Estudantes da UniCarioca teriam sido as últimas vítimas do grupo
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Grupos racistas encontraram na internet a oportunidade de ampliar o discurso de ódio e atacar pessoas com o uso de identidades falsas. No último sábado (6), as vítimas foram seis alunos e um professor da UniCarioca. Elas tiveram suas fotos de redes sociais divulgadas e foram chamadas de “macacos”. A instituição foi nomeada como “uma senzala gigantesca” e um dos estudantes negros foi ameaçado de morte.
As mensagens racistas e homofóbicas estão sendo investigadas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro.
De acordo com a assessoria de imprensa da UniCarioca, os agredidos virtualmente foram recebidos pelo vice-reitor e orientados a registrar um boletim de ocorrência na DRCI (Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática).
A universidade contratou uma advogada especializada em crimes virtuais e quatro dos seis alunos ofendidos registraram o BO. A advogada entrou com uma queixa crime e, com isso, foi aberto um inquérito para investigar os responsáveis pelos ataques. Ainda segundo a assessoria, a instituição está prestando toda a solidariedade e apoio às vítimas.
Ao R7, a assessoria de comunicação da Polícia Civil informou que “as investigações seguem na DRCI e, no momento, não há novidades para divulgar sobre o caso.”
Além da investigação por parte da polícia, a instituição contratou uma equipe particular para ajudar a encontrar os culpados. “A Unicarioca abriu um inquérito interno para acompanhar paralelamente. Sabendo se houve envolvimento de algum aluno no crime, a pessoa vai seguir o regulamento disciplinar. Estamos agindo de forma bem cautelosa e, antes de realizar qualquer ato, vamos aguardar a investigação da polícia. O processo está na mão da delegacia”, garantiu o assessor.
As postagens ofensivas foram feitas em nome de Ricardo Wagner, de 28 anos, em um site chamado riodenojeira.com. Porém, o consultor de tecnologia, que cursa análise e desenvolvimento de sistemas na UniCarioca, está tentando provar a inocência e ajudando a Polícia Civil nas investigações.
Em conversa com o R7, Ricardo contou que esta não foi a primeira vez que foi vítima de hackers que usaram seu nome para fazer ataques. Segundo ele, o Dogolachan – fórum que tem como regra o anonimato dos internautas – é o responsável pelo crime contra a universidade carioca.
O estudante acusa o grupo de ter usado seu nome no ano passado para ameaçar pessoas como Janaína Paschoal, Alexandre Frota e Anderson França. Para ele, os ataques são uma retaliação porque os hackers descobriram que estavam sendo investigados.
“Meu nome acabou se sobressaindo nos últimos dias por conta dos ataques à faculdade. Mas já estou monitorando eles há uns três anos e agora chegou a hora de eu contra-atacar. Eles souberam que estava monitorando e começaram a me atacar em abril do ano passado.”
De acordo com a assessoria de imprensa da UniCarioca, o estudante realmente é inocente no caso de racismo. “O delegado chegou a adiantar que ele [Ricardo], que seria autor do texto, realmente não é o autor. Existe uma investigação anterior com o nome dele envolvido em outros crimes e a polícia já vinha investigando que ele é vítima de hackers. Ele, realmente, não está envolvido diretamente e está ajudando a polícia”, assegurou.
O espaço que dissemina ódio nas redes sociais com conteúdo racista, homofóbico, machista, nazista e até pedófilo, é em formato chan, o que garante o anonimato de quem posta as mensagens criminosas.
O Dogolachan foi criado em 2013 pelo hacker Marcelo Valle Silveira Mello, também conhecido como Psy ou Batoré. Mello é conhecido por crimes de ódio e foi a primeira pessoa condenada pela Justiça do Brasil por crime de racismo na internet, em 2009. Ele se posicionou contra as cotas raciais de maneira preconceituosa e foi condenado a um ano e dois meses de prisão.
O hacker também criou um blog em que ensinava como estuprar alunas da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo).
O R7 ligou para a casa de Mello duas vezes. Na primeira tentativa, a mãe dele – que não se identificou – declarou que o filho não estava. Na segunda, ela contou que não conversou mais com o filho. “Da última vez que falei com ele, o Marcelo estava no Chile e não sei te informar onde ele está agora.”
Ricardo Wagner está usando o Twitter para expor as postagens do Dogolachan e provar sua inocência. “Já recebia uma série de ameaças, mas não tenho medo deles. Os ataques são somente com palavras, eles trabalham com blefe, nada além disso”, garantiu.
Dificuldade em encontrar os autores dos crimes
O trabalho de investigação de crimes virtuais é difícil. Ricardo explicou que os hackers usam VPN (Virtual Private Network), que permite alterar o local de navegação do computador. Na prática, o criminoso pode estar em São Paulo e o endereço de IP (Internet Protocol), pode indicar que a pessoa esteja no Japão.
“A polícia investiga, mas é complicado chegar na autoria. Além de serem postagens anônimas, eles fazem acesso VPN e podem estar em qualquer lugar do mundo. Tentar descobrir isso é muito difícil para tentar quebrar o sigilo deles”, explicou.
Porém, segundo Ricardo, é possível encontrar os autores. “Eles se dizem inalcançáveis, invisíveis, mas cometem muitas falhas e acabam deixando rastros”, avaliou. “Meu objetivo agora é pegar o Alemão (GOEC), porque ele está impune faz muito tempo.”
Medidas contra os criminosos
Vítima dos hackers, Ricardo Wagner está pensando em tomar alguma atitude em relação aos ataques que vem sofrendo. “Não culpo quem foi vítima direta e levada a me atacar. É o meu rosto que está ali exposto. Lógico que a pessoa vai agir para onde a direção está apontando”, disse. “O problema é quem está de fora e tem capacidade para investigar, mas me ataca. Infelizmente, vou ter que tomar medidas legais para me preservar porque fui muito exposto desta vez.”
Ainda de acordo com o estudante, o grupo faz ataques independentemente de ideologia. “Eles não têm posicionamento político definido, atacam por atacar. Eles não são burros e sabem o que atrai atenção”, afirmou. “Eles sabem que esses níveis de ataque viralizam muito rápido e inflamam a população. Eles se valem desse tipo de ataque para ganhar dinheiro em cima da publicidade que gera. De certa maneira, eles ganham.”
O R7 entrou em contato com alunos que foram vítimas dos ataques. Porém, eles foram orientados a não falar sobre o caso.
No entanto, alguns deles se manifestaram por meio das redes sociais. “Tenho 25 anos e nunca tinha sofrido racismo de forma direta. Mas, além de me ameaçar de morte, [o autor] me chamou de homossexual, como se isso fosse ofensa. Ele ainda foi homofóbico”, declarou Luiz Fernando Ferreira.
Kathleem Barbosa, de 20 anos, se pronunciou pelo Facebook. “Sobre o ocorrido do fim de semana: Antes de mais nada, quero agradecer ao apoio que todos vocês me deram, realmente não sabia que essa quantidade de gente gostava de mim, meus mais sinceros ‘muito obrigada’, não tenho palavras, amo vocês. À Unicarioca: querida Uni, mais uma vez conseguiram me surpreender, agradeço IMENSAMENTE por todo apoio que estão prestando a nós, vítimas deste crime ridículo, eu não tenho palavras para expressar a minha gratidão em relação à ação que fizeram para nos confortar e nos mostrar que este ato não ficará impune. Agradeço ao reitor, corpo acadêmico, ao marketing, ao jurídico, à assessoria de imprensa e a todas as pessoas que se dispuseram a nos ajudar, MUITO OBRIGADA. Vocês realmente são demais. Muito orgulho em pertencer. Ao DCE: Não preciso nem dizer muita coisa, vocês sabem! Estivemos juntos o ano inteiro, agora não poderia ser diferente. Eu realmente amo vocês. O fato: o que posso dizer é que não ficará impune. RACISTAS NÃO PASSARÃO. Muito obrigada A TODXS!!!”
Site Rio de Nojeira
Assim que o site Rio de Nojeira foi denunciado, saiu do ar. Porém, poucos dias depois voltou ao ar com mais conteúdo racista e desafiando a polícia.
“Já paguei 10 anos de servidor, ou seja, o site vai ficar no ar por pelo menos mais 10 anos. Coloquei mais de 50 artigos para serem postados automaticamente, em datas e horários já definidos por mim, então mesmo que eu MORRA, o site vai continuar mandando a REAL”, aparece escrito no site.
“Vocês podem me ameaçar, vocês podem me prender, vocês podem me espancar, vocês podem até me MATAR (e é bem possível que eu morra mesmo) mas o site vai continuar no ar. Esqueçam, negros cotistas, vadias feministas etc… Vocês perderam dessa vez. Eu trabalho com COMPUTAÇÃO há mais de QUINZE ANOS! NA INTERNET EU SOU DEUS! Vai ter RACISMO, sim! Vai ter MACHISMO, sim. Vai ter HOMOFOBIA, sim! VAI TER LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SIM!!! A polícia brasileira é incompetente e nada pode fazer contra mim. Inclusive eu já tenho ÁLIBI para negar que sou autor do site.”
Crime de racismo
O crime de racismo está previsto na Lei 7.716/89. A legislação determina pena de dois a cinco anos para quem cometer “atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Além disso, o crime de racismo é “inafiançável e imprescritível”.