Assessoria Técnica: um direito dos atingidos pela Samarco

No MAB

O rompimento da barragem de Fundão é considerado um dos maiores crimes ambientais da história da mineração global. Foram derramados cerca de 40 bilhões de litros de lama na natureza que percorreram quase 650 km entre Mariana, em Minas Gerais, até a foz do Rio Doce no distrito de Regência, em Linhares, Espírito Santo.

Atingiu, pela seqüência, o córrego Santarém, o rio Gualaxo do Norte, o rio Carmo e 100% do rio Doce. O rompimento matou 19 pessoas e provocou um aborto forçado pela lama em Bento Rodrigues. Destes, ainda há um corpo desaparecido de um trabalhador direto da Samarco.

Todos os desdobramentos deste crime ainda são vividos de forma dramática por milhares de pessoas nas zonas rurais e nas cidades. São trabalhadores e trabalhadoras, a maioria que tiravam seu sustento das águas dos rios Gualaxo, Carmo e Doce, seja para a pesca, a agropecuária, o lazer, o turismo, entre outras atividades. Todas prejudicadas ou extintas pela lama que saiu de dentro da Samarco Mineração S.A.

Nesta luta pela garantia de direitos estão de um lado todos estes atingidos e atingidas, a maioria dispersos e desinformados. Do outro, estão a Vale e a BHP Billiton, as maiores mineradoras globais no minério de ferro que controlam a Samarco Mineração.

 Confirmando o forte laço entre elas, o Estado e todos os governos, após o crime, as mineradoras firmaram um acordo que criou a Fundação Renova, braço das mineradoras que tem como objetivo assumir todo o processo de reparação, mas que atua ampliando o poder político, econômico e simbólico, especialmente da Vale, para além de Mariana, até chegar em cada recanto do território da bacia.

“É uma luta muito desigual. A Fundação tem mais de 600 funcionários para percorrer toda a bacia, fazer reuniões, visitar as famílias, assediar lideranças, conversar com políticos e levar informações imprecisas ou mesmo falsas para pessoas vulneráveis, muitas analfabetas, provocando confusão e desorganizando toda iniciativa que busque coletivamente a garantia de direitos”, denuncia Camila Brito, militante do MAB na região de Ipatinga.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) questiona desde o rompimento toda esta postura autoritária das mineradoras e da Fundação Renova e sempre pautou que o acesso a informação de confiança e a autonomia organizativa são direitos fundamentais das famílias atingidas. Neste sentido, o MAB defende que um dos instrumentos necessários para garantir a efetivação deste direitos é a existência das Assessorias Técnicas Independentes.

“Este é um crime que trouxe desdobramentos muito complexos e que gera muitas dúvidas nos atingidos: a água dos rios atingidos pode ser consumida? Podemos plantar nas terras atingidas pela lama? A poeira do rejeito faz mal à saúde? Como ficará a geração de renda agora que as terras e as águas estão prejudicadas? Como confiar em critérios justos para as indenizações? Estas são apenas algumas delas”, comenta Letícia Oliveira, integrante da coordenação estadual do MAB e moradora de Mariana, primeira cidade a ter a atuação de uma Assessoria Técnica Independente.

Letícia acompanhou todo o processo de efetivação da assessoria da Cáritas Brasileira, entidade ligada a Igreja Católica que tem sua sede regional em Belo Horizonte e que foi aprovada pela Comissão de Atingidos de Mariana começando seus trabalhos em novembro de 2016.

“Esta conquista veio após intensa pressão do Movimento, do Ministério Público Estadual, da Igreja e de todos os atingidos que exigiam ter uma equipe independente para esclarecer as muitas dúvidas existentes, mas também para construir com eles o difícil processo do cadastramento das famílias e da construção dos reassentamentos. Hoje trabalham na equipe duas advogadas, dois engenheiros florestais, um agrônomo, uma psicóloga, um assistente social, três arquitetos, uma historiadora.

Após meses de luta, atingidos conquistam a presença da AEDAS em Barra Longa

No mesmo período, os atingidos organizados no MAB em Barra Longa já pautavam a assessoria técnica em janeiro de 2016. Além da comunidade de Gesteira que estava às margens do rio Gualaxo de Norte, 5 casas foram destruídas dentro da cidade, 210 quintais atingidos pela lama, 100 casas precisaram de reformas. Uma situação de caos que levou a uma das maiores epidemias proporcionais de dengue do Brasil. Cerca de 450 casos para uma população urbana de cerca de 3 mil pessoas. Nos três anos anteriores, havia sido 3 casos.

Neste contexto e acompanhados pelo Ministério Público Federal (MPF), os atingidos pautaram a Samarco por meio da Fundação Renova que pagasse uma equipe independente conforme já estava em discussão em Mariana. As negociações começaram em setembro de 2016, com a realização de assembleias, reuniões de coletivos para formular pré-projetos, escuta de entidades como Cáritas e AEDAS, tudo organizado pela Comissão de Atingidos e Atingidas e acompanhado pelo MPF.

“Ao seguir dos meses, o que nós vimos foi a Samarco boicotar de todos os jeitos nossa pauta. Fizeram todos os tipos de exigências, insinuaram que a AEDAS não conseguiria prestar o serviço, mentiram dizendo que ela poderia carregar nosso dinheiro, convenceram atingidos a ser contra a Assessoria e a Comissão, etc. Aconteceu de tudo. Mas, como prova da nossa clareza e organização, nós conquistamos”, conta Simone Silva, atingida na cidade.

Após longo processo de negociação, o acordo que contratou a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS) foi assinado e os trabalhos começaram em 28 de agosto de 2017. A AEDAS foi criada no ano de 2000 pelos moradores da comunidade de Casa Nova, ribeirinhos do rio Piranga, na cidade de Guaraciaba. Na época, a comunidade era ameaçada pelo Projeto Hidrelétrico do Pilar e a associação serviu de instrumento para a busca de informações que contribuíram na suspensão da obra que iria causar irreversíveis danos sociais e ambientais. Desde 2008, a AEDAS ampliou seu alcance atuando desde então com comunidades atingidas em diversas regiões de Minas Gerais.

Organizar, escutar, propor e pressionar

Quando chegou na cidade, a equipe da AEDAS recebeu um planejamento prévio feito pela Comissão dos Atingidos e Atingidas que apontava quais as prioridades para o trabalho. O primeiro eixo era relacionado a dúvidas técnicas referentes ao processo de cadastramento e indenização, a situação das centenas casas atingidas pela lama e o canteiro de obras dentro da cidade e o reassentamento de Gesteira. O segundo eixo era sobre a mobilização. A cidade foi dividida em 27 Grupos de Bases que deveriam ser organizados para que o máximo de pessoas participasse.

A partir do planejamento, a AEDAS passou a organizar os grupos com a ajuda da Comissão. Entre setembro e dezembro de 2017, fizeram diversas reuniões, escutaram os danos, as demandas e propostas e organizaram a PAUTA DE REIVINDICAÇÕES DOS ATINGIDOS E ATINGIDAS DE BARRA LONGA.

O documento foi finalizado em 6 eixos: 1) Direito à moradia digna e infraestrutura; 2) Direito ao trabalho digno, geração de renda e desenvolvimento socioeconômico; 3) Direito a participação, poder de decisão e acesso à informação; 4)Direito à saúde, à qualidade de vida e à convivência familiar e comunitária; 5) Direito ao ambiente saudável; 6) Direito a indenização justa.

A pauta foi entregue para a Samarco\Fundação Renova no ultimo dia 2 de fevereiro de 2017 em assembleia com mais de 250 pessoas na Câmara Municipal de Barra Longa com a presença do Ministério Público Federal (MPF).

“A assessoria nos deu condições de entender muita coisa que não estava claro para nós, além de ajudar a trazer os atingidos para as reuniões. Antes não tínhamos como mobilizar tanta gente nem reunir em pequenos grupos. Isto está sendo fundamental e agora vamos avançar”, comenta Marta Rola, atingida e militante do MAB.

Informação, participação e poder na bacia do rio Doce

Como resultado da luta dos atingidos, o direito a Assessoria Técnica está sendo expandido para todas as cidades da bacia do rio Doce. Conforme Termo Aditivo ao Termo de Ajuste Preliminar (TAP) assinado entre as empresas e o Ministério Público Federal (MPF), as mineradoras irão pagar entidades independentes que prestarão assessorias em todas as cidades atingidas até a foz do rio Doce.

O Fundo Brasil de Direitos Humanos será responsável pela contratação das entidades e pela coordenação da coerência metodológica das equipes. Em cada cidade será formada uma Comissão local de Atingidos e Atingidas que vão se organizar e escolher a entidade que prestará este trabalho e depois direcionar o trabalho em cada local.

“Ampliar este direito é muito importante e será um grande desafio. O MAB defende que as assessorias devem atender a estes dois eixos fundamentais: a assessoria técnica em si e a mobilização em grupos de base. Sem participação e pressão popular não haverá resultado técnico que responda às necessidades do povo. Além disto, é preciso garantir que as Comissões sejam plenamente independentes em sua auto-organizarão e em suas escolhas. Interferências das empresas vão criar confusão entre os atingidos e ampliar a violação de direitos”, conclui Letícia Faria.

Imagem: Assembleia reúne mais de 250 atingidos para entregar a pauta para a Samarco – MAB.

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