Por Eloísa Machado*, especial para o blog d0 Sakamoto
O ano do Supremo Tribunal Federal foi marcado por decisões sobre a Operação Lava Jato, julgamentos de exceção e retrocessos em direitos. A história de 2017 contada através de casos do STF é o retrato de um país com instituições em frangalhos.
Janeiro de 2017 – Dia 19, morre o ministro Teori Zavascki, relator de todos os inquéritos da Operação Lava Jato. Na ausência de relator, a ministra presidente do tribunal, Cármen Lúcia, homologa o acordo de colaboração premiada de Marcelo Odebrecht, à época tida como a “Delação do Fim do Mundo”. Antes mesmo de voltar do recesso, o Supremo Tribunal Federal é instado a decidir sobre como os seus casos seriam redistribuídos. A regra regimental mandava aguardar um novo ministro – um novo ministro indicado pelo presidente Michel Temer. Mesmo com a regra regimental clara, Cármen Lúcia mandou redistribuir os casos de Teori sobre a Operação Lava Jato dentre os ministros restantes.
Fevereiro de 2017 – Edson Fachin é sorteado relator da Operação Lava Jato. Alexandre de Moraes é indicado como ministro. O Supremo, em plenário, libera a reeleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara dos Deputados. Para os ministros, mandato tampão – Maia ocupou a vaga e o resto do mandato deixado por Eduardo Cunha, após ter sido afastado do exercício da função de deputado pelo STF e, depois, cassado. Ministro Celso de Mello mantém Moreira Franco no cargo, mesmo réu, à revelia da decisão de seu colega, Gilmar Mendes, que havia impedido a nomeação de Lula.
Março de 2017 – Operação Carne Fraca e tudo o que não sabemos. Rodrigo Janot, o Procurador-Geral da República, entra com 83 pedidos de aberta de inquérito policial contra políticos e afins, baseado na delação de Marcelo Odebrecht. Alexandre de Moraes toma posse como ministro do Supremo Tribunal Federal. Dia 7, uma conversa no fio do bigode, entre Michel Temer e Joesley Batista.
Abril de 2017 – A lista de Fachin e os inquéritos abertos contra deputados, senadores e ministros. Janot pede a Fachin a instauração de inquérito contra o presidente da República, mas está tudo em sigilo. É primeira vez na história em que isso acontece. Fachin começa a perder na 2ª turma do STF: João Cláudio Genu (ex-tesoureiro do PP) e José Carlos Bumlai (empresário, amigo de Lula) vão pra casa com habeas corpus deferido.
Maio de 2017 – Fachin instaura o inquérito que investiga o presidente da República, o IP 4483. A conversa de Temer e Joesley é divulgada em rede nacional: “Tem que manter isso aí, viu?”. Uma mala cheia de dinheiro sendo carregada por Rodrigo da Rocha Loures (assessor de Temer), após uma pizza. O IP 4483 vem a público, assim como o acordo de colaboração premiada de Joesley Batista. Pedidos de impeachment são protocolados com Rodrigo Maia, na Câmara dos Deputados. Nenhum deles vinga. Enorme protesto na Esplanada dos Ministérios é reprimido pelas Forças Armadas, pois Temer convocou a GLO (Garantia de Lei e Ordem) – convocação muito inconstitucional, mas que não movimentou a Procuradoria-Geral da República.
Junho de 2017 – O acordo de colaboração da PGR com Joesley é julgado no STF. Por maioria apertada, o acordo segue em pé. Aécio Neves (também delatado por Joesley) é afastado do mandado por Edson Fachin, mas o Senado não cumpre a decisão e fica por isso mesmo. Dia 26, Janot denuncia o Presidente da República, Michel Temer, e seu assessor, Rocha Loures por corrupção passiva. Na mala tinha meio milhão de reais. Fachin manda a denúncia para a presidência da Câmara dos Deputados para autorizar – ou não – o processo criminal contra o presidente.
Julho de 2017 – Recesso no STF. Cármen Lucia visita presídios pelo país, enquanto presidente do CNJ.
Agosto de 2017 – Câmara dos Deputados rejeita a denúncia contra Temer e caso no STF é suspenso. Temer pede a Fachin que declare Janot suspeito e Fachin diz não. Recorrem ao STF da decisão do TSE e o recurso é considerado inadmissível. Plenário do STF decide que governadores podem ser processados diretamente pelo STJ, sem autorização das Assembleias Legislativas. Começam julgamentos sobre demarcação de terras quilombolas (nunca terminado), mas também sobre o Código Florestal, a proibição do uso de amianto e o ensino religioso nas escolas públicas.
Setembro de 2017 – Uma nova denúncia criminal contra o presidente da República. Não é mais a primeira, mas é mais uma inédita pois nunca um presidente foi denunciado duas vezes. Agora a acusação é de organização criminosa e obstrução de Justiça, onde Temer, Moreira Franco, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Henrique Alves, Rocha Loures e Eduardo Cunha estariam vendendo o país a quem pagasse mais por decretos, regulamentos, cargos. Fachin manda para a Câmara, mas não há surpresa, está tudo dominado. Enquanto isso, na 1ª Turma do STF, Aécio tem o mandato de senador suspenso, o que não iria durar muito. Dia 27, o plenário do STF se curva à Igreja e considera constitucional a oferta de ensino religioso confessional nas escolas públicas – a pior decisão na construção de um Estado laico no Brasil.
Outubro de 2017 – Em nome do combate à corrupção, o STF mantém seu direito de suspender mandatos, inclusive por decisão de um só ministro, mas deixa que o Legislativo decida por último. Se eu fosse Cunha, pedia o mandado de volta. Plenário do Senado derruba decisão da 1ª Turma do STF e Aécio retoma o mandato. Dia 25, Câmara rejeita segunda denúncia criminal contra Michel Temer. Gilmar sendo Gilmar tira Barroso do sério e o bate-boca é ao vivo: “Vossa excelência normalmente não trabalha com a verdade”.
Novembro de 2017 – STF proíbe a produção, comercialização e uso do amianto e ensaia restringir foro por prerrogativa de função.
Dezembro de 2017 – Um novo embate entre Barroso e Gilmar. Este diz que as acusações do Ministério Público Federal são falseadas. Aquele rebate: “Eu vi a mala de dinheiro”. Delegados e promotores lutam pelo poder de realizar acordos de colaboração premiada. Cada ministro vota de um jeito e nada é decidido. Gilmar solta Adriana Ancelmo, esposa de Sérgio Cabral, enquanto que outras mães, pobres, aguardam a decisão do HC 143.641, que não é julgado. Indulto decretado pelo presidente da República é derrubado na canetada, por decisão mal ajambrada de Cármen Lúcia dada numa petição desonesta da Procuradoria-Geral da República, na qual se alega que o indulto é para condenados da Lava Jato.
O ano acaba, enfim. Um ano definitivamente ruim.
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(*) Eloísa Machado é professora da FGV Direito SP, especialista em direitos humanos e coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta.