“A Democracia no Brasil está sendo respeitada? Estamos vivendo um golpe de Estado?”. Estes foram alguns dos questionamentos de Jacques Alfonsin, da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap), aos participantes do seminário Democracia, Direitos Humanos e Acesso à Justiça, realizado nesta quinta-feira (25) na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, no Centro Histórico de Porto Alegre.
No Vermelho
“A Constituição Federal diz que todo o poder emana do povo. Mas se o poder põe em causa a soberania nacional devemos nos perguntar quem está exercendo esse poder. É o povo? Não há legalidade num sistema que não tenha que ser legítimo. Eduardo Cunha era o maior interessado no golpe e foi quem presidiu todas as sessões”, declara Alfonsin, ao se referir ao processo de impeachment de Dilma Rousseff, acrescentando que a presidenta afastada não está sendo impedida, mas sim deposta em um golpe de Estado.
O público do evento foi composto, em sua maioria, por estudantes de cursos de Direito que também refletiu sobre os efeitos que uma possível mudança de governo, diante a aprovação do impeachment, causaria aos direitos humanos e sociais.
De acordo com Alfonsin, a privatização do Pré-sal e da saúde e as reformas trabalhistas são demonstrações do golpe e da usurpação do poder público, que também atingem a Reforma Agrária. “Os Sem Terra não podem ter melhorias econômicas e sociais, eles têm que ser miseráveis a vida inteira segundo o Tribunal de Contas da União. Este órgão desconsidera o fato de que se os assentados hoje têm algum bem é graças à luta pela terra e organização dos assentamentos. Todas as nossas conquistas correm riscos de serem anuladas”, alerta o advogado.
Para Mariana Py Muniz, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do RS, que também participou do debate, o Brasil vive um momento de criminalização dos movimentos populares dentro do poder judiciário, o qual tem se mostrado elitista e conservador e não conhece a realidade da maioria dos brasileiros.
“As violações dos direitos humanos persistem. Vemos prisões ilegais e abusivas, vemos desaparecimentos forçados. O mais apavorante é que isso acontece dentro de um marco que se diz democrático. A prisão de estudantes e jornalista na Sefaz [Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul] e a repressão à liberdade de expressão nas Olimpíadas são alguns exemplos de violações”, explica Mariana.
Segundo a defensora pública, o poder judiciário é reprodutor de uma violência que já foi enfrentada pela população pelo descrédito e omissão dos demais poderes. “Passamos a ver a politização de direita do judiciário e o desmonte da Constituição Federal”, argumenta.
Já Salete Carollo, dirigente estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), reafirma que há uma crise na justiça e democracia brasileira. A assentada falou da criminalização que o Movimento sofre no país, com a prisão de militantes e enquadramento na lei antiterrorismo, e as dificuldades enfrentadas para manter alguns direitos, como o acesso à educação.
“O judiciário é autoritário, não existe democracia neste poder. A prisão do companheiro Valdir Misnerovicz é a prova de que ser liderança de movimento popular é ser criminoso. A luta pela terra foi criminalizada há muito tempo e ao longo da história houve muita repressão e prisão de Sem Terra. Já travamos muitas batalhas com a justiça e governos aliados à elite e ao capital para mantermos nossas conquistas, como as escolas itinerantes e cursos superiores em Direito, em Goiás, e Medicina Veterinária, aqui no estado”, complementa.
A assentada relatou ainda a luta do MST e das mulheres da Via Campesina por uma nova agricultura, que seja capaz de oferecer alimentos saudáveis, produzidos sem o uso de venenos, para a população do campo e da cidade. “A terra é um sujeito da natureza, é um recurso que tem função política e social”, declara Salete, acrescentando que o desafio do povo é ser revolucionário para defender a dignidade e os seus direitos. “Temos que ser consciência crítica e construir um novo paradigma, sentar com que está contrário a nós e fazer a disputa de ideias. Isso é fazer revolução”, conclui.
Com foco nos movimentos populares, de acordo com o advogado Rodrigo Medeiros, o seminário Democracia, Direitos Humanos e Acesso à Justiça é uma ferramenta de articulação da sociedade para discutir o aperfeiçoamento da Democracia e controle social das instituições do sistema de justiça.
“Essas instituições existem para servir à população. Por uma questão histórica, estruturalmente, o judiciário é o poder que ainda está mais distante da sociedade. Isto é, o reflexo das desigualdades do Brasil que precisam ser superadas. Ademais, o país vive um momento de instabilidade democrática, o que exige destas instituições redobrarem esforços na defesa de direitos e garantias”, completa Medeiros.
O evento se encerra na tarde desta sexta-feira (26) com lançamento do livro Sistema de Justiça: Olhares críticos sobre o Judiciário em 2015, e da campanha Mais Direitos, Mais Democracia.
O Seminário é organizado pelo Fórum da Justiça; JusDH; Rede Nacional de Advogadas/os Populares (Renap); Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB/Porto Alegre); Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (Saju/UFRGS); Acesso-Cidadania e Direitos Humanos; e Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do RS. Ele tem o apoio da Fundação Luterana de Diaconia (FLD); Campanha Mais Direitos, Mais Democracia; Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (FESDEP) e Defensoria Pública da União (DPU).
*Editado por Iris Pacheco