‘Alquimista’ do Pantanal: pesquisador descobre antibióticos nos biomas de MS

Potencial está em plantas e animais do Cerrado e Pantanal

Izabela Sanchez – Midiamax

Ele mal dorme e provavelmente passa mais horas ‘no trabalho’ do que deveria. Ainda assim, para esse professor e pesquisador de Ciências Biológicas da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) é difícil separar a fronteira entre trabalho e diversão. Octávio Luiz Franco, 40, tem dedicado os últimos 20 anos de sua vida para ser uma espécie de ‘alquimista’ dos biomas Cerrado e Pantanal. O pesquisador tem encontrado diversos ‘antibióticos’ escondidos em plantas e animais.

Tudo começou com uma goiaba

Octávio, na verdade, começou pesquisando golfinhos. Foi uma das noites ‘viradas’ em um hospital em razão das doenças ‘terror noturno’ e ‘sonambulismo’ que fizeram com que ele acompanhasse a rotina de quem sofre de infecções.

“E eu via o sofrimento das pessoas com infecção bacteriana, e eu trabalhava, na época, com planta transgênica, com controle de pragas, eu tentava descobrir produtos que pudessem ajudar as pessoas a comer. Trabalhava no interior do Ceará, queria achar um feijão de corda resistente a sal para as pessoas poderem ficar bem alimentadas. Mas eu falei: eu tô na vertente toda errada e pra quem saiu de golfinho para planta transgênica, pra fármaco foi um pulo. Isso me motivou, eu ver o sofrimento das pessoas e eu pensei que poderia fazer algo um pouco mais positivo nessa direção”, comenta.

A primeira descoberta foi na semente de goiaba. A fruta guarda nas sementes um poderoso combatente de infecções intestinais. Desde então, ele não parou mais e já descobriu vários remédios em flores do Cerrado.

“Hoje são dois focos: um pra controle de infecção humana, gosto muito de trabalhar com infecção pulmonar porque perco muitos pacientes no dia-a-dia, então a gente busca possibilidades de tratamento pra essa doença, e outra pra bactérias que causam problemas em bovinos e equinos”, relata.

As novas descobertas e a tecnologia

Atualmente, os olhos do pesquisador brilham mesmo ao falar sobre 3 moléculas que revelaram peptídeos. Que? Isso, os peptídeos, aqueles compostos formados pela união de dois ou mais aminoácidos por intermédio de ligações peptídicas, que você estudou lá na biologia do ensino médio. Uma molécula saiu de uma planta, outra de uma bactéria e por último, uma arraia também contribuiu para a pesquisa.

O professor explica onde entra a tecnologia. Imagine se, para obter antibióticos, os pesquisadores e indústrias tivessem que arrancar todas as plantas e animais? Pois é, não teria bioma que sobreviveria a tanta agressão. É aí que entra a chamada ‘bioinspiração’. A tecnologia consegue retirar os princípios ativos, potencializá-los e multiplica-los, tudo através de algoritmos. Octávio explica melhor:

“Então a gente pega a estrutura desse antibiótico, joga num programa de computador que a gente criou, para poder cortar o que está sobrando. Então, por exemplo, a gente vai polindo ele. Então a gente entende como ele funciona e tenta potencializar ainda mais a atividade que ele está fazendo. Então, por exemplo, se ele conecta uma membrana, a gente aumenta determinadas características que fazem ele ficar com maior afinidade ainda”, explica.

E como isso chega nas farmácias?

Essa é, talvez, a maior dificuldade, conforme relata o professor. As principais interessadas nas pesquisas são as indústrias estrangeiras, mas há uma série de burocracias e legislações que podem levar anos para permitirem que as riquezas do Cerrado e do Pantanal finalmente cheguem ao público.

“É mais fácil hoje eu vender uma descoberta nossa para os Estados Unidos, para o Canadá, aí a gente patenteia aqui ou então em parceria com eles. A gente tem evitado, porque a legislação hoje me caça se eu patentear alguma coisa de genoma ou de proteômica de produtos naturais. Aí tem isso, então se você bobear, eles acham que a gente vira um biopirata e aí vem e multa a gente, então a gente não usa mais nada só com a origem animal, a gente tem que entender pra que funcione ou então criar alguma coisa de origem sintética que faça funcionar”, comenta.

No Brasil, o setor privado investe pouco em ciência e inovação. O professor explica que o motivo é o medo de correr riscos.

“O maior desafio hoje que um cientista de biotecnologia pode ter é tentar transcender do que a gente faz aqui para chegar na população. Eu acho que se eu morresse e não conseguisse transcender nenhuma vez acho que …. então esse é o maior desafio”, teme ele.

Se o setor privado investe pouco, a União não sai muito na frente. Principal financiadora das pesquisas de Octávio, o poder público não oferece uma política de Estado consolidada, e orçamentos e interesses variam muito de acordo com as mudanças de governo. O pesquisador contou que o orçamento caiu cerca de 70% este ano.

“Só pra você ter uma ideia, em 2012 eu recebi do governo em torno de R$ 6 milhões, pra um ano. Em 2014 foram R$ 5 milhões e em 2016 foi zero e em 2017, nós já estamos em junho, recebemos R$ 300 mil”, admite. Enquanto a ciência e educação são as primeiras a serem cortadas quando a crise bate à porta do Brasil, outros países vão na direção contrária. É o que conta o professor.

“Estava trabalhando em Tel Aviv, em Israel, há 3 semanas e eles ampliaram o investimento em ciência porque eles acreditam que a ciência vai ajudar a superar a crise. Então é uma mentalidade muito diferente”, comenta.

Ameaças aos biomas e aprendizado com comunidades tradicionais

Muito do que a ciência estuda e nomeia já era conhecido pelas comunidades tradicionais e povos originários, só que de um modo mais intuitivo e empírico. Octávio explica que o contato e aprendizado junto a essas pessoas é uma das riquezas do trabalho. Foi lá no Ceará que ele começou a observar esse potencial.

No meio da caatinga o professor foi pego com uma potente infecção na garganta. O remédio? Isso mesmo, você acertou. Ele foi orientado a utilizar gordura de um lagarto bem tradicional por aquelas bandas, o téjo. Foi então que o professor descobriu que os lipídeos – o nome científico da gordura –poderiam virar remédio.

“Mas depois que o cara fez o tratamento comigo, funcionou perfeitamente. E aí depois nós descobrimos que tinha um lipídeo, uma gordura, que era superpotente pra destruir bactérias, então nesse aspecto tinha o conhecimento local e regional. Quase todos na comunidade, quanto tinham uma infecção de garganta, tinham que caçar um téjo pra poder tirar a gordura e aí a gente conseguiu entender que o conhecimento local era muito importante”, relata.

Apesar de depender da preservação dos biomas para continuar o trabalho, o professor não condena por completo o setor da economia responsável por agressões diversas: o agronegócio.

“Hoje eu acredito que o agronegócio é algo realmente benéfico para o país, só que a gente tem que ter um agronegócio sustentável. Tem que achar uma saída que seja um balanço. Eu acho que se os grandes produtores respeitarem as leis à risca e não desmatarem, não vejo problema nenhum, acho que todo mundo pode sobreviver junto”, comenta.

O temor das ameaças ao Cerrado e Pantanal, no entanto, não deixam de preocupá-lo.

“O tempo inteiro, porque tem pessoas que indevidamente destroem os biomas. E quando a gente viaja, por exemplo, se você vai para os Estados Unidos, lá tem um trabalho de agronegócio que vai manter os biomas deles funcionando. E tem outra coisa, lá a penalidade é muito grande. Aqui a gente tem penalidade, mas a penalidade é assim… lá se um cara invade um parque nacional ele vai preso, independente de quem ele seja, aqui a gente não tem isso”, critica.

Pesquisa deu frutos

Não é só as plantas, frutas e animais que multiplicam na pesquisa de Octávio. Ele inspira os alunos e alunas que coordena, seja a nível de graduação, mestrado ou doutorado. E já tem duas futuras multiplicadores do conhecimento. São as jovens Micaella e Joyce.

Estudantes de Ciências Biológicas, as alunas e pesquisadoras de iniciação científica já se preparam para continuar as pesquisas no mestrado. Entrar para o ‘seleto grupo’ do professor alquimista não foi fácil, já que pela qualidade, o espaço é muito disputado. As duas contam, no entanto, que o esforço vale a pena. Para elas, a paixão do professor pelo que faz é inspiradora.

Joyce Gaudênio, 23, estuda o potencial antibiótico da gravatá e da pimenta de macaco, cuja pesquisa está, atualmente, na fase de testes. “O estágio te dá uma nova visão sabe, uma visão mais aprofundada que realmente você vai querer seguir, do que realmente vai se apaixonar. Então, eu comecei o estágio, se não me engano, no 3º semestre, mas se eu soubesse acho que eu teria começado desde o primeiro, porque a gente vê na prática a teoria da sala de aula”, conta ela.

Micaella Nogueira é ainda mais jovem. Com apenas 19, ela também já sonha com o mestrado. Hoje, na iniciação científica, pesquisa o potencial do Jenipapo. A fruta estudada por ela também tem auxílio das comunidades tradicionais, indígenas de Miranda, cidade pantaneira a 203 km de Campo Grande. Ao que tudo indica, as pesquisas irão revelar um remédio contra infecções no intestino.

“Já está na reta final do trabalho e já conseguimos encontrar princípio ativos com ação microbiana pra bactérias que atacam o intestino. Então a gente conseguiu elencar esse peptídeo e agora estamos na fase de isolar esse peptídeo. A gente vai separando todas as moléculas, tentando isolar esse peptídeo pra tentar usar ele e pegar esse antibiótico”, contou.

Lembra, logo acima, quando o professor contou sobre o orçamento minúsculo para as pesquisas? Nem isso desanima do alquimista do Cerrado e do Pantanal. Octávio conclui a entrevista com a seguinte promessa: “A gente dá um jeito. Eu falo que eu só vou parar se quebrarem e apagarem a luz, mas mesmo assim acho que a gente continua fazendo alguma coisa”.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

Foto: Henrique Kawaminami

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

dezesseis − oito =