Por Priscilla Mayrink, no Rio On Watch
No dia 23 de outubro, aconteceu o segundo encontro do Fórum de Debates A Metrópole do Rio de Janeiro, com o tema O Plano Estratégico da Cidade do Rio: Empreendedorismo Urbano e Fragmentação Institucional da Metrópole organizado pelo Comitê Popular de Luta e pelo Observatório das Metrópoles, no IFCS/UFRJ. O evento contou com a presença de Tainá de Paula (Fundação Bento Rubião), Marielle Franco (Câmara dos Vereadores), Henrique Silveira (Casa Fluminense) e Adauto Cardoso (Observatório das Metrópoles/IPPUR) para debater o Plano apresentado pela prefeitura de Marcelo Crivella. Na ocasião, foram discutidas algumas das metas, sobretudo aquelas referentes ao direito à cidade e à habitação.
As principais críticas ao Plano Estratégico se concentraram na falta de especificação das metas, na falta de participação popular e por a prefeitura se apoiar nas operações urbanas consorciadas e Parcerias Público-Privadas para a realização de propostas habitacionais.
Segundo Adauto Cardoso, que vem realizando monitoramento e avaliação das políticas urbanas da cidade, as propostas do plano são muito genéricas, pouco detalhadas e pouco embasadas: “Não tem diagnóstico. E com um plano sem diagnóstico, como é que você vai saber quais são os problemas? Como é que você vai saber que aquela meta é adequada? Qual é o impacto daquela meta em relação ao programa, a um problema específico?” disse ele alegando que faltam informações para que a qualidade do plano e seus impactos possam ser mensurados. Para além da falta de clareza do que será realizado, falta a especificação de como essas metas serão viabilizadas no plano econômico, como pontuou Tainá de Paula, que considerou algumas metas muito ambiciosas para a realidade econômica atual.
Ao que parece, a viabilização econômica de metas relacionadas à habitação será realizada sobretudo a partir de verbas federais provenientes de programas como o Minha Casa Minha Vida (MCMV), PAC e Programa de Assentamentos Populares (PROAP III), como indicado por Adauto Cardoso ao analisar o Plano Purianual (PPA). Apoiar a política habitacional com recursos federais, sem alocação de recurso próprio da prefeitura, é considerado um problema para o professor e pesquisador, uma vez que esses recursos sejam de prazo incerto.
As propostas da política habitacional do Plano Estratégico dizem respeito à realização de obras de urbanização em 21 favelas (meta N° 73), realização de intervenção urbana em Rio das Pedras (meta N° 74), regularização fundiária de 100.000 domicílios até 2020 (meta N° 75), contratação de 20.000 Unidades Habitacionais de Interesse Social até dezembro de 2020 (meta N° 77) e realização do programa “Mais Moradias”, que visa a construção habitacional para famílias de até 10 salários mínimos a partir do MCMV, e remoção de 14.204 moradias da área do Maciço da Tijuca por risco geológico-geotécnico (meta N° 76)–levantando o debate sobre o discurso de risco ambiental para a remoção de moradias. Os participantes tiveram dúvidas sobre a forma que esses projetos serão realizados; e aonde e a partir de quais recursos, já que não há especificações detalhadas e, ao que parece, os recursos se baseiam em verbas do governo federal.
“Uma coisa que apareceu no plano foi a ideia de beneficiar 21 favelas com obras de urbanização até 2020, ou seja, nos próximos 3 anos. Uma meta ambiciosa. Quando a gente foi olhar para essa meta, a gente viu que esses recursos, pra essas metas, eram recursos do PAC e do PROAP III. O PROAP III é o herdeiro do Favela-Bairro que tem restos a gastar, e que portanto é uma continuidade das obras que já vinham sendo feitas. Por conta da variação do dólar, sobrou um pouco de recurso, então está sendo feito um remanejamento pra investir. O PAC também é recurso do governo federal. Não tem alocação de recurso próprio da prefeitura específico pra isso”, analisa Adauto, pontuando que é a primeira vez que não é proposto nenhum programa de urbanização de favelas pela prefeitura desde 1993.
Dentro do Programa “Mais Moradias” está indicado a intenção de construir unidades habitacionais no terreno da General Electric, na favela do Jacarezinho, uma questão importante a ser pensada, como colocou Adauto, uma vez que este terreno requer um custo enorme de descontaminação.
Já o plano para Rio das Pedras, que diz respeito ao programa “Territórios Integrados”, especifica apenas o objetivo de “concluir os estudos para Requalificação Urbana de Rio das Pedras até 2018”. Contudo, já foi indicada a intenção de verticalizar a área a partir da construção de 100 blocos de apartamentos, cada um com até 12 andares, o que vem gerando grande mobilização de moradores. Este projeto vai na contramão do que um projeto de urbanização de favelas deveria se basear: respeitar o máximo possível a tipologia local, evitar deslocamentos e realizar obras de melhorias a partir da demanda e do diálogo com os moradores. Contudo, apesar da falta de transparência do que será feito e da falta de participação dos moradores no processo de elaboração da proposta para a área, Adauto indica que já existem grandes construtoras interessadas no projeto.
“E tem uma reiteração contínua das parcerias público-privadas e das operações urbanas consorciadas como grandes estratégias para conseguir recursos. Aí quando a gente olha essas operações urbanas, as duas que estão citadas são a Central do Brasil e Rio da Pedras”, indica o pesquisador. A operação urbana referente à Central do Brasil diz respeito à meta N° 67 que tem por objetivo “lançar Procedimento de Manifestação de Interesse para realização da Operação Urbana Presidente Vargas em 2017”, com o intuito de promover reestruturação urbana local a partir do programa “Centralidades Cariocas”.
“Ou seja, você tem um volume ainda de espaço pra construir na área do Porto e você vai lançar outra operação na área da Central para produzir mais espaço pra quem?”, questiona Adauto Cardoso.
Outro tema que gerou questionamento foi a meta N° 43 do plano de Crivella que tem por objetivo “reduzir em 50% os índices criminais de baixa letalidade na orla da cidade do Rio de Janeiro, até 2020”. Como argumentou Henrique Silveira, da Casa Fluminense, essa proposta “reforça uma ideia de que algumas pessoas têm direito à segurança pública na cidade e outras não. É uma lógica que você está protegendo essa parte da cidade do restante. Porque só na orla?”, questionando o motivo de não ter sido proposto alocar esta meta para os locais que, segundo dados oficiais, apresentem maior incidência de crimes de baixa letalidade.
Além destas questões, alguns pontos importantes não constam no Plano Estratégico, como a autogestão habitacional, o estudo de vazios urbanos e da economia solidária. Tainá de Paula indica que a partir do estudo de vazios urbanos municipais no Plano de Habitação chegou-se à quantia de cerca de 20-22% de área da cidade que poderia servir para estoque habitacional, ressaltando a importância de incluir este tema no planejamento urbano da cidade. Já Marielle Franco, que preside a frente pela valorização da economia solidária, critica que “no plano só aparece enquanto feira. No plano não aparece como alternativa econômica como geração de emprego, de renda, como expansão desse lugar metropolitano”, evidenciando a importância deste debate à nível da metrópole, uma vez que o grupo mais interessado é o de moradores de outros municípios, que não o do Rio de Janeiro.
A desarticulação das metas com a realidade urbana da cidade, com a demanda existente e com a viabilidade econômica evidencia a falta de participação social no processo de elaboração do Plano Estratégico. Segundo Henrique Silveira, a Prefeitura não abriu verdadeiramente um processo participativo para a construção do Plano.
“Abriram um processo de consulta online e foi ridículo. Foi um processo ridículo que eles fizeram e que não te permitia comentar a meta. O que estava lá eram perguntas genéricas, com estereótipos da cidade do Rio de Janeiro”, comenta Henrique, indicando que não existia sequer um e-mail para que interessados pudessem enviar sugestões, fazer comentários ou saber como poderiam participar do processo.
Dessa forma, a Casa Fluminense, que realiza o monitoramento de políticas públicas, organizou diversos debates com a sociedade civil para discutir questões temáticas do Plano, e ao final tomou a decisão de realizar um documento com 44 metas comentadas, elegendo 12 pontos que consideraram ser prioritários para serem revisados. Ao final, o grupo realizou uma intervenção no Centro para divulgação tanto do Plano Estratégico quanto das propostas elaboradas, mas comentou que a maioria das pessoas sequer sabiam do que se tratava.
Por fim, Henrique coloca a necessidade de mais transparência e diálogo com a população, assim como a realização de audiências temáticas em diversos locais da cidade. Marielle Franco colocou que é preciso debater e utilizar espaços para poder remodelar as metas, enquanto Tainá de Paula evidencia a necessidade de discutir temas como cidades resilientes, cidades compactas e cidades para pessoas.