Por Laura Bachmann, no RioOnWatch
Moradores da verde e pacífica favela do Horto no bairro do Jardim Botânico, na Zona Sul do Rio, estão organizando sua resistência em resposta à decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) autorizando ao Jardim Botânico a remover os moradores. Em 10 de agosto, o TCU anunciou que o Jardim Botânico tinha 90 dias para remover a histórica comunidade. Enquanto mais de dois terços do período de 90 dias já se passou, a remoção ainda não começou, pois as partes envolvidas aguardam os resultados das eleições para prefeito para entender melhor se a prefeitura irá apoiar as remoções. O primeiro turno das eleições municipais aconteceu em 2 de outubro, e o segundo turno das eleições para prefeito entre Marcelo Freixo e Marcelo Crivella acontecerá no dia 30 de outubro.
Desde a decisão do TCU, os moradores do Horto, liderados pela Associação de Moradores e Amigos do Horto (AMAHOR), têm organizado protestos, realizado assembleias regularmente para manter os moradores informados e organizados, e se encontrado com o atual presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico (IPJB). Até o momento, apenas uma moradora recebeu ordem de despejo.
Em 13 de outubro, líderes comunitários do Horto reuniram-se com o presidente atual do IPJB, Sérgio Besserman Vianna. Na reunião, o ávido observador de pássaros, economista e ambientalista Sérgio Besserman destacou que na sua qualidade como presidente da IPJB ele não poderia apoiar os esforços de resistência do Horto, e iria trabalhar para fazer cumprir a decisão do TCU. Alguns especulam que isso é por causa do relacionamento de Besserman com Organizações Globo, que se pensa estar por trás da pressão de remoção da comunidade, dado o seu papel como comentarista ambiental na GloboNews.
Em uma assembleia comunitária em 16 de outubro, os líderes comunitários que participaram da reunião com Besserman disseram aos moradores o que tinha acontecido na reunião. De acordo com a declaração da AMAHOR publicada no Facebook: ele “falou que tem histórico e sensibilidade com as questões sociais mas como gestor defende a retomada da área para o IPJB e que não pode enquanto gestor manifestar-se a favor de que a comunidade permaneça nesta área pois seria improbidade administrativa”. Para Emília de Souza, ex-presidente da AMAHOR e uma dos presentes na reunião, a posição inflexível de Besserman contra o Horto significa que “a gente vai ter que redobrar a nossa resistência“.
Ana Apolonia, uma moradora do Horto cuja casa fica ao lado dos edifícios atuais da IPJB, recebeu uma notificação de despejo em 4 de outubro. Em conformidade com o aviso, a remoção deve ocorrer em 6 de novembro. Ana mudou-se para Horto em 1992, quando ela se casou com seu marido, que faleceu no início deste ano. O avô de seu marido, Pedro Occhinoni, trabalhou para o Jardim Botânico e construiu a casa em 1920, com a permissão da instituição. Novamente com a permissão do Jardim, a casa da família foi remodelada na década de 1980.
Hoje, o lote tem três construções, e o aviso de remoção é para o lote inteiro. Ana vive em uma casa com seu filho, enquanto que costumava haver cinco pessoas vivendo lá, três membros da família já faleceram nos últimos três anos. O terreno de Ana fica ao lado do Jardim Botânico, e um muro de seu lote faz fronteira com as paredes de edifícios destinados à pesquisa no outro lado. Sua proximidade com os centros de pesquisa existentes faz com que ela seja o primeiro alvo para remoção. No entanto, os moradores estão cientes, com base em numerosos casos anteriores em favelas do Rio nos últimos anos, que um único despejo pode estabelecer um precedente que compromete toda uma comunidade.
Em conformidade com a decisão de 10 de agosto do TCU, o aviso de remoção prevê que Ana e seu filho não receberão nenhuma indenização pela sua casa –nem dinheiro, nem uma casa diferente ou apartamento, apesar da sua longa história lá e direitos estabelecidos. O aviso de despejo “reconhece como indevida a ocupação do bem público“, enquanto moradores como Ana nem sequer se vêem como ocupantes em primeiro lugar, uma vez que têm estado lá há décadas e com permissão. Com base na alegada ocupação indevida, o aviso “afasta o direito a indenização“.
Ana e seu filho não estão de acordo com a situação: “Acho uma injustiça porque essa casa tem mais de 100 anos e não estou fazendo nada a ninguém aqui“, disse Ana. Seu filho enfatizou a injustiça ao contrastar a nova decisão de 10 de agosto do TCU com as políticas do passado: “Até antes de agosto deste ano, o processo para as casas, de acordo com a Justiça, era tal que se eles tivessem que tirar a pessoa, eles indenizavam, davam dinheiro… Só que em agosto deste ano, eles conseguiram reverter isso na Justiça, e agora eles não vão dar praticamente nada às pessoas”.
AMAHOR está se organizando para resistir à remoção, oferecendo assistência jurídica e registrando os moradores das áreas em disputa, para lhes dar apoio jurídico completo. As famílias que vivem nas áreas Vila São Jorge e Caxinguelê da comunidade já foram registrados e hoje, sábado 22 de outubro, as famílias nas áreas Margaridas e Grotão estão sendo registradas. Na sequência deste registro, a AMAHOR sediará sessões dando aos moradores aconselhamento jurídico para resistir ao processo de despejo nos tribunais.