Por Selma Clara Kreibich, na Fundação Böll
Na definição do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma ou UNEP, em inglês), Economia Verde é “algo que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz visivelmente os riscos ambientais e a escassez ecológica”. Ela tem três características principais: baixa emissão de carbono, eficiência no uso de recursos e busca por inclusão social. O relatório do Pnuma evidencia que aquilo que hoje tem baixa emissão de carbono é valorizado como “verde” e “sustentável” – portanto, como positivo para o homem e a natureza.
Essa imagem continua sendo propagada no Brasil. Megaprojetos como a hidrelétrica de Belo Monte demonstram que a realidade é bem diferente. As consequências costumam ser a exploração excessiva de recursos, processos de expulsão social e danos ambientais.
Então a Economia Verde não é a solução que políticos e ambientalistas pregam há anos? Quais as alternativas que nós temos?
Conversamos com Thomas Fatheuer, co-autor do livro “Crítica à Economia Verde”, sobre os impedimentos à liberdade de ação e as possibilidades de um futuro mais sustentável para o Brasil em termos ambientais e sociais.
HBS Brasil: O senhor é co-autor do livro “Crítica à Economia Verde”, junto com Lili Fuhr e Barbara Unmüßig da Fundação Heinrich Böll. Desde a Agenda 21, a Economia Verde é vista como conceito de sustentabilidade das políticas ambientais e climáticas internacionais. Quais são os pontos centrais de sua crítica?
É preciso deixar claro que não criticamos a ideia da Economia Verde em si. Queremos que a economia se torne mais verde. O que criticamos é uma determinada abordagem, um certo conceito de Economia Verde que acabou dominando o debate.
Em um primeiro momento, este conceito foi formulado pelo Banco Mundial, pela OCDE e pelas organizações das Nações Unidas, com a promessa de que é possível crescer de forma “verde”. No entanto, não se questiona o atual modelo de desenvolvimento. Ao contrário, promete-se um crescimento até mais rápido e melhor. O questionamento do crescimento econômico é central na nossa crítica.
Por que? Porque a Economia Verde dissemina uma promessa falsa de eficiência, afirmando que a economia pode continuar como sempre, seguindo o lema “business as usual“. O que precisamos, no entanto, é uma queda radical e absoluta do consumo de energia e de material.
Ao contrário do que ocorre na União Europeia ou nos Estados Unidos da América, a crítica ao desenvolvimento é diferente no caso do Brasil. Aqui, muitos setores da sociedade dependem do crescimento, seja para o abastecimento de bens públicos, para o funcionamento do transporte público urbano ou para os sistemas de saúde e educação. No entanto, numa perspectiva mundial, é preciso perguntar: o que, como, e sobretudo para quem a economia precisa crescer?
Eis um dos aspectos centrais da nossa crítica, formulada a partir de uma perspectiva europeia.
HBS Brasil: Até que ponto o senhor considera problemático o desenvolvimento da Economia Verde no Brasil?
Hoje em dia, legitimam-se determinados tipos de megaprojetos através de um discurso verde. Nos últimos tempos, estávamos fortemente focados no CO2 , o que se deve principalmente ao debate sobre o clima. Ou seja: o que é baixo carbono pode ser visto como verde e sustentável. Assim, por exemplo, grandes represas com nefastas consequências socioambientais de repente se tornam “milagres verdes”, só porque geram energia com baixa emissão de carbono.
Outro exemplo é a expansão de monoculturas – como as de cana, soja ou dendê – para produzir biocombustíveis. Essas culturas são justificadas com o argumento da produção de fontes energéticas supostamente verde por terem um balanço de CO2 mais vantajoso do que as tradicionais fontes de energia, como o petróleo, o gás ou o carvão. Mas esses cálculos não levam em conta as perdas de áreas agricultáveis potenciais para produção de alimentos ou a expulsão de povos indígenas de seu espaço vital. Assim, com essas justificativas verdes, retiram-se do debate os argumentos em torno das consequências para o meio ambiente e a população.
Por isso, consideramos que a questão da valoração de diferentes tipos de desenvolvimento não deveria se apoiar apenas na questão de CO2 .
HBS Brasil: É preciso criar estímulos para reduzir as emissões prejudiciais ao clima. A ideia do comércio de emissões é puramente econômica. Confere-se uma mensurabilidade aos bens naturais, como o ar limpo, precificando-os. Que consequências tem essa mercantilização/financeirização da natureza?
O Brasil é um país importante para a política ambiental internacional por ser o país com a maior área na faixa dos trópicos. Nos últimos anos, o tema das florestas tem sido discutido no debate internacional em torno do clima e ganhou a abreviação de REDD. Trata-se de um mecanismo concebido em bases explicitamente econômicas. Enquanto ferramenta para a política do clima, almeja conceder aos países um estímulo financeiro para conservar as florestas e, dessa maneira, poupar emissões de CO2.
O mecanismo se chama offsetting e pode ser explicado através de um exemplo: quando eu reservo um voo da Europa para o Brasil, posso neutralizar as emissões resultantes da viagem. Isso significa: posso levar minhas emissões adiante ao comprar certificados florestais. Em termos do clima mundial, isso não tem grandes consequências, porque as emissões só são poupadas em uma parte do mundo. Do outro lado do mundo significa apenas que eu posso seguir vivendo do mesmo jeito. Portanto, esse raciocínio tem um aspecto colonizador quando digo: eu economizo emissões no Sul para poder continuar levando adiante nosso modelo de desenvolvimento no Norte. Nós acreditamos que isso é uma forma de um novo eco-colonialismo.
As florestas tropicais brasileiras ainda conservadas muitas vezes são habitadas por povos indígenas. Embora o REDD considere a existência dos nativos, eles só importam na hora da execução dos projetos. O apoio a esses povos é condicionado ao seu desempenho econômico, ou seja: eles precisam produzir resultados concretos e mensuráveis na redução das emissões de CO2. Isso significa contratar empresas de consultoria que desenvolvem e monitoram tais projetos. Com isso, as comunidades locais e os povos tradicionais perdem o controle sobre o seu mundo e a sua vida, porque são enredados em um contexto de projeto que eles próprios não são capazes de compreender.
Com essa crítica à Economia Verde mostramos que essas minorias possuem direitos, e que não devem ser inseridos no mercado como “comerciantes no mercado de CO2”.
HBS Brasil: Portanto, a Economia Verde tem aspectos complicados. Mesmo assim – ou por isso mesmo – precisamos de uma virada socioambiental. Como fazer tal transformação ser bem-sucedida no Brasil?
Para qualquer tipo de transformação é fundamental que a democracia funcione. Na atual situação política no Brasil eu avalio como extremamente difícil conseguir qualquer transformação.
No entanto, existem algumas possibilidades no sistema atual. Nos últimos anos, o uso da terra, com monoculturas, sementes geneticamente modificadas e alto grau de uso de pesticidas, é um modelo que marginaliza e envenena as pessoas. Consigo imaginar uma perspectiva de transformação rumo a outra agricultura que fortaleça os pequenos agricultores, estimule a biodiversidade e coloque a soberania alimentar no centro do debate. Posso imaginar mesmo no atual sistema o fortalecimento de culturas ecológicas – o que, claro, significaria uma transformação aguda (radical) no setor agrícola.
Outro caminho seria compreender a cidade não mais como lugar do mercado, onde se ganha dinheiro ou se é explorado, e sim como espaço vital em que as pessoas têm o direito de configurar a sua vida segundo a sua vontade, sem estarem sujeitas aos mecanismos do mercado. Neste caso, surge principalmente a questão dos megaprojetos urbanos e o envolvimento da população nos processos decisórios.
Outro ponto é o caminho para um abastecimento de energia descentralizado. Para isso, será preciso primeiro quebrar o poder dos grandes monopólios. Muitos municípios já conseguem produzir a sua energia independentemente das grandes companhias elétricas. Trata-se nitidamente de uma opção de desenvolvimento que pode ser levada adiante por atores da sociedade civil numa direção sustentável do ponto de vista socioambiental.
Junto com o movimento agrário, essa tendência forma a base para uma perspectiva de transformação. Certamente só poderemos contar com passos pequenos, mas pelo menos são passos na direção certa.
Essa e outras possibilidades dependem fortemente de como os discursos se movem no Brasil.
HBS Brasil: E como os políticos e a sociedades podem agir nesses casos?
Nos últimos tempos, a política brasileira se revelou pouco afeita a transformações, a fim de proteger os privilégios das elites dominantes. No seio de uma transformação, o poder das elites precisa ser limitado e novos atores devem ir para o Congresso, atores que não sejam aliados dessas elites. É preciso haver primeiro uma reforma política. As coisas só podem melhorar por pressão de atores da sociedade civil, como movimentos sociais e ONGs.
O mesmo vale para uma transformação socioambiental: embora a moratória da soja negociada por Greenpeace seja um êxito parcial, aponta para as possibilidades que partem de tais atores. É possível obter certos compromissos através de mobilizações e ações. E no Brasil existe um grande movimento social. É onde vejo perspectivas para uma nova virada democrática, mas que haverá de partir da sociedade, não dos partidos políticos.