A divulgação feita pela Aanvisa não retrata a gravidade do problema, segundo o FGCIA
O Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FGCIA) – com a participação do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul (MPF/RS), do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público do Estado – lançou nota sobre o relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA/2013-2015), divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no último dia 25 de novembro.
A nota reconhece a importância do PARA mas critica o especial destaque que foi dado ao indicador de risco agudo de intoxicação (1,1% das amostras), induzindo a opinião pública à percepção da inexistência de risco relevante na exposição a agrotóxicos pela alimentação. O documento do Fórum salienta que o risco de intoxicação aguda não é aceitável, e deve ser considerado grave, mas que a população também está exposta ao impacto da ingestão de alimentos contaminados por agrotóxicos de forma continuada, e que 19,7% das amostras avaliadas estavam irregulares.
A procuradora da República Ana Paula Carvalho de Medeiros ressalta que a grande maioria dos modelos de avaliação de risco e estudos usados para calcular a ingestão diária aceitável servem apenas para analisar a exposição a um princípio ativo, enquanto no mundo real as pessoas estão expostas a misturas de produtos cujos efeitos sinérgicos são desconhecidos, e salienta que não foi avaliada a presença de agrotóxicos muito utilizados no país, como o 2,4D e o glifosato.
Confira a nota na íntegra:
“NOTA DO FÓRUM GAÚCHO DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS SOBRE O RELATÓRIO DO PROGRAMA DE ANÁLISE DE RESÍDUOS DE AGROTÓXICOS EM ALIMENTOS (PARA/2013-2015) DIVULGADO PELA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA — ANVISA
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) cumpre um papel importante, oferecendo à população acesso à informação sobre a presença de resíduos de agrotóxicos nos alimentos que chegam à mesa. Em 2010, por exemplo, soubemos pelo PARA que em 37% dos alimentos não foram encontrados resíduos de agrotóxicos. Esse número caiu para 22% em 2011, e depois voltou a 35% e 37% nas duas edições de 2012.
Com relação ao Relatório 2013-1015, o que chama atenção é a forma de apresentação dos dados, dando especial destaque ao indicador de risco agudo de intoxicação, o que não condiz com a realidade, na medida em que o mais importante quando avaliamos impactos à saúde da população que ingere estes resíduos nos alimentos diz respeito aos efeitos crônicos. Qual o impacto de ingerirmos alimentos contaminados de forma continuada?
Normalmente os efeitos agudos são raros e discretos, podendo incluir náuseas, diarreia e cefaleia até quadros mais graves, como o caso de um menino que foi a óbito após comer couve com grandes quantidades de acefato (caso investigado pelo Ministério da Saúde). Portanto, pensar que em 1,1% das amostras analisadas (conforme consta no relatório) podemos correr o risco de intoxicação aguda não pode ser considerado um risco aceitável e, sim, deve ser considerado um risco grave.
Estudos têm demonstrado que a exposição crônica aos agrotóxicos está associada a efeitos como desregulação endócrina (alteração de fertilidade, puberdade precoce, alterações hormonais), neurotoxicidade (depressão, neuropatias periféricas, Parkinson), teratogenicidade, hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, alergias, câncer etc.
Além disso, existem muitas lacunas de conhecimento quando se trata de avaliar a exposição múltipla a agrotóxicos. A grande maioria dos modelos de avaliação de risco e estudos toxicológicos que são usados como base para os cálculos dos valores das IDAs (Ingestão FÓRUM GAÚCHO DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS Diária Aceitável) servem apenas para analisar a exposição a um princípio ativo individualmente, enquanto que no mundo real as populações estão expostas a misturas de produtos tóxicos cujos efeitos sinérgicos são desconhecidos.
Ainda, a incerteza torna-se maior quando verificamos que grande parte das irregularidades apontadas nas análises dos alimentos referem-se ao uso de agrotóxicos não autorizados para a cultura, os quais não são considerados para avaliação do impacto na IDA.
Também precisamos considerar que não somos expostos apenas aos resíduos de agrotóxicos nos alimentos, mas também provenientes de outras fontes, como inseticidas domésticos, deriva de pulverização aérea e terrestre, resíduos na água e solos contaminados.
Entendemos que a forma de divulgação dos dados do relatório, dando especial destaque ao indicador de risco agudo de intoxicação, induz a opinião pública à percepção da inexistência de risco relevante na exposição dietética a agrotóxicos. Contudo, analisando o relatório verifica-se que 19,7% de amostras estavam irregulares, 38,3% com resíduos dentro do LMR e 42% sem resíduos detectados, dentro do escopo de ingredientes analisados (foram analisados até 232 Ingredientes Ativos – IA de um universo de mais de 400 IA registrados).
Outro ponto frágil que merece destaque no relatório é que não contempla Ingredientes Ativos de grande consumo, como o 2,4-D e o glifosato, não permitindo assim a conclusão anunciada de que 99% dos alimentos analisados não apresentam perigo à saúde humana.
Por que somente para 2017 é apontada a necessidade de realizar análises de glifosato — considerado pelo IARC/OMS como provável cancerígeno — nos alimentos, se desde 2013 é de conhecimento público que este é o agrotóxico mais usado no país?
Além disso, o universo de amostras em relação ao número de IA pesquisados por cultura nos anos de 2013 a 2015 não é padronizado, impedindo uma análise estatística adequada dos dados e, por conseguinte, conclusões seguras sobre os mesmos.
Outra informação divulgada de que a lavagem de alimentos e/ou a retirada da casca pode ser uma solução para retirada de resíduos transmite a falsa ideia de proteção, pois quase a totalidade dos agrotóxicos possui ação sistêmica, não se limitando à superfície dos vegetais.
Considerando que o Brasil que é um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, com milhares de intoxicações, centenas de mortes e contaminações ambientais, é imprescindível que o PARA tenha continuidade e seja aprimorado, e que os resultados sejam divulgados em tempo oportuno para a tomada de decisão e planejamento. Destaca-se também a necessidade de reavaliação da forma de comunicação do risco, a fim de que a ANVISA cumpra seu papel institucional de promoção e proteção da saúde da população.”