Órgão aponta falta de oportunidade para que os indígenas que ocupam a terra se manifestassem, como uma das principais falhas do documento do Ministério da Justiça
Procuradoria-Geral da República
Em manifestação encaminhada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministério Público Federal (MPF) defendeu a nulidade da Portaria 683/2017, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que reduz a extensão da Terra Indígena Jaraguá, localizada na zona norte da capital paulista. Atualmente, a portaria está suspensa devido a uma liminar da Justiça Federal de São Paulo. O caso consta na pauta de julgamentos da Primeira Seção do STJ e pode ser apreciado nesta quarta-feira (13). A terra é ocupada pelos povos Guarani das etnias Tekoa Ytu, Tekoa Pyau, Tekoa Itakupe, Tekoa Itaendy e Tekoa Itawera.
Em parecer, a subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos afirma que a edição da portaria afetou diretamente a comunidade indígena, reduzindo seu território de 512 para 3 hectares, sem que fossem realizadas consulta prévia e estudos técnicos. “A mácula mais grave consiste na ausência de oportunidade para manifestação daqueles diretamente interessados no processo de demarcação da terra indígena”, destaca o documento.
O texto anulava outra portaria do próprio Ministério da Justiça, a 581/2015. Para o MPF, a norma não pode ser declarada nula, uma vez que versa sobre a demarcação de terras indígenas, bens públicos da União suscetíveis de especial proteção na Constituição Federal, sendo inalienáveis, imprescritíveis, impenhoráveis e impossíveis de oneração. Maria Caetana ressalta que o texto possui vícios e, além disso, o Ministério da Justiça não poderia declarar nulidade de uma portaria com base tão somente nas decisões proferidas em liminar pela Corte Superior nos Mandados de Segurança 22.072/DF e 22.086/DF, e sem ouvir os interessados.
Nota técnica – Uma das alegações centrais do Ministério da Justiça para a anulação da Portaria 581/2015 foi a sobreposição da área indígena ao Parque Estadual do Jaraguá, Unidade de Conservação (UC) que pertence ao estado de São Paulo. Segundo nota técnica da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR/MPF), no entanto, o argumento não se sustenta, pois a Constituição inclui as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios ao rol de bens da União e declara extintos quaisquer títulos sobre elas. Sendo assim, a existência de UC não impede a demarcação, conforme entendimento admitido pelo STF de que não há incompatibilidade de terras indígenas com outras áreas protegidas.
No documento também são questionadas as alegações apresentadas para anular os efeitos da Portaria 581/2015, que reconheceu a área como pertencente aos índios Guarani. Ao refutar o argumento do Ministério da Justiça sobre o direito da administração pública de anular seus atos, a nota técnica da 6CCR indica que tal ação não pode ser aplicada aos direitos originários dos índios, por se tratarem de direito fundamental instituído na Constituição.
MS nº 23770 / DF. Leia a íntegra do parecer do MPF e da Nota Técnica.
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Foto: André Lucas Almeida /Folhapress.