Mineradoras, por meio da Fundação Renova, intimidam, pressionam e utilizam de influência jurídica para negar direitos.
No MAB
O “Programa de Indenização Mediada” (PIM) é um dos programas executados pela Fundação Renova, criada a partir do acordo realizado entre a União, os governos do Espírito Santo, Minas Gerais e as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, responsáveis pelo rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, considerado o maior crime socioambiental do mundo. Acordo esse que não contou com a participação da população atingida, qualquer organização da sociedade civil ou mesmo o Ministério Público.
Dentro do programa, a Fundação Renova oferece uma indenização aos atingidos pelos danos materiais e morais causados pelo rompimento da barragem de Fundão na Bacia do Rio Doce e se divide em duas propostas: o “PIM água”, para a população que teve o abastecimento interrompido em decorrência da lama despejada no rio Doce, e o “PIM danos gerais”, para ressarcir demais danos como perda de atividade econômica, criações, plantações, matéria prima, benfeitorias, etc.
Dentro do valor da indenização de danos gerais, a proposta é feita pela Fundação Renova. Os atingidos precisam decidir em 15 dias e responder se aceitam a proposta que é “mediada” por profissionais contratados pela própria fundação.
Uma vez que os atingidos não recebem orientação jurídica e, em muitos casos, são impedidos de entrar acompanhados no escritório da Renova para ouvir a proposta, a farsa da “mediação” multiplica a desinformação e a violação do direito a plena reparação.
No caso da “PIM água”, a proposta é padrão. No município de Governador Valadares (MG), o valor da indenização é de R$1000,00 por pessoa. Já em Colatina (ES) o valor é R$880,00. Quem não aceita o acordo é orientado recorrer na Justiça.
Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) as famílias se sentem pressionados nessa situação. “A Fundação Renova cria a condição de ‘é pegar ou largar’, e os atingidos sem orientação e desinformados, aceitam receosos da dificuldade, lentidão e medo de um processo judicial”, afirma a coordenação do MAB.
Termo de cooperação: nova violação de direitos
Em março de 2017, a Samarco firmou um termo de cooperação com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em que oferece o mesmo valor proposto no PIM para as ações sejam resolvidas sem a necessidade de um julgamento.
No início de 2017 havia cerca de 40 mil ações na justiça referentes à indenização pela interrupção do abastecimento de água contra a Samarco. Algumas dessas ações foram julgadas concedendo indenizações muito superiores ao que a Fundação Renova propõe aos atingidos. Assim, a estratégia é acelerar a efetivação do PIM.
Ao receber a proposta de indenização pelo PIM, os atingidos que possuem alguma ação na justiça contra a Samarco devem paralisar o processo e quem aceita a proposta deve retirar ação da Justiça. “É uma situação absurda, o criminoso fez um acordo com o poder judiciário para influenciar no seu próprio julgamento. Essa é mais uma estratégia da empresa para ‘se livrar’ do problema e escapar de suas responsabilidades”.
Ao avaliar este “acordo” o MAB considera abusiva a cláusula específica de quitação, que isenta a Samarco de responsabilidades presentes e futuras em relação à água inclusive para os herdeiros do atingido em questão. Ou seja, quem assina o termo abre mão de cobrar seus direitos futuramente. “Como o acordo firmado entre o governo e as empresas teve sua homologação suspensa na Justiça, a Renova se antecipa fazendo esses acordos através do PIM, para evitar pagar maiores indenizações, o que seria mais justo”, analisa o MAB.
O movimento ressalta ainda que o PIM é uma armadilha para os atingidos. “Acreditamos que os valores propostos não são justos. Além disso, a cláusula de quitação é uma violação dos direitos dos atingidos, sendo alvo inclusive de uma ação do Ministério Público de Minas Gerais para ser removida dos acordos”.
Por fim, o MAB critica as negociações individuais entre atingido e Fundação Renova. “Uma coisa é um cidadão comum, que está ali há meses passando por dificuldades financeiras negociar com uma grande mineradora com todo aparato técnico e jurídico. Ali a empresa vai colocar todos seus artifícios para subjugar e fazer com que o atingido aceite qualquer tipo de negócio, na lógica do pegar ou largar”, diz a coordenação do MAB.
Por outro lado o Movimento aponta que a Renova teme a organização popular, pois a força do coletivo empodera e faz com que os atingidos conquistem seus direitos.
Ação Civil Pública
Legalmente os atingidos não devem aceitar esse acordo, pois já existe uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal (Ação Civil Pública nº 23863-07.2016.4.01.3800) proposta em maio de 2016, que ainda não foi julgada. Dentre os requerimentos deste processo do MPF, está à indenização aos atingidos no valor total previsto de 155 bilhões de reais para promover a integral reparação dos danos provocados pela lama. Valor este superior ao proposto no acordo que criou a Fundação Renova, no valor de 20 bilhões para fazer a reparação da bacia do rio Doce em 15 anos.
Essa ação do MPF já resguarda o direito de indenização dos atingidos. Portanto, não é necessário que os atingidos ingressem na justiça com ações individuais.
“Ao aceitar os termos do PIM estamos resolvendo o problema da Samarco e não o dos atingidos. O MAB reafirma que serão a organização do povo e as lutas que vão garantir as conquistas dos direitos. Está claro que os acordos firmados entre governos e empresas são injustos, ilegítimos e incapazes de solucionar os problemas gerados pela lama. O que já garantiu o mínimo atendimento das demandas do povo foi à união em uma forte organização social”, ressalta o MAB. .
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Foto: Leandro Taques.