Seca histórica dá “cara de sertão” à zona da mata e ao litoral no Nordeste

Por Carlos Madeiro, no UOL

Quando Antônio Conselheiro bradava, no final do século 19, na Bahia, que “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”, ele não podia imaginar que a severa estiagem no Nordeste no século 21 colocaria a seca e o mar lado a lado.

A seca que atinge a região há cinco anos é considerada a maior em pelo menos 106 anos de medições e trouxe uma nova característica: a falta de chuvas nas regiões de zona de mata e até no litoral nordestino.

Segundo um mapa da vegetação feito por satélite pelo Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites), da Universidade Federal de Alagoas, a área atingida pela seca cresceu ao longo dos anos e encostou no mar. Em comparação a anos anteriores, é possível ver como o estrago aumentou ao longo de 2016.

União dos Palmares, na zona da mata alagoana, é marcada por chuvas intensas, mas o cenário mais lembra o sertão. Apesar de ficar a apenas 60 km do litoral, a cidade enfrenta uma estiagem neste ano que mudou a cara da vegetação. Mesmo o rio Mundaú –que em 2010 foi responsável por destruir moradias na maior inundação da história da cidade– parou de correr e, praticamente seco, tem apenas bolsões de água acumulada.

“Nasci e vivo aqui há 72 anos. Nunca vi o rio numa situação dessa. Já vi ele ficar mais cheio, mais seco algumas vezes, mas agora tá muito pior. Não corre mais água e até pescar hoje é difícil. Meus animais não morreram porque Deus é pai, porque capim para eles comerem secou”, conta Antônio Alves, 72, aposentado e criador de gado às margens do rio.

Para alimentar as vacas que possui, ele pega cana de uma plantação próxima. Mesmo assim, os animais de seu Antônio estão magros. “Quem diria que depois daquilo de 2010 iríamos ver isso agora. Na época eu perdi as 15 casinhas que tinha aqui próximo. A água levou todas. Agora, nem água para abastecer a cidade mais tem”, diz.

A situação em União dos Palmares é a mesma de várias outras cidades próximas ao litoral. Segundo o coordenador do Lapis, o meteorologista e professor Humberto Barbosa, as características e a área da seca atual são maiores que todas já acompanhadas pela ciência até hoje.

“A seca também tem afetado a região litorânea do Nordeste, mas com menos intensidade do que o semiárido nordestino. Todavia, a imagem de satélite mostra que a seca está cobrindo quase todo o Nordeste”, explica.

Segundo o mapa, com exceção da Bahia e do Maranhão, praticamente toda a zona da mata e o litoral dos Estados sofrem com danos à vegetação. “Dentre os efeitos desta seca que já se prolonga pelo sexto ano na região, estão as expressivas mudanças na cobertura dos solos, como erosão superficial, ausência de vegetação, baixa fertilidade e, consequentemente, a intensificação da desertificação”, explica.

Seca histórica

Dados da Funceme (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos) apontam que desde 1910 –quando os números começaram a ser registrados– nunca houve cinco anos com pouca chuva como a sequência entre 2012 e 2016. A maior seca havia sido registrada entre 1979 e 1983, mas a chuva no quinquênio que se encerra neste ano está apenas 10% menor.

Meteorologista da Funceme, Raul Fritz afirma que “nada escapou” à severa estiagem nesta década. “A seca sai do semiárido e está alcançando praticamente o mar. Isso nunca tinha ocorrido antes. A seca sempre atinge, de certa forma, a região próxima ao litoral, mas nunca no grau que dessa vez aconteceu”, conta.

Segundo ele, as características dessa região sempre a fizeram passar mais imune às secas. “O litoral geralmente é menos atingido porque ele tem brisa, mais umidade que vem do mar. Mas, desta vez, todo o litoral cearense foi afetado”, revela.

No Ceará, por exemplo, os reservatórios da zona da mata estão com cotas muito abaixo da média. Os dois grandes açudes de Pacoti e Pacajus, no litoral leste do Estado, por exemplo, estão com apenas 10% da capacidade. A região metropolitana de Fortaleza também foi afetada em seu abastecimento urbano por conta da seca do açude do Castanhão.

Ainda sem previsão para 2017

Segundo Fritz, a perspectiva para 2017 ainda é uma incógnita. “Nós não temos ainda elementos científicos para assegurar que vai chover acima da média. Temos que esperar janeiro para fazer um primeiro prognóstico, quando temos um quadro atmosférico e oceanográfico mais claro”, explica.

A possibilidade otimista aponta para chuvas no primeiro trimestre. “Estamos no período de pré-estação chuvosa, entre dezembro e janeiro. Normalmente, as chuvas vêm no volume maior em fevereiro e março. Eventualmente, em um ano ou outro temos um janeiro mais chuvoso, como foi 2016 aqui no Ceará, mas que não foi suficiente para encher os reservatórios que sofreram esses anos todos”, completa Fritz.

O professor Humberto Barbosa, porém, diz que as mudanças climáticas estabelecidas apontam para dificuldades futuras para a região. “Projeções de impactos decorrentes da mudança do clima indicam que a seca se tornará mais frequente e intensa no semiárido brasileiro, agravando os problemas já existentes e ampliando a vulnerabilidade da população”, define.

Maiores secas no Ceará desde 1910:

Anos – Média anual de chuvas
1951-1955 – 608 mm³
1979-1983 – 566 mm³
2012-2016* – 516 mm³

* Dados até o final de novembro de 2016

Cenário de pastagem em União dos Palmares (AL), no litoral, mais lembra o sertão. Foto: Beto Macário /UOL

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

Comments (1)

  1. COM ESSE TIPO DE GOVERNO COM CERTEZA SE O POVO NÃO SE UNIR, TEREMOS MUITAS MORTES DE CRIANÇAS, IDOSO E TAMBÉM ANIMAIS;

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