No blog do Sakamoto
”Ingenuidade. Fui ingênuo ao receber uma pessoa [Joesley Batista, dono do JBS] naquele momento.”
”Lamento sinceramente minha ingenuidade – a que ponto chegamos, ter de lamentar a boa-fé! Não sabia que na minha frente estava um criminoso sem escrúpulos, sem interesse na verdade, querendo apenas forjar citações que o ajudassem nos benefícios de sua delação.”
As frases são, respectivamente, de Michel Temer e Aécio Neves, que usaram a ”ingenuidade” como justificativa diante de conversas gravadas por Joesley Batista, dono do JBS. Ambos os registros estão na Folha de S.Paulo desta segunda (22) – o do primeiro, em uma entrevista, e o do segundo, em um artigo-depoimento.
A utilização da ”ingenuidade”, ou seja, declarar-se ”café-com-leite” como artifício de defesa diante de um escândalo de corrupção, tráfico de influência e compra de favores é um indicador de desespero. Pois os dois sabem que demandaria uma intensa dose de ignorância da população para acreditar nessa desculpa.
Afinal de contas, o mais esperto dos dois conspirou abertamente pela queda de sua antecessora para ocupar seu lugar. E o outro ”despachava” do Rio de Janeiro apesar de ser governador de Minas Gerais (Aécio usou aeronaves oficiais por 124 vezes para ir ao Rio durante o período em que foi governador).
Pode-se, claro, lembrar as icônicas palavras de Sérgio Machado, em grampo com Romero Jucá (”o primeiro a ser comido vai ser o Aécio”), para contestar que, talvez, o senador mineiro realmente acredite que se autointitular ingênuo pode funcionar. Afinal, nas palavras de Machado, ”0 Aécio não tem condição, a gente sabe disso, porra. Quem que não sabe?”
Talvez a esperança de ambos com essa justificativa resida no fato que parte do eleitorado brasileiro já provou que escolhe heróis em todos os partidos políticos, da esquerda à direita, e segue com eles até o fim – independente dos fatos. É uma religião. Temos isso com Lula, Bolsonaro, Doria, Marina, Maluf… Basta que esses heróis reafirmem suas narrativas com um mínimo de convicção. Então, sentindo-se culpados diante de uma desconfiança que dava sinais de nascer, alguns desses eleitores se prostram arrependidos. E pensam ”Perdoa-me por me traíres” – apesar de nunca terem ouvido falar de Nelson Rodrigues.
A justificativa pode ter seu valor junto a processos judiciais ou políticos que Temer e Aécio possam vir a sofrer por conta do que foi revelado. É uma versão piorada do ”eu não sabia”, muito em uso nos governos do PSDB, do PT e até do próprio PMDB.
Utilizar a ingenuidade é uma espécie de recurso arriscado porque parte da população pode até cair no conto de políticos ”mal informados”, mas não aceita aqueles que se declaram fracos e passíveis de serem envolvidos em conversas moles durante os exercícios de seus mandatos. Ou seja, não querem um ”mané” no governo.
De qualquer forma, o cinismo adotado por ambos não convence. Pelo contrário, constrange. Se ainda tivessem o dom de Paulo Maluf que, durante anos, deu justificativas que se tornaram folclóricas para o roubo de dinheiro público e, certamente, ria delas e de si mesmo, entender-se-ia.
Ou seja, além da questão ética, a estética da canastrice da ”ingenuidade” de Temer e do barroco da ”ingenuidade” de Aécio são imperdoáveis.
–
Foto: Ueslei Marcelino /Reuters