Por Paulo de Tássio Borges da Silva* para Combate Racismo Ambiental
Neste final de ano (2016) estive como de costume com os Pataxó para visitar amigos (as) e festejar a passagem do ano. Três fatos me chamaram atenção nesta visita/etnografia e estarei aqui partilhando.
Quando a conquista de um jovem se torna a conquista de um Povo
O primeiro fato foi compartilhar a alegria dos Pataxó pela graduação em medicina de Zig Pataxó. A graduação de Zig num dos cursos mas elitistas do Brasil trouxe orgulho, alegria e esperança a um povo que tem sua saúde tratada ainda de maneira precária pelas políticas públicas. Zig Pataxó é a promessa de que o cenário da saúde indígena pode melhorar, bem como a esperança de centenas de jovens Pataxó que desejam cursar o Ensino Superior.
O etnoturismo como prática pedagógica de resistência
O segundo fato que me chamou atenção foi o agenciamento das famílias Pataxó em utilizar práticas do etnoturismo na geração de renda, prática recente para os Pataxó de Cumuruxatiba. Famílias Pataxó da Aldeia Tibá, por exemplo, contam com o serviço de visitação às segundas, terças e sextas-feiras em sua aldeia, com palestra sobre a luta da comunidade, trilha ecológica, ritual do Awê, pintura corporal, venda de artesanatos no kijeme de Zabelê, culminando com o tradicional mãgute Pataxó (almoço). As famílias Pataxó têm aproveitado a beleza e o cuidado de sua aldeia para divulgar sua cultura, colaborando com a discussão da Lei 11.645/2008, trazendo a contribuição do seu Povo na construção da população nacional e regional, diminuindo assim as representações negativas sobre os mesmos na região, sendo o trabalho com o etnoturismo também uma estratégia de afirmação indenitária e luta pelo território.
A glamourização e gentrificação do Território de Comexatibá
O terceiro fato que me deparei neste encontro com os Pataxó e que chamo atenção aqui, não tão festivo como os pontos tratados acima, é a ameaça do seu território com uma reintegração de posse expedida em 23 de novembro de 2016, bem como a especulação pela indústria do entretenimento que este ano descobriu a região como nicho de exploração. A primeira coisa que ouvi ao chegar em Cumuruxatiba foi Jandaia dizer que em Cumuru estava tendo “raves” e que muitas comunidades estavam reclamando do barulho. Ao procurar mais sobre essas “raves”, descobri que se tratava do Festival Mareh, criado pelo paulista Guga Roselli, que há 12 anos realiza estes empreendimentos em locais paradisíacos pelo Nordeste brasileiro. Pois bem! Cumuruxatiba foi a escolhida da vez.
Os primeiros conflitos se deram quando a equipe do Festival Mareh tentou armar sua grande estrutura numa praia dentro dos limites da Aldeia Kaí, sendo informada por lideranças da aldeia que a área estava em processo de demarcação e que a fazendeira que tinha realizado a negociação com o Festival não tinha autoridade para tal, uma vez que o território é Pataxó. O Festival soltou uma nota em sua página pedindo desculpas pelo equívoco e agradecendo aos Pataxó da Aldeia Kaí pelo diálogo. Equívocos a parte fica a preocupação dos Pataxó do que virá nos próximos anos e se o lema da terra “onde o tempo não tem pressa e a preguiça é mais gostosa” ainda continuará.
Outro aspecto digno de atenção foi a gentrificação do bairro Cantagalo em Cumuruxatiba, um bairro quase predominante de famílias Pataxó, com pescadores e marisqueiras que vem dando lugar às grandes casas, levando famílias Pataxó não aldeadas a se deslocarem para o entorno de Cumuruxatiba, dificultando seus acessos ao mar e outros locais de trabalho.
Aguardamos com o Povo Pataxó de Cumuruxatiba que no ano de 2017 se concretize o processo de demarcação do Território Comexatibá, passo fundamental na concretização de uma educação e uma saúde pataxó consistente e de qualidade. Sigamos fortes na esperança de outros (as) “Zig’s” no Ensino Superior e de novos empreendimentos turísticos sustentáveis de afirmação étnica do Povo Pataxó.
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*Doutorando em Educação pelo Proped/UERJ. Autor do livro “As relações de interculturalidade entre conhecimento científico e conhecimentos tradicionais na escola estadual indígena Kijetxawê Zabelê”.
Imagem: Zig na Aldeia Tibá – Foto: Rafael Luz.