Parto normal: Kate Middleton, por aqui, não teria a menor chance. Saiu do hospital seis horas depois

‘Você é estreita demais para ter parto normal’, diria o médico brasileiro

Por Rita Lisauskas, no Estadão

Cada vez que Kate Middleton sai da maternidade, andando, horas depois de dar à luz mais um bebê real, a cruel realidade obstétrica brasileira fica cada vez mais clara, só não vê quem não quer: aqui as mulheres são enganadas, todos os dias, ao serem levadas a escolher uma cesárea. Elas começam o pré-natal querendo um parto normal, mas ouvem os médicos dizerem, o tempo todo, que isso “é coisa de índia!”, “uma aventura desnecessária”, algo que vai “arrasar com a vida sexual” e daí, claro, aceitam um parto cirúrgico, mais arriscado e doloroso, como a opção “mais segura” para trazerem seus filhos ao mundo.

Mas daí aparece a duquesa, bebê no colo, recebendo alta apenas seis horas após o parto, ainda mais cedo que nos nascimentos dos dois outros filhos, e a falácia fica cada vez mais evidente: se o parto normal é tão ruim, porque Kate parece estar tão bem disposta? Como já está de pé a caminho de casa? “Ah, mas isso é coisa da princesa, ela é da família real, tem acesso ao que tem de bom e do melhor!” Sim! Ela e todas as mulheres britânicas, princesas ou plebeias, conta a parteira Suzan Correa, brasileira que trabalha no NHS, o National Health Service britânico. “A alta de seis horas é super comum na Inglaterra. Isso acontece diariamente com as mulheres que não apresentam riscos e complicações durante o parto”, conta a midwife. “Não é porque ela é da família real britânica ou porque terá babá e enfermeira em casa que teve alta de seis horas. É porque isso é normal por aqui”, completa. O Reino Unido tem altas taxas de parto normal e uma das internações mais curtas do mundo desenvolvido, segundo um estudo feito pelo PLOS medical journal.

Coincidência ou não, os médicos são coadjuvantes no sistema obstétrico britânico. Só aparecem em cena em caso de emergência, para fazer as cesarianas realmente necessárias, que salvam vidas. O pré-natal, o parto e o pós-parto das gestações de baixo risco, com visitas à casa da puérpera, são conduzidos por parteiras, as midwives. Como não é o dinheiro que está no comando, já que o sistema é público e universal, é o bem-estar da mulher está em primeiro lugar, explica Suzan. Não à toa a mortalidade materna na Grã-Bretanha é de 8,8 mulheres a cada 100 mil nascidos vivos, enquanto a brasileira é de 60 a cada 100 mil nascidos vivos. E se o assunto e a mortalidade neonatal, o Brasil sofre mais um 7 x 1: aqui sete crianças de cada 100 mil nascidas vivas morrem enquanto na Grã-Bretanha apenas um bebê padece a cada 100 mil partos.

E o que é melhor para a mulher? Segundo a OMS, Organização Mundial da Saúde, o parto normal. As cesarianas devem ser responsáveis por apenas 10% a 15% de todos os nascimentos. Mas, no Brasil, 58% dos partos são cirúrgicos, sendo que na rede particular existem instituições em que de cada 10 partos, 9 são cesáreas, o que nos concede o nada honroso título de campeão mundial das cesarianas.

Aqui estamos à mercê de um sistema que privilegia o lucro e a rapidez, “para que esperar horas se a gente pode resolver isso em apenas alguns minutos?”, escutou Raquel*, 32 anos, levada a uma cesárea por comodidade médica. “Depois passei um tempão longe do meu bebê e meu pós-operatório foi horrível. Eu passei vários dias com dores no corte e sem conseguir amamentar direito, porque não achava uma posição confortável”, conta ao blog.

Kate Middleton, por aqui, teria poucas chances, mesmo sendo duquesa. Ouviria que é “estreita demais”, por isso, “não teria dilatação”. Motivos para desencorajá-la não iriam faltar. Quer exemplos? A Dra. Melania Amorim, obstetra da Universidade Federal de Campina Grande, e a obstetriz Ana Cristina Duarte atualizam frequentemente uma lista de motivos estapafúrdios que já foram dados a milhares de mulheres brasileiras para empurrá-las para uma cesariana. São assustadores e vão do clássico “bacia estreita demais”, algo facilmente usado em mulheres magras como Kate, a outros mais elaborados, como a deficiência visual de uma gestante que queria parto normal mas que, segundo o médico, não podia “porque era cega”. Cegas todos nós estamos, na verdade, se não começarmos a perceber como somos feitas de idiotas. Obrigada, Kate, por jogar, de novo, um pouco de luz nessa escuridão.

*Nome trocado a pedido da entrevistada

Foto: Perfil da Família Real no Facebook

 

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