O teatro e o oportunismo de Gilmar Mendes, por Jean Wyllys

Na Página de Jean Wyllys

A reação intempestiva do ministro do STF Gilmar Mendes aos abusos praticados pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro e pelo procurador Deltan Dallagnol na condução da Lava Jato mostra que, melhores que as lições da história, são os usos que o teatro e a literatura fazem delas.

Vejamos!

Inspirado em fatos reais e históricos ocorridos em Massachussets, EUA, no final do século XVII, o dramaturgo Arthur Miller escreveu, em 1953, a peça “As bruxas de Salem” (“The Crucible”, no original), que trata da maneira oportunista, interesseira, insensível e irresponsável com que autoridades judiciárias (numa época em que fazer justiça cabia às autoridades religiosas) aceitaram a demonização, desumanização, delação e execução de pessoas inocentes da então pacata Salem a partir apenas dos relatos histéricos de um grupo de garotas que, flagrado em travessuras sexuais sob a batuta de uma escrava, disse que estava sob possessão demoníaca; e, a partir daí, passou a acusar diferentes pessoas da cidade de terem lhes enviado os demônios.

Ignorante e crédula, a maioria da cidade se deixa seduzir pelas histórias das garotas. O medo, a desconfiança e o ódio começam a se espelhar por Salem como um vírus. Parte da cidade teme as garotas, a outra parte as trata como heroínas. Os delatados por sua operação começam a ser presos e torturados. Muitos, para escapar do sofrimento, mas também por vingança e ressentimento, delatam vizinhos, colegas e antigos desafetos. Pais, parentes e autoridades políticas passam a manipular as possessões das garotas de acordo com seus interesses por terra e gado. As penas de prisão, suplício e enforcamento começam a se multiplicar em Salem – a essa altura já deteriorada pelo medo, ódio e pelas mentiras – até que, Abigail Williams, a líder do grupo de garotas, decide acusar o… juiz!

O juiz, então, diz mais ou menos assim: “Não, minha filha! Ou você está enganada ou as vozes demoníacas que lhe sopram não existem. Os demônios não podem comandar as ações de um juiz, garota. As torturas, suplícios e denúncias baseadas em seus relatos e delações já foram longe demais! Eu posso pôr limite a isso e vou pôr. E vou até o fundo do seu lamaçal para descobrir sua verdade“.

Abigail Williams foge, deixando pra trás uma Salem destruída por sua operação em nome da moralidade, do combate à corrupção, do apreço à família, a Deus e à propriedade.

Arthur Miller escreveu essa peça como metáfora da perseguição e difamação dos comunistas (ou percebidos como tais) promovida, nos 1950, pelo senador republicano Joseph McCarthy. O dramaturgo traçou um paralelo entre a estupidez, credulidade e oportunismo hipócrita que marcaram a caça à bruxas de Salem e a estupidez, credulidade e oportunismo hipócrita que marcavam a caça às novas “bruxas”: os comunistas dos anos 50.

No Brasil de 2015-2016, o ministro Gilmar Mendes aceitou calado e até animado os desmandos, conduções coercitivas desnecessárias, prisões arbitrárias, delações obtidas por métodos nada transparentes, vazamentos ilegais para a imprensa, calúnia alçada à condição de indício, invasões espetaculares de domicílios e desrespeitos ao tempo das garantias jurídicas praticados por Sérgio Moro, Dallagnol e sua Lava Jato enquanto essas práticas nefastas – que disseminaram o medo, a desconfiança e o ódio no corpo da sociedade brasileira – atendiam aos seus interesses, notadamente a destruição do PT e a deposição do governo Dilma. Porém, quando as práticas de Abigail Moro, quer dizer, de Deltan Williams, ou melhor, de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol se voltaram contra o ministro da Suprema Corte, Gilmar Mendes reagiu e disse: “Não, meus filhos! Seus desmandos já foram longe demais!”

ahahahah

Duvidam? Cliquem no link e leiam a matéria do GGN!

Quando eu falava dessas cores mórbidas; quando eu falava desses homens sórdidos; quando eu falava desse temporal, você não me escutou; você não quis acreditar!”

ahahahahaha

Os fatos históricos ocorridos em Salem renderam também um excelente romance cuja leitura eu recomendo muito: “A filha da herege”, de Kathleen Kent.

 

 

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