Eu adoro essas comparações que o governo federal está veiculando, entre o orçamento do país e o de uma residência.
Isso é um incentivo à democracia. Porque prova que qualquer um, absolutamente qualquer um, pode ser Presidente da República, ministro da Fazenda ou responsável por uma campanha de comunicação do poder público.
A ideia do governo foi mostrar que é necessário e urgente a aprovação de um teto para limitar o crescimento dos gastos públicos, representado pela Proposta de Emenda Constitucional 241. E que tanto um Estado quanto uma família não podem gastar mais do que recebem. E, infelizmente, quando isso acontece, um redimensionamento de gastos deve ser feito.
Mas o governo esconde da comparação a realidade do cenário, principalmente no que diz respeito aos sacrifícios de cada um dessa família. Vamos aos fatos:
A família realmente está cagada e o orçamento vai de mal a pior.
O governo, que é o chefe da família, não está conseguindo mais ganhar o suficiente para manter a todos e decide restringir o orçamento por 20 anos.
A medida mais importante é cortar os investimentos na educação do filho do meio, que, agora, só vai para a faculdade se suar para passar em uma pública. E reduziu-se a frequência de ida ao dentista do caçula de uma vez por ano para uma a cada três. Se os dentes ficarem cariados, paciência, arranca – que é até mais barato que obturar e fazer uma restauração.
Contudo, o filho mais velho, que mora na mesma casa, foi mimado pelos avós, contou com as melhores condições para se educar e ganha muito bem, é poupado pelo chefe da família de ter que contribuir com a situação. Enquanto o cinto dos filhos menores e mais vulneráveis é apertado, este outro, mais velho, vai continuar trocando de carro todo ano, dando joias caras de presente e bebendo apenas água que escorreu do Himalaia flavorizada com hálito de cabrito montanhês da Escócia.
O problema é que o chefe dessa família também toma dinheiro emprestado de um agiota a juros escorchantes e nunca pediu uma checagem para verificar se a dívida tá correta ou não. Tem medo do que o agiota vá pensar e de ficar mal falado na praça.
Alias, o filho mais velho, de tempos em tempos, pede um dinheiro para o chefe da família para subsidiar seus negócios. Os juros? De pai e mãe.
Todo o esforço de economia feita em casa não vai para comprar uma nova roupa para a molecada que já usa os mesmos trapos há anos, muito menos fazer um bolinho de aniversário para o caçula que nunca ouviu um mísero ”parabéns a você”.
Para o que nunca falta recursos, porém, é a garantia de que o chefe da casa (Poder Executivo) possa estar sempre impecável e morar em bons palácios, comendo do bom e do melhor. Ou mesmo que os tios e tias (Legislativo e Judiciário) viajem todos os anos para tirar férias em um excelente lugar.
De vez em quando, a parte dos filhos que se estrepa nessa percebe que, na época de vacas gordas, os outros se dão muito melhor que eles e, na época de vacas magras, só eles se dão mal.
Daí, resolvem reclamar e, por isso, tomam bronca e são chamados de ingratos, burros e mal-agradecidos. Até de comunistas.
Afinal de contas, são muito inocentes para entender como as coisas funcionam. E precisam de campanhas publicitárias, pagas com seu próprio dinheiro, para aprender isso.
Na vida real, nenhuma família – com exceção das muito doidas – viveriam assim. Mas o governo vive.
Não se explica macroeconomia com exemplos de economia doméstica. E nem é porque um país emite títulos de dívida pública e dinheiro e uma família não.
Mas, se for explicar, tome como exemplo um chefe de família que se importe mais com a dignidade dos seus filhos do que com a felicidade do gerente do banco…