Especialistas debatem o futuro do transporte no Grande Rio

Por Lucas Smolcic Larson, no Rio On Watch

O Rio de Janeiro conhecido internacionalmente –os bairros de Copacabana, Ipanema e Leblon na Zona Sul e o Centro histórico da cidade— compõem uma fração mínima da Região Metropolitana conhecida como Grande Rio. A extensão coberta pelo Grande Rio inclui 21 municípios, múltiplas cidades, e 74% da população do Estado do Rio de Janeiro ou 12,6 milhões de pessoas. É uma conurbação, ou uma área composta de múltiplos centros urbanos que se desenvolveram e se uniram para criar um único mercado de trabalho com um sistema de transporte integrado.

A mobilidade tem sido um desafio sério para os municípios do Grande Rio. O município do Rio concentra 75% dos empregos da região metropolitana. Muitos moradores levam duas ou três horas por dia viajando para o Centro da cidade, o que levou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a referir-se aos municípios da região da Baixada Fluminense como “cidades dormitório“. O Grande Rio tem os tempos de transporte casa-trabalho mais altos que qualquer região metropolitana no Brasil. Esta dinâmica não melhorou com os investimentos recentes no transporte. A partir de 2012, a implementação do sistema BRT favoreceu a ligação de áreas ricas como a Barra da Tijuca, um centro de especulação imobiliária, ao Centro da cidade e ao aeroporto internacional ao invés de servir a área metropolitana mais vasta. As linhas do BRT também foram motivo de remoção de comunidades que estavam no seu caminho, deslocando essas milhares de famílias para mais longe, e não mais perto, dos seus empregos.

Com estes desafios em mente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizou um painel intitulado “O Futuro da Mobilidade Urbana no Rio de Janeiro” no dia 6 de novembro, em colaboração com a Unidade de Estudos de Transporte da Universidade de Oxford. Neste painel, três professores e formuladores de políticas apresentaram visões para avançar no transporte intermunicipal no Grande Rio para um público de outros especialistas, estudiosos e políticos.

Rômulo Orrico, Professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia, da UFRJ, foi o primeiro a falar. Rômulo começou delineando três tendências emergentes no transporte urbano: a eletrificação dos veículos devido aos custos decrescentes das baterias de alta capacidade, a conectividade do tráfego na Internet das coisas, e a crescente autonomia dos sistemas de mobilidade. Para ele, a pergunta crítica é como estes três avanços se integrarão com as condições urbanas locais. Ele propôs três modelos baseados nas direções que outras metrópoles mundiais estão seguindo. O primeiro é um sistema de transporte “limpo e compartilhado” com transporte público de alta capacidade, como está acontecendo em cidades densas, em desenvolvimento, como Nova Déli e Cidade do México. Em contrapartida, o modelo “autonomia privada” está acontecendo em cidades ricas e espalhadas como Los Angeles, onde os carros elétricos estão ganhando popularidade. O último é um modelo de “mobilidade contínua” onde as pessoas e os serviços se movimentam facilmente através de uma combinação de transporte público e privado, com Chicago e Londres como exemplos.

Rômulo disse que acredita que o modelo “limpo e compartilhado” é o melhor para o Rio, mas enfrenta o problema de ser uma cidade muito espalhada em comparação a outras cidades densas e em desenvolvimento. Ele mostrou slides que demonstravam a desigualdade no acesso ao transporte público eficiente entre centros urbanos periféricos, como Nova Iguaçu e Duque de Caxias. Ir de carro entre estes dois locais leva 36 minutos. O trem, sem rota direta, leva 2 horas e 20 minutos. Ele também mostrou como viagens locais dentro de uma certa área urbana periférica também são difíceis. Em Madureira —onde há múltiplas linhas de trem ligando-a ao Centro do Rio– uma viagem local e curta de poucos quilômetros de ônibus requer uma baldeação pois o transporte não está orientado para este tipo de viagem.

A sua solução para alcançar o modelo “limpo e compartilhado” é dar apoio ao desenvolvimento positivo dos centros urbanos além do Rio em si, como São Gonçalo do outro lado da Baía de Guanabara. Ele disse, “É um território desigual. Os fluxos indicam uma alta dependência do Centro. Não vamos poder continuar essa história de ir para o Centro do Rio. São Gonçalo tem um milhão de habitantes. Não tem nenhuma escola, nenhuma universidade pública, federal, estadual, municipal. Umazinha de nada. Zero. Então, eu não posso dizer: vou botar mais facilidade para a galera de lá de vir para cá… [Precisamos] criar oportunidades lá em São Gonçalo”. Rômulo espera que haja investimentos no transporte transversal às atuais linhas de metrô e BRT. Ele concluiu dizendo que somente através do desenvolvimento positivo da periferia do Grande Rio e facilitando as viagens mais curtas no transporte público, a região metropolitana poderá combater a expansão urbana e integrar as novas tecnologias positivamente.

Mapa do Índice de Desenvolvimento Humano produzido pelo Programa de Desenvolvimento da ONU (PNUD) em 2010 – Áreas mais escuras com índice mais alto.

O palestrante seguinte foi Vicente Loureiro, Diretor Executivo da Câmara Metropolitana do Rio. Ele apresentou os seus pontos em linhas similares, começando com uma provocação. “Talvez o futuro da mobilidade, não esteja só no campo da mobilidade”, disse ele. “É preciso romper definitivamente com esse predomínio de achar que as questões de transporte e mobilidade se revolvem no seu campo.” Loureiro explicou que a realidade da infraestrutura do transporte do Rio é a de recursos escassos e construção lenta. Ele propôs abordar as causas principais da periferialização e das desigualdades do transporte no Grande Rio.

Ao fazê-lo, Vicente falou da história do crescimento urbano fora do município do Rio. “Lembrem que uma das razões dessa periferização sem controle está no fato de que mais que 85% das habitações existentes na metrópole são unifamiliares. Porque o povo só consegue construir desse modo. A grande maioria da população ao longo desses anos todos tem conseguido produzir o seu imóvel onde? Na favela ou num loteamento precário da periferia… E essa é a gênesis do processo de metropolização que a gente vive hoje”. A falta de habitação acessível levou as pessoas a se estabelecerem em áreas rurais à beira do Grande Rio. Vicente disse que todos os anos, outros 25 quilômetros quadrados de áreas rurais são ocupados desta maneira.

Ele disse que esta expansão resultou em uma densidade menor do que em outras megacidades no mundo, o que significa que as linhas do Metrô e do BRT no Rio atendem menos pessoas por distância de serviço do que os sistemas de transporte em ambientes urbanos mais densos. Para Vicente, a multi-centralidade e o investimento em serviços nas áreas periféricas são a chave para melhorar o sistema de transporte como um todo. De acordo com ele, quase 50% das viagens em transporte público são feitas para fins educacionais ou de saúde. Isto significa que as necessidades locais não satisfeitas localmente da população da região metropolitana sobrecarregam um sistema de transporte já deficiente. Ele usou o acesso a áreas de recreação como exemplo. “Não há nenhum parque público acima de 10.000 metros quadrados fora o Parque São Bento em Niterói na Região Metropolitana. Até para fazer um piquenique no domingo você precisa vir ao Rio”.

Vicente acredita que o Rio deve investir em um modelo policêntrico e estender serviços sociais às áreas periféricas para o sistema de transporte do Grande Rio sobreviver. Ele usou a Barra da Tijuca, o local do Parque Olímpico de 2016 e muitos condomínios fechados, como exemplo de planejamento urbano não-sustentável a ser evitado. “Quem mora lá não trabalha, e quem trabalha não mora”, ele disse. Tanto Vicente como Rômulo propuseram lutar para reduzir a migração diária centro-periferia, uma mudança fundamental ao modelo atual de crescimento do Rio.

Porcentagem de moradores que levam mais de uma hora viajando para o trabalho por município na Área Metropolitana do Rio. Mapa por Casa Fluminense.

O último apresentador da tarde foi Fernando Mac Dowell, Vice-Prefeito e Secretário de Transportes do Município do Rio. Ao contrário dos outros dois apresentadores, Mac Dowell passou a maior parte da sua apresentação discutindo os planos de transporte da administração do Prefeito Marcelo Crivella, evitando as questões prementes da Região Metropolitana como um todo.

Estas políticas incluem os esforços para modernizar o porto do Rio com o aumento do calado –a distância entre a linha d”água e a parte mais baixa do casco dos navios– para receber navios com contêineres. Mac Dowell falou rapidamente sobre os esforços de Crivella para tornar os táxis mais competitivos face ao influxo das companhias de transporte compartilhado como a Uber, que incluem tornar os taxis um patrimônio oficial cultural da cidade e lançar o app Taxi.Rio. O Vice-Prefeito também apresentou uma pesquisa finalizada pelo seu gabinete, que mostra que a velocidade dos pedestres está inversamente correlacionada à sua idade. Ele pretende usar este estudo para reformar os sinais de trânsito do Rio, com o objetivo de reduzir as fatalidades no trânsito. Além disso, ele disse que o seu gabinete está trabalhando com a Metrô Rio para aumentar a eficiência do sistema do metrô, que está operando com sua capacidade reduzida devido à má coordenação das linhas que usam a tecnologia do piloto automático. Mac Dowell foi um dos principais engenheiros que planejou e construiu o sistema do metrô no Rio no início dos anos setenta. Durante a apresentação, Mac Dowell também mostrou um slide sobre a tecnologia do aeromóvel e defendeu –mostrando o uso em outros lugares— a implementação no Rio, apesar das críticas sobre o recém-construído (e ainda inacabado) VLT no Centro histórico do Rio.

O Vice-Prefeito não abordou os problemas da desigualdade do transporte no Grande Rio que foram discutidos pelos outros dois palestrantes. Respondendo às perguntas do público, Vicente reiterou a necessidade de projetos multifacetados e uma forte governança local atendendo às questões que afetam a região metropolitana como um todo, citando os exemplos das regiões metropolitanas de Paris e Nova Iorque como modelos. O Professor Rômulo afirmou estas declarações, dizendo que o Rio está em um “ponto de inflexão” no seu desenvolvimento.

 

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