Nota Técnica da AJD sobre a terceirização a ser apreciada pelo STF no RE 958.252

A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem apresentar a presente NOTA TÉCNICA, manifestando sua posição diante do iminente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário nº 958.252 que questiona a limitação da terceirização apenas nas chamadas atividades-meio, nos seguintes termos:

1.A terceirização caracteriza-se pela permissão da introdução de um atravessador na relação entre capital e trabalho, criando uma falsa ideia de relação trilateral distinta do modelo clássico da relação de emprego. A terceirização quebra a noção de relação de trabalho, que tanto a Constituição Federal quanto a CLT albergam e que qualificam como uma relação entre dois sujeitos: empregado e empregador. No âmbito das relações de trabalho no Brasil essa compreensão vem muito bem definida pelos artigos segundo e terceiro da CLT. A existência de uma figura interposta entre trabalhador e tomador de serviços aprofunda a subsunção do primeiro ao capital, na medida em que a responsabilidade do empregador pelos riscos da sua atividade económica é transferida e anulada.

2. Evidencia-se que não há autorização legal que permita a prática da terceirização no Brasil, à exceção do contrato de trabalho temporário (Lei nº 6.019/1974) e de serviços de vigilância (Lei nº 7.102/1983). Por essa razão, o Tribunal Superior do Trabalho lançou o enunciado nº 256 considerando ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços, salvo nas hipóteses legais acima mencionadas. O enunciado foi revisto em 1993 e, depois, em 2000 com a aprovação da Súmula nº 331 que, na prática, ampliou as hipóteses de terceirização para as “atividades-meio” da empresa, desde não haja subordinação direta ao tomador de serviços.

3. O fenômeno da terceirização gera efeitos perversos não apenas para o trabalhador, mas para a própria comunidade. Segundo dados do Dieese, os trabalhadores terceirizados recebem salário 24,7% menor do que o dos empregados diretos, trabalham 7,5% a mais (três horas semanais) e ainda ficam menos da metade do tempo no emprego. Os terceirizados raramente conseguem gozar férias anuais e sequer receber as verbas rescisórias ao término do contrato de trabalho visto que, em regra, as empresas tercerizadas não têm idoneidade econômica. Também estão mais propensos a doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. De acordo com dados levantados pela CUT e pelo Dieese, de dez acidentes de trabalho no Brasil, oito acontecem, em média, com funcionários terceirizados. Em relação aos trabalhadores resgatados em condições análogas à de escravo, estatísticas do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) mostram que em 82% dos casos referem-se a trabalhadores tercerizados.

4. É preciso reconhecer que a Súmula nº 331 do TST, em que pese tenha ampliado de forma indevida as hipóteses de terceirização, ainda representa uma forma de impedir a precarização total com a proibição da terceirização irrestrita nas chamadas “atividades-fim” das empresas. Negar por completo esse requisito, afastando sua eficácia regulatória, implicaria em retrocesso histórico no âmbito das relações trabalhistas.

5. A prática da terceirização irrestrita também causaria outros efeitos deletérios promovendo uma divisão mais acentuada entre trabalhadores contratados diretamente e terceirizados. O Direito do Trabalho e, portanto, as relações trabalhistas, foram construídas no tempo pela organização e resistência. Pulverizando os trabalhadores através da terceirização da “atividade-fim”, atrelando cada setor da fábrica a uma empresa prestadora diferente, o capital conseguiria aniquilar essa “sensação de pertencimento” a uma mesma classe de trabalhadores, promovendo a concorrência interna e, com isso, eliminando qualquer possibilidade de resistência coletiva organizada.

6. A função do Estado, e do STF em particular, é zelar pelo cumprimento da Constituição Federal, conferindo existência real ao  projeto social ali contido, especialmente o objetivo de reduzir as desigualdades sociais, elevando os princípios do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana. Nessa medida, a decisão de chancelar a terceirização irrestrita, nos moldes do PL 4330/PLC 30, no âmbito público ou privado, precarizando as relações de trabalho, revela-se completamente oposta ao projeto de sociedade insculpido na Constituição Federal e avessa à função democrática que o Estado deve desempenhar.

7. Por tudo isso, a Associação Juízes para a Democracia (AJD), no exercício da liberdade de associação consagrado constitucionalmente (art. 5º, XVII),  reafirma ser contrária à terceirização em qualquer atividade empresarial, clamando para que o STF exerça a sua função de guardião da Constituição Federal e julgue a questão nos estritos termos da legislação trabalhista e atendendo aos princípios constitucionais do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana, de modo a não permitir retrocessos.

 São Paulo, 7 de novembro de 2016.

 A Associação Juízes para a Democracia

 

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