear as comunidades há algum tempo, mas não tinha a tecnologia para levar a cabo suas intenções. A parceria com o Google, porém, tornou isso possível.
O Google oferece oficinas aos jovens das comunidades para formar “cartógrafos digitais”. Nessas oficinas, os jovens aprendem a usar as ferramentas de edição de mapas do Google Maps para mapear suas comunidades. Qualquer pessoa pode usá-las para mapear seu bairro, mesmo em modo offline; nesse caso, as alterações feitas pelo usuário são sincronizadas na próxima vez que ele se conecta a uma rede Wi-Fi. Desde o início da oficina até o final do mapeamento, o trabalho leva cerca de 12 semanas, segundo a empresa, e os jovens recebem uma remuneração por esse trabalho.
Uma vez colocadas as ruas no mapa, os jovens também ajudam a inserir os negócios locais na plataforma. Eles colocam sua localização, bem como informações básicas (horário de funcionamento, faixa de preço, etc). Ao todo, Luis Guilherme diz que mais de 3000 estabelecimentos já foram cadastrados nas comunidades dessa maneira.
Barreira tecnológica
Antes de serem mapeadas, as comunidades cariocas aparecem no Google Maps apenas como um grande vazio. Segundo Luiz, essa é uma representação particularmente triste da barreira tecnológica que ainda separa as favelas do resto da cidade. “Se você tenta entrar numa favela usando o Street View, você não consegue porque a gente não tem essas imagens. O aplicativo meio que te ‘empurra’ pra fora. Isso acaba segregando aquele lugar no plano da tecnologia, e a gente quer mudar isso”, diz. “Antes do Tá no Mapa, o Maps tinha até Fernando de Noronha, mas não tinha as favelas do Rio”, completa.
O mapeamento permite que os negócios das comunidades se tornem mais acessíveis para pessoas de fora: estar no Maps permite que eles sejam encontrados e localizados, por exemplo, por alguém que busque restaurantes de determinado tipo e faixa de preço. Segundo David, um vizinho dele que aluga quartos também começou a ser mais procurado quando pode usar o Bar do David como referência para potenciais clientes.
Além disso, o atendimento de serviços da prefeitura que usam a plataforma do Maps também são beneficiados. As ambulâncias do SAMU, por exemplo, usam o Waze para traçar suas rotas – e o Waze puxa seus dados do Google Maps. Quando as comunidades não estão mapeadas, é muito fácil que elas se percam no caminho a um atendimento. “Estar no mapa”, portanto, pode acabar salvando vidas.
Outra vantagem desse mapeamento é que, como ele é feito por moradores da região, as ruas são inseridas no Maps com os nomes pelos quais são conhecidas pela população local. Isso significa que o Maps não usa o nome registrado no catálogo da prefeitura – que muitas vezes sequer considera algumas das comunidades. Por outro lado, como o Maps é usado como plataforma para serviços da prefeitura, isso também significa que, eventualmente, o poder público terá que legitimar esses nomes.
O objetivo do Google é mapear 10% das mais de 300 comunidades da cidade até o fim do ano. A empresa priorizou as com maior número de moradores no projeto, e por isso as favelas da Rocinha e do Vidigal foram as primeiras. Em seguida, o projeto contemplou as comunidades da zona Sul da cidade, e seguirá agora para as regiões da Barra e da Deodoro.
Obstáculos
Mas segundo Luis, chegar até às comunidades não é tão simples assim. Em algumas comunidades, agentes do crime organizado que têm poder na região não vêem muita vantagem em ter suas cercanias mapeadas, facilmente visíveis e amplamente acessíveis.
A mediação entre o Google é as comunidades é feita pelo Afroreggae. A ONG dialoga com as instâncias de poder das regiões – como as associações de moradores e, eventualmente, com poderes paralelos – para negociar a entrada da empresa. Nas palavras de Luis, a empresa “faz uma medição de temperatura” antes de entrar em qualquer lugar.
O processo é lento e nem sempre exitoso: segundo Luis, a empresa até agora não conseguiu entrar na comunidade da Providência, pois toda vez que a associação de moradores dá seu aval, algo acontece que compromete a segurança do projeto. O Google, no entanto, afirma colocar a segurança do projeto como primeira prioridade, e só entra em locais nos quais se sente completamente seguro.
Por esse motivo, a presença das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadoras) acaba sendo outro fator que a empresa leva em conta na hora de escolher a qual comunidade levar o projeto em seguida. A favela do Chapéu Mangueira, onde está o Bar do David, por exemplo, já foi “pacificada”. Apesar dessa dificuldade, Luiz acredita que até o fim do ano o Maps deve receber mais cerca de 1000 outros negócios mapeados por moradores das comunidades.
Futuro
Por conta das olimpíadas, o foco do Google agora é o Rio de Janeiro. Em seguida, eles pretendem expandir o projeto para outras cidades, travando parcerias com outras ONGs. O próximo objetivo é seguir para as comunidades da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Além de mapear mais comunidades, o Tá no Mapa também pretende agregar mais dados sobre as comunidades já mapeadas. Isso significa inserí-las também no Google Street View, para que elas possam ser visitadas virtualmente por qualquer pessoa com uma conexão com a internet. Atingir esse objetivo é de interesse do Google: oferecer imagens do Street View, segundo Luis, aumenta o tempo que os usuários ficam no site.
Por outro lado, Luis reconhece que o ganho que o Street View oferece aos negócios é relativamente pequeno se comparado à vantagem imensa que é estar no Maps. E se a negociação com as instâncias de poder paralelo de algumas comunidades já é complicada com relação ao mapeamento das regiões, ela deve ser ainda mais difícil na hora de colocar na internet imagens dos locais.
Além de ganhar o Comida Di Buteco, outra ambição de David Bispo é trazer o atleta Usain Bolt para o morro do Chapéu Mangueira. “Ele é um atleta que tá muito próximo da nossa realidade, porque na favela as crianças já nascem correndo e esse é um esporte que a gente já tem condição de praticar”, diz. David acredita que a presença de Bolt poderia inspirar os jovens a buscar um futuro melhor para si.
David também vê alguns problemas na plataforma do Maps: ele diz que o aplicativo vive jogando seu bar para o alto de um morro próximo, levando as pessoas interessadas ao lugar errado. E por mais que ele corrija a localização de seu estabelecimento, o problema é recorrente. Mas o aumento de movimento que a inserção no Maps trouxe ao seu negócio faz o esforço valer a pena.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Carlos Rosalba.